A 18 de Agosto de 1949 chegava aos quiosques nacionais uma
nova publicação infanto-juvenil: intitulava-se O Mundo de Aventuras e iria alimentar os sonhos de milhares de
leitores de várias gerações.
A evocação vem já a seguir.
Esse número inaugural, dirigido por Mário Aguiar,
proprietário da Agência Portuguesa de Revistas, distinguia-se desde logo pelo
seu formato, um tablóide generoso, superior aos jornais actuais, e pela capa e
contracapa em quadricromia. Tinha 12 páginas e custava 1$50.
O seu conteúdo definia já o que seria a sua orientação –
embora com algumas oscilações naturais - ao longo de quase quatro décadas: um
olhar especial para a produção portuguesa, representada por João dos Mares, de Carlos Alberto Santos,
e predominância de heróis norte-americanos – nove séries em dez, entre as quais
Steve Canyon, Rip Kirby, Johnny Hazard e Flash Gordon (ver caixa). Eram
histórias “aos quadrados”, lia-se no editorial, “apresentadas ao mesmo tempo
das revistas americanas e inglesas do género”. Talvez por isso, todas
começavam a meio!
Menos de um ano depois, no n.º 45, O Mundo de Aventuras – ainda com o “O” que viria a perder mais
tarde – já dirigido por José de Oliveira Cosme, reduzia o formato para próximo
do A4, aumentava as páginas e adoptava um colorido mais tradicional na época,
com aplicação de apenas uma cor em algumas páginas. A tanto obrigava a
concorrência, na altura personificada pelo Mosquito
mas que ao longo das décadas iria ser travada com o Diabrete, o Cavaleiro Andante
ou o Tintin.
Para atrair leitores, passou a oferecer separatas – agora
diríamos pósteres - que se tornaram célebres e são hoje raríssimas: a primeira
foi “uma bela fotogravura impressa por Bertrand Irmãos e ilustrando a
equipa de futebol do Benfica que ganhou recentemente a taça latina”.
Naturalmente predominavam os desportistas, com os jogadores de futebol à
cabeça, mas Amália Rodrigues, o toureiro Manuel dos Santos ou a Miss Portugal
também fizeram parte da lista. Em simultâneo, começavam a surgir as edições
“paralelas” apadrinhadas pela revista: Biblioteca
Mundo de Aventuras, Espaço, Guerra, Selecções, etc.
Aquela, foi a primeira de várias mudanças que se seguiriam,
passando pela inclusão de quadricromia em toda as páginas, regresso ao preto e
branco, opção por histórias completas, publicação exclusiva de westerns e, já
nos anos 1960, a diminuição do formato para um quarto do original, que obrigou
a cortes, montagens e mutilações nas histórias publicadas, inimagináveis hoje
em dia.
Publicado durante o regime salazarista, o Mundo de Aventuras, como as outras
publicações da época, teve de fazer cedências e concessões, fintas e desvios,
para publicar o seu conteúdo infanto-juvenil.
Logo no número inicial, embora por influência espanhola,
Steve Canyon, Flash Gordon e Alley Oop viraram Luis Ciclone, Roldan e Trucutu.
Mais tarde, porque os heróis deviam dar bom exemplo,
passaram a ser portugueses: Johnny Hazard passou a João Tempestade, Rip Kirby a
Rúben Quirino, Big Ben Bolt a Luís Euripo e Flash Gordon a Capitão Raio, entre
muitos outros.
A posse da Comissão de Censura para a Literatura Infantil,
em 1950, similar ao acontecido em Espanha, França, EUA…, fez aparecer na capa a
legenda "Semanário juvenil para
maiores de 17 anos” (!), para contornar algumas limitações, mas não evitou que,
mais tarde, decotes e saias curtas fossem retocados para se tornarem
“decentes”, cenas românticas de beijos fossem suprimidas e as armas empunhadas
por heróis e bandidos apagadas, ou escondidas por borrões. As armas, porque os
seus efeitos mantinham-se!
