Quase um documentário
Mais
um dos títulos emblemáticos do selo Vertigo incluído na colecção
que a Levoir lhe está a dedicar a propósito dos seus 25 anos, O
Xerife da Babilónia, devido à sua extensão, surge dividido em
dois volumes.
Mas
é uma obra una, indivisível. Que traça um retrato cru e realista -
quase um documentário - sobre a situação no Iraque no pós-Saddam
Hussein e sobre a (dúbia) actuação dos americanos no terreno.
O
seu ponto de partida é o cadáver de um colaborador dos americanos
que aparece junto a uma das mais emblemáticas esculturas de Bagdad.
Incomodado com a situação - mais com o facto de não se lembrar
dele, apesar de o treinar diariamente para integrar a nova polícia
iraquiana - Christopher, norte-americano a colaborar com a polícia
local, decide investigar como essa morte aconteceu. E, mais
importante, porquê.
Para
o conseguir terá de mover algumas influências, cobrar alguns
favores, pedir outros. Terá, em suma, de mergulhar na forma de ser e
funcionar dos iraquianos. E irá descobrir mais podres do que aqueles
que desejava, mais segredos atrozes mal escondidos do que imaginava,
pondo em risco a própria vida e a daqueles que o vão ajudar.
Acabando por se sentir apenas um peão, marginal - como todos os
outros que com ele compartilham protagonismo - numa engrenagem
obsoleta mas inamovível que vai trucidando todos os que se aproximam
demasiado da verdade - ou daquilo que pensam ser a verdade.
Na
realidade, mais do que propriamente um inquérito com tons policiais, O
Xerife da Babilónia é um retrato vivo, coerente, realista, de
uma situação instável (e insustentável…?) e do choque - mesmo
que contido - entre duas formas - a norte-americana e a iraquiana, a
do dominador e a do dominado, a do invasor e a do invadido - de
estar, ver o mundo e viver, completamente díspares, para não
escrever mesmo ‘opostas’. À sombra do tráfico de influências,
do terrorismo latente, da necessidade de marcar terreno a qualquer custo, dos ódios - mútuos, internos e externos - mal dissimulados.
Por
isso - e também pela sua magnífica construção narrativa - O
Xerife da Babilónia assume muitas vezes um tom de quase
documentário - ou de ficção documental, se preferirem, pelo tom verídico que assume - com os protagonistas, por vezes, a parecerem depor
perante câmaras invisíveis, mais do que a dialogar entre si. Neste
aspecto, na forma como a trama inicial e as outras que com ela se vão
entrecruzar, chegam até ao leitor, brilha o argumentista Tom King
que, através dos diálogos assertivos e contidos, através de uma
planificação não tão clássica como à primeira vista possa
parecer, impõe uma cadência lenta à narrativa, quase como se um microfone passasse de mão para mão para cada um depor. Uma cadência lenta, escrevia atrás, quase
incontornáve - como poderia ser de outra forma? - devido ao calor sufocante que impera cena após cena - que parece soltar-se das páginas do livro e que condiciona o próprio ritmo de vida local - conduzindo,
nem sempre linearmente, o leitor, para o obrigar a avançar ou a parar, a absorver ou a interpretar,
a deduzir ou a adivinhar, a história até um final que, se faz todo o sentido e é coerente face à situação instalada, deixa também muitas dúvidas e uma sensação de
impunidade e de impotência - que apenas espelha a realidade que nós
conhecemos, que continuamos a observar, mesmo que à distância, 14
anos depois da escrita deste livro, 17 após os acontecimentos de 11
de Setembro que tanta coisa espoletaram.
Graficamente,
a obra pode não parecer muito estimulante, pelo tal classicismo da
planificação já referido que, no entanto, acentua o seu (tal) tom
(quase?) documental, complementado pelo traço ‘sujo’ de Mitch
Gerads, repleto dos resíduos de areia que pairam no ar e se
infiltram incomodamente por toda a parte...
O
Xerife da Babilónia
Volumes
1 e 2
Colecção
Vertigo 25 anos
Tom
King (argumento)
Mitch
Gerads (desenho)
Levoir
Portugal,
28 de Setembro/11 de Outubro de 2018
170
x 257 mm, 152 p., cor, capa dura
14,90
€
(imagens
disponibilizadas pelo editora; clicar nelas para as aproveitar em toda
a sua extensão)
Eu nao percebi puto do que se passou... Vou ler outra vez...
ResponderEliminarEu estou a começar a ler...e também ainda não percebi puto. Aquilo é tudo muito confuso, vamos ver se o puzzle começa a compor-se.
ResponderEliminarLi...e não percebi o fim. Com a idade devo estar a ficar burro, tal como o Ricardo Amaro ;-)
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