Em Hollywood
fazem-se dois tipos de ‘fitas’: aquelas que são construídas
para vermos projectadas no cinema, e as que se constroem para
projectarem(/esconderem) as vidas dos seus protagonistas.
A história que Ed
Brubaker nos conta em The Fade Out, um belíssimo guião para
um eventual filme negro, faz-de do cruzamento de umas e outras, tendo
como ponto de partida a morte de uma (futura) vedeta (em ascensão) e
os segredos (muito) sórdidos que essa morte - e todas as vidas que
de alguma forma com ela se entrecruzaram - escondem.
É uma história sem
divas nem galãs - sem protagonistas impolutos - apenas com vidas
perdidas - no duplo sentido do termo, as destruídas e as escondidas
pelas ilusões.
Uma história
ambientada nos (negros) anos 50, ainda à sombra dos traumas da
Segunda Guerra Mundial e sob o espectro da contínua caça às bruxas
(comunistas) pelo FBI de Edgar Hoover, em que ninguém é (só) o que
parece, em que os esqueletos nos armários se multiplicam e em que
todos vivem (de um lado ou de outro - ou de ambos) num microcosmos
alargado em que predominam o abuso sexual, a pedofilia, o
aproveitamento do corpo e o vender e comprar de sonhos raramente
cumpridos, nunca na sua plenitude.
Entre figurantes
reais e protagonismos construídos (mais ou menos) à sua imagem, The
Fade Out é um mergulho profundo e angustiante nesse mundo que
projecta glamour e ilusões ao seu redor, mas que se alimenta
necrofagamente de si próprio, e que se faz de um conjunto de avanços
e recuos, entre álcool, sexo e muitos segredos com ‘o rabo de
fora’, com cada ida ao(s) passado(s) a alargar o número de
suspeitos e a mergulhar - os protagonistas como o leitor - num
ambiente, pesado e sórdido, que incomoda quase tanto quanto Brubaker
nos deixa sedentos de mais e mais.
O traço realista de
Sean Philips, com o contributo da paleta de cores predominantemente
sombrias de Elizabeth Breitweiser, arrasta-nos para esse mundo
(irreconhecível) que reconhecemos, de sonhos e contos de fadas
(i)(reais), revestido (travestido…?) de uma aura de opressão,
aproveitamento, exploração e destruição que nunca mais nos
deixará olhar para filme nenhum com os mesmos olhos - o mesmo
encantamento…
Impossível fechar
esta ‘leitura’ sem uma palavra para a magnífica edição da G.
Floy - um dos grandes livros deste ano, sem qualquer dúvida - de
formato generoso, excelentes acabamentos e muitos extras e,
principalmente, integral, pois uma história com esta qualidade,
consistência e complexidade tem de (poder) ser lida de um só fôlego
- um fôlego longo, exaustivo (e extenuante) de mais de um bom par de
horas (muito bem) preenchidas.
The
Fade Out
Ed
Brukaker (argumento)
Sean Philips
(desenho)
Elizabeth
Breitweiser (cores)
G. Floy
Portugal,
Julho de 2018
185 x 280 mm,
400 p., cor, capa dura
35,00 €
(versão integral do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Setembro de 2018; imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
Comprei esta semana, já está no cimo da pilha de leitura.
ResponderEliminarRealmente a edição está muito bonita.
Com o Fade Out no topo, a pilha vai diminuir... devido ao peso!
ResponderEliminarA edição está muito boa, mas o livro é ainda melhor.
Boas leituras!