Finalmente, a 4 de Outubro de 1973, deu-se a mudança mais
drástica: a revista voltou ao n.º 1 e, nesta segunda série, adoptou de novo o tamanho A4.
Cerca de um ano depois,
já sob a coordenação de Jorge Magalhães, reduziria o formato para próximo do
comic-book e, mantendo a abertura aos autores portugueses e os heróis que a
tinham consagrado – Fantasma, Mandrake, Rip Kirby, Flash Gordon… - abria-se
também aos comics americanos – Lanterna Verde, Arqueiro Verde, Warlock, John
Carter de Marte… - e à banda desenhada europeia – Thorgal, Paul Foran, Bernard
Prince, Comanche – iniciando uma das suas fases mais estimulantes, que duraria
cerca de 450 números, e incluiria a popular secção Mistério… Policiário,
coordenada pelo Sete de Espadas, que propunha aos leitores a resolução de
palavras cruzadas e enigmas policiais.
Uma breve passagem por um formato
superior e a inclusão de cor nalgumas páginas, seria o canto do cisne da
revista que decaiu progressivamente, até ao final adivinhado, a 15 de Janeiro
de 1987, custava já 50$00.
Passados 48 anos, 1841 números e muitos milhares de páginas,
fechava aquela que foi uma máquina de sonhos para sucessivas gerações e a
revista portuguesa de histórias aos quadradinhos de maior duração. Os tempos
eram outros, a maioria das revistas de BD tinham já acabado e os leitores de BD
tinham aderido aos álbuns.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
18 de Agosto de 2014)
Grande trabalho o seu, Pedro Cleto, neste breve, mas bem documentado, panorama dedicado ao "Mundo de Aventuras", uma das mais importantes revistas de BD portuguesas.
ResponderEliminarFelicito-o sinceramente.
Abraço,
Geraldes Lino
Obrigado, Lino!
EliminarO Mundo de Aventuras foi muito importante para mim, pois acompanhei-o ao longo de mais de uma década e foi nele que fiz a minha "formação" aos quadradinhos.
Boas leituras!
"Os tempos eram outros, a maioria das revistas de BD tinham já acabado e os leitores de BD tinham aderido aos álbuns."
ResponderEliminarComo assim as revistas tinham acabado se a Abril Morumbi editou Homem-Aranha e Batman mais ao menos nessa altura!!!???
De resto optimo texto de uma revista que nunca li.
Caro Opimus,
EliminarSemanas depois - devido ás férias - aqui estou a responder.
O parágrafo que transcreves - e ao qual reconheço ambiguidade - referia-se às revistas com banda desenhada americana, inglesa e franco-belga que durante décadas tinham predominado no mercado português e das quais o Mundo de Aventuras foi o último grande representante...
As edições Marvel e Disney em português estavam a dar os primeiros passos de uma nova história!
Boas leituras!
Excelente evocação de uma grande revista, em várias das suas fases, que também muito marcou o meu imaginário, desde os 11 anos, e mais tarde a minha própria vida profissional. Sem ela nunca me teria dedicado à BD!
ResponderEliminarParabéns e um abraço do
Jorge Magalhães
Caro Jorge Magalhães,
EliminarCom o devido pedido de desculpas pelo hiato em responder, devido ás férias - bem necessárias - agradeço as suas palavras.
E se o Jorge não se teria dedicado à BD sem o Mundo de Aventuras, sem ele eu possivelmente hoje não lia BD...
Boas leituras!
Parabéns pelo artigo. gostei muito.
ResponderEliminarContinuação de boas leituras e...inspiração e paixão para estes textos
Caro Homem do Leme,
EliminarAqui vai o agradecimento tardio - motivado pelas férias! - pelas suas palavras.
A inspiração e a paixão vão continuar com certeza, assim o tempo ajude e comentários como o seu continuem a dar alento.
Boas leituras!
Obrigado pela lembrança, para quem está quase a terminar a colecção (os sites de leilões ajudam um pouco) é uma satisfação poder verificar a importância histórica que a mesma teve/tem.
