Comercial,
outra vez
Tal
como escrevi em relação a Dragomante
- embora sejam em tudo obras
díspares - parece-me que também Ermal é (mais uma)
tentativa de fazer uma banda desenhada portuguesa que quero apelidar
de 'comercial', porque assenta - neste caso - na facilidade de
leitura e numa temática - o chamado 'western' pós-apocalíptico -
(quase) sempre aliciante. E porque - também... - os protagonistas da
sua acção são portugueses.
Mas
podiam não ser, sem que isso alterasse uma vírgula - uma balão?
uma vinheta? - neste trabalho de Miguel Santos. Esse protagonismo
'nacional' é-nos dado pelo nome dos principais intervenientes,
reforçado pela indicação que nos é dada na sinopse da contracapa
de que estamos perante “refugiados que fogem das ruínas de
Portugal” - onde “o 25 de Abril nunca aconteceu” - “para o
Ultramar”.
Num
breve preâmbulo que revela que o hemisfério norte foi devastado por
bombardeamentos nucleares que o destruíram, durante o confronto que
terminou com a Guerra Fria, somos também postos ao corrente de
confrontos entre diversos grupos organizados, que assentam a sua
acção no comércio de escravos, na exploração petrolífera ou
mineira, a par de pequenos grupos que tentam aproveitar-se do que
conseguem roubar aos outros.
Se
todo este enquadramento permite - assim haja continuidade dentro
deste universo - diversos tipos de abordagem - complementares, não
exclusivas - como acontece, por exemplo, no Jeremiah de
Hermann, a verdade é que ele é - no caso deste Ermal,
pouco significativo para a história contada. O que não impede que a
missão de recuperar uma mala com documentos importantes, junto de um
dos grupos organizados, não apresente momentos interessantes.
Como
noutras edições da Escorpião Azul, sente-se uma grande urgência
de publicar por parte do(s) autor(es) - impulsionados, com certeza,
também, pelo momento editorial único que se vive - o que tem
consequências na obra final apresentada. Atrevo-me a dizer - sem que
isto deva ser encarado de forma negativa - que esta editora -
aproveitando as facilidades que existem actualmente em termos de
impressão - cumpre hoje o papel que há alguns anos estava
'entregue' aos fanzines de melhor qualidade. Para o bem e para o mal.
Porque estas edições, hoje a única forma de novos autores
crescerem e experimentarem, nos chegam ao preço de muitas outras
existentes no mercado, qualitativamente noutro patamar. Penso que já
o escrevi em tempos, beneficiariam imenso de um (verdadeiro) papel
editorial, que levasse o(s) autor(es) a refazerem aqui, a corrigirem
ali, a alterarem acolá.
Pessoalmente,
estava curioso sobre Ermal
desde que foi publicado, atraído também pelo seu grafismo e pelo
formato italiano adoptado - e bem explorado - mas razões diversas só
permitiram que me chegasse às mãos agora.
A
leitura atenta, para além de revelar o tal distanciamento em relação
ao enquadramento referido - Ermal
podia ser contada, quase tal e qual, enquadrada na Guerra Colonial,
por exemplo - mostra também limitações ao nível gráfico. Algum
desequilíbrio nas proporções humanas, aqui e ali vinhetas
demasiado estáticas, falta de pormenores ao nível dos rostos... Mas
a verdade é que, narrativamente, o conjunto acaba por funcionar, e
Miguel Santos, eventualmente consciente (de algumas) dessas
limitações, consegue em parte reduzir o seu impacto graças ao
colorido que, não sendo perfeito, se adequa ao relato, e à
planificação variada que aproveita o 'comprimento' das páginas e a
sucessiva mudança de enquadramentos para se tornar mais dinâmica.
Encarada
como obra única e final - será assim que os potenciais leitores a
vão ver quando depararem com ela numa livraria... - Ermal,
poderá saber a pouco. Se considerada como porta de entrada - e
também laboratório experimental - para um universo a desenvolver em
futuros livros, então adivinha-se nela potencial que poderá vir a
surpreender-nos.
Ermal
Miguel
Santos
Escorpião
Azul
Portugal,
Outubro de 2017
230
x 160 mm, 64 p., cor, capa mole com badanas
ISBN
978-989-99800-7-5
12,00
€
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
Sabe a pouco realmente... faltam páginas para criar o tal mundo "pós-apocalíptico" que é esquecido ao fim de 10/15 páginas.
ResponderEliminarDestacar pela negativa uma edição com má qualidade (a capa mole e o formato acabam por obrigar a arrumar o livro a 90 graus) e um preço totalmente desajustado quando comparado com as edições da G Floy ou Levoir.