15/09/2018

Comic Con 2018: regresso ao ano 1


Uma nova localização, um novo paradigma, um novo conceito, a sensação de novidade e a repetição de erros primários fez desta Comic Con, mais do que uma quinta edição, um reinício.
[Nota 1: A proximidade geográfica permitiu-me, nas edições anteriores, frequentar a Comic Con todos os dias e ter uma visão alargada de todo o evento; o texto actual, espelha, apenas, a minha presença só no sábado e confinado praticamente à zona da Comic Village e dos auditórios que serviram a BD.
E pode reflectir alguma mágoa pela deslocalização...]

A Comic Con cresceu. Inevitavelmente. O espaço era maior - passou de 60 mil para 100 mil metros quadrados - a sua capacidade também - de 30 mil para 45 mil pessoas em simultâneo. Os preços dos espaços também subiram (exponencialmente...), e como o área base era maior, houve mais marcas e stands presentes. Ou seja, à partida o êxito estava garantido. Para a organização. Em termos financeiros e em número de visitantes.
Os números oficiais - difíceis de contabilizar, pois foram anunciados apenas três dias após o encerramento do evento (?!) ficam, no entanto, em meu entender, abaixo do que era expectável. O aumento de 67 % do espaço e de 50 % da sua capacidade, rendeu apenas (…) mais 8 % de visitantes - correspondentes a uma subida de 100.748 para 108.897; ‘apenas’ mais 8149 pessoas do que a anterior edição na Exponor, em Matosinhos. Apesar do espaço maior. E da melhoria das condições. E da novidade que a Comic Con era nos arredores de Lisboa.
Da mesma forma, as expectativas legítimas de quem investiu num espaço comercial - e reforço mais uma vez que me reporto apenas à área da BD - não se confirmaram. Principalmente porque, depois de bons resultados na quinta e na sexta, o sábado - dia natural de todas as enchentes - parece ter ficado abaixo do esperado, tendo os quatro dias, em termos de vendas, ficado sensivelmente ao nível da primeira edição, em 2014, como alguns confirmaram. Com o senão de o número de visitantes ter triplicado entre uma edição e outra…

Mas deixando aquilo que move o mundo - os números - passemos à Comic Com em si.
O novo espaço é vasto - demasiado, dizem alguns - elimina as aglomerações, permite ao visitante respirar. Embora obrigue a caminhar bastante para qualquer deslocação, o que muitos dizer ser saudável. Evita também que se ‘misturem’ os fãs das diferentes áreas, o que, em meu entender, ‘destrói’ o espírito original da Comic Con. E impede descobertas em áreas fora da habitual zona de conforto de cada um. Embora direccione cada um para aquilo que prefere.
Na prática, como muitos já disseram, passamos de uma Comic Con - uma convenção de fãs - para uma grande Feira de Cultura Pop. Não tem de ser mau, é apenas diferente. Genericamente, parece ter resultado, e o aumento dos espaços e da oferta para os mais novos - crianças e adolescentes - fez com que fossem visíveis muitas famílias na Comic Con.
Evidentemente, o Passeio Marítimo de Algés tem um senão: é ao ar livre. Quinta esteve frio, sexta regular, sábado chuviscou de manhã, domingo chegou o calor - só faltou nevar! Claro que em caso de chuva continuada ou forte se torna bastante desagradável; em caso de muita chuva pode mesmo destruir muitos dos adereços e cenários de Cinema & TV e causar graves estragos nos stands comerciais - como aconteceu já este ano, no sábado de manhã, com a chuva miudinha que estava a cair que, combinada com a humidade do local, fez enrugar/enrolar as capas finas das edições que não estavam embaladas em plástico…
É verdade que um dia de chuva ou uma boa chuvada, a curto prazo só é incómoda para os visitantes - a organização já vendeu antecipadamente a maior parte dos bilhetes; mas a médio prazo poderá colocar em causa esta receita antecipada da organização.

No que toca aos serviços de apoio, as melhorias são evidentes. A principal, é a fácil acessibilidade através dos transportes públicos, um dos grandes - e incompreensíveis - problemas da Exponor, há já muitos anos. Os multibancos eram vários e satisfizeram a procura. A zona de alimentação era ampla e a oferta diversificada (embora os ‘habitués’ da Comic Con tenham aprendido a levar dinheiro e alimentação consigo...) E existia uma ampla zona de instalações sanitárias - mas que não fez esquecer, em qualidade e limpeza, a da Exponor.
A sinalização dos diferentes espaços (finalmente) funcionou bem, com sinalizadores claros e bem legíveis, embora a divisão por zonas bem definidas também tenha contribuído para isso.
Infelizmente as autoridades não perceberam a diferença entre uma Comic Con e um festival de música, e para além da zona parecer estar quase em estado de sítio, foram vários os adereços de cosplay, como tacos de basebol, espadas e outros, que ficaram à porta.

A principal falha da Comic Con, este ano, surgiu num capítulo em que é incompreensível: a informação e divulgação. Se ao longo dos anos era evidente a fraca qualidade dos textos enviados à imprensa sobre os convidados, este ano foi parca a informação que chegou aos órgãos de comunicação social, com o anúncio de vários convidados a passar despercebido. Para além disso, a app da Comic Con não funcionou e o site era lento, confuso e tinha diversas funcionalidades desactivadas.