ResponderEliminarCaro Paulo,
EliminarObrigado - atrasado... - pelas suas palavras.
Andamos então pelos mesmos sítios, atentar completar esta colecção.
Boas leituras!
Parabéns por esta perfeita síntese do mundo da Mundo de Aventuras.
ResponderEliminarTenho preferência por duas fases em que a primeira é a do "tamanho gigante" (série 2 do 01 ao 50) com boa qualidade do papel (fininho, meio lustroso) , formato em que não é necessário forçar a vista para a arte ;-)... com um pequenino contra: algumas das histórias parecem compilações de "tiras de jornal" sem qualquer revisão. Uma das "teorias da conspiração" para o desaparecimento desse formato, é que eram difíceis de ler às escondidas dos pais e... professores! Mas é só teoria - o mais certo é que foi a crise do papel que surgiu na altura!...
A outra fase preferida é logo a seguinte, mesmo com uma redução do tamanho para "metade"(! ;-) ) com um misto de histórias "made in US" e franco-belgas com grandes nomes em que se pode deslumbrar a arte sem o "disfarce" da cor. ;-D
... E o pior período é a última fase da 1ª série com os crimes (= cortes) sobre as pranchas (será que acrescentaram palavreado à história que resultou em "enormes" balões que provocaram esses cortes?) que desespera qualquer leitor de BD - mesmo que a história seja interessante (e há muitas) com esses cortes grosseiros na arte, em vez de BD estamos a ler um novela...
Para finalizar este longo comentário, o desaparecimento da "Mundo de Aventuras" foi natural devido à grande concorrência da cor - no mesmo período, existia o Jornal da BD com grandes nomes da BD ( que compensa a má qualidade do papel...), totalmente a cores e só mais 20$00 que o "Mundo de Aventura"... que "educa" os leitores para o "boom" dos álbuns da Meribérica. "Ah, mas o Mundo de Aventuras" sobreviveu ao Tintin!" - pois..., mas nessa altura a diferença entre leitores de BD "ricos" e "pobres" era grande ( conjugada com falta de alternativas de outros entretimentos de massas juvenis) em o Tintin não tinha concorrência na sua faixa de leitores. Nos anos 80, a BD tornasse mais igualitária ( preços + - razoáveis para todos) e - vou bater mais uma vez nos mesmos... - as bancas (quiosques, papelarias... ) passaram a receber outras revistas (outros temas) com imagens mais apelativas... e as BDs passam para o fundo da caixa, desaparecendo da vista e o que não vemos, não compramos!...
Abraço
ASantos
Caro ASantos,
EliminarUm agradecimento - com o atraso que reconheço, motivado pelas férias - pelo complemento que fez ao meu texto.
Boas leituras!
Pedro, o acordo ortográfico é escroto mesmo. Se pra nós, brasileiros, que temos fama de estuprar a língua, ele já é ridículo, que dirá pra vocês. Coisa de gente bem jeca. Sabe o que é jeca? Enfim, vamos ter que aturar. Triste.
ResponderEliminarCaro Anónimo:
EliminarÉ verdade, este acordo não tem pés nem cabeça, deve ter servido apenas para uns amigalhaços venderem mais uns livros...
Boas leituras... em português correcto!
É considerável o hiato de tempo mas preciso duma informação e, nas minha pesquisas deparei-me com este blog, onde coloco a questão. Alguém me sabe dizer de que número até que número o Mundo de Aventuras colocou páginas centrais com histórias em continuação?
ResponderEliminarCaro Luís Costa,
EliminarNão lhe sei responder, mas com um pouco de pesquisa suponho que encontrará a informação que procura nesta base de dados: http://www.bdportugal.info/Comics/Col/MA/MA1/index.html
Boas leituras!
Grato pela informação. Eu já lá tinha estado, mas como não vi, directamente, a informação que eu buscava, não dei muita importância, no entanto, vendo agora melhor, vejo que dará trabalho, mas tenho muito para ver :D
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