No que à BD diz respeito, o regresso ao passado (quase) só trouxe boas notícias. Nesta edição, voltaram os auditórios bem compostos e as grandes filas para autógrafos, com dezenas ou centenas de pessoas, que não se viam desde 2014.
Maurício de Sousa, apesar de algum cansaço - já são 83 anos! - que o fez deslocar por vezes de ‘mauriciomóvel’, como alguém referiu com humor certeiro, esteve imbatível. Deu centenas de autógrafos por dia, provocou risos e lágrimas, no sábado arrebatou o auditório cheio como um ovo que o recebeu de pé com aplausos para o seu painel, revelou uma simpatia e uma simplicidade contagiantes e continua a ser um gestor atento, informado e actualizado, sempre a olhar para o futuro. Uma escolha em cheio, com convite já renovado para 2019.
Chris Claremont, Mark Waid, Sana Takeda e Marjorie Liu [falo apenas das que vi pessoalmente] também geraram filas de dimensão significativa e, apesar de eu não ter estado presente em nenhuma, de uma forma geral os ecos que recebi falam da habitual disponibilidade e simpatia dos autores.
[Faço novo parêntesis para frisar mais uma vez o bom cartaz de BD da Comic Con Portugal 2018, esta ano bem mais rico na componente franco-belga, em comparação com o sofrível cartaz de Cinema & TV, a área que indiscutivelmente atrai mais público.]

Falha grave, aconteceu, de novo, no Artists’ Alley. O espaço era apertado e escuro, quando não havia luz solar exterior. Alguns dos presentes - que pagaram para lá estar - estavam confinados a lugares difíceis de descobrir e de acesso quase impossível. Se o espaço tem tido um problema, que é a mistura de mesas de ilustradores com outras de (quase) artesanato - seria útil dividir o espaço actual em dois, segundo estes critérios - também seria útil haver alguma hierarquização na distribuição dos espaços. Joe Prado e Eddie Barrows, por exemplo, estavam ‘arrumados num canto’.

Ainda na área da BD, é fundamental referir os Galardões BD, que a Comic Con atribui anualmente, com o único prémio pecuniário para a banda desenhada em Portugal: 2000 € para o Melhor Álbum.
Podendo haver algumas críticas e muitas discordâncias quanto à selecção e aos distinguidos, a verdade é que esse resultado foi obtido com um júri de 21 pessoas - o maior de sempre dos Galardões - de áreas diferentes, com sensibilidades diferentes, o que torna o processo transparente e as escolhas abrangentes e representativas.
A hipótese de alargar o prémio financeiro a outras das categorias, avançada durante a cerimónia de entrega que decorreu no sábado, muito bem composta em termos de público, é mais uma boa notícia.

Em resumo, com raras excepções e algumas vozes críticas (mais) motivadas pela mudança do Norte para o Sul (do que por outra coisa), a Comic Con foi um sucesso. Abaixo do esperado, penso eu, mas no local funcionou bem, com a ajuda da situação meteorológica.
O cartaz foi diversificado, os espaços das diferentes áreas e a respectiva oferta cresceu. Continua a haver aspectos a melhorar e questões a ajustar, inevitavelmente, mas a aposta foi mais uma vez ganha.

5 comentários:

  1. Ganhar 8000 pessoas é um falhanço para quem organiza. Prepararam um espaço enorme a contar com mais 80000 de certeza. Comic con nao funciona ao ar livre. Pavilhao sempre

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  2. Tomazovski15/9/18 18:43

    Não me parece que objetivo fosse ganhar muito mais visitantes do pé para a mão... O objetivo era estabelecer um local que fosse capaz de gerir os tais 100 mil visitantes em condições, o que a exponor não permite. Nesse aspecto, Algés passou com distinção, permitindo um fluxo organizado de pessoas sem as baixas que o furacão Cobie Smulders ou o tsunami Clark Gregg outrora provocaram. Vale a pena celebrar o fim da ideia bacoca de esvaziar auditórios entre painéis! Depois deste ano de estreia é que a organização deve apostar num crescimento sustentável. Da minha percepção, as vendas correram bem melhor e o acessos então não são sequer comparáveis.
    A publicidade foi bem agressiva mas em canais diferentes, apostanto por exemplo mais em anúncios televisivos e outdoors na linha de Cascais. A organização parece transparecer que o retorno de investir em publicidade nos blogues já não é relevante.
    Depois de, no ano passado, a SdE e a Goody terem goleado por falta de comparência, este ano pareceu cimentar a sua posição como editoras mais relevantes e maiores parceiras do evento. Monstress foi uma aposta de longo alcance que começa agora a trazer dividendos e o convite aos autores portugueses e Mark Waid também me pareceu trazer bastante movimento ao stand da Goody. A Levoir publicitou muito mal o seu convidado e a G Floy apostou em esperar que as mangas do vizinho caíssem no seu jardim.
    Quanto ao Artists Alley, assino por baixo. Péssimo e a exigir uma abordagem completamente diferente para a próxima.

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  3. A Goody e a SdE estiveram presentes no ano passado, e a SdE até teve um convidado bem relevante, o autor do Witcher.

    O espaço é de facto de mais fácil gestão, tem muita infraestrututra que não existia na Exponor (a questão das comidas e dos multibancos era terrível, e esse problema desapareceu completamente).

    Mas não sejamos ingénuos: a razão número um para a CCPT se ter mudado para a Algés é porque a Câmara de Matosinhos dava 100 000€, e a de Algés deu 250 000€ mais uns 80 000€ de apoio logístico. É tão simples como isso.

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    Respostas
    1. Como disse o Pedro; os números é que movem o mundo :-)

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