28/10/2020

Jean-Pierre Autheman (1946-2020)






Num ano que tem sido especialmente cruel para a banda desenhada, ao rol dos falecidos junta-se Jean-Pierre Autheman, autor inconformado que marcou a BD francófona dos anos 1980/90 e foi dos primeiros a ousar o formato 'livro', na altura sob a designação "roman BD".


Deixo, com alterações pontuais e um parágrafo final, o texto que escrevi para a revista Quadrado #4 (II série), a propósito da sua passagem pelos Salões de Porto e Lisboa, em Setembro/Outubro de 1997.


Autheman, melhor dizendo, Jean-Pierre Autheman, nasceu em Arles em 1946, uma semana antes do Natal. Concluídos os estudos superiores na Faculdade de Letras, depois de ter frequentado uma escola de arquitectura, começou a produzir banda desenhada em 1972, tendo editado por sua conta Memoires d'un gardien dde phare. Após este início, foi publicando episodicamente em diversas revistas, nomeadamente Charlie Mensuel, l'Echo des Savanes e HaraKiri, até 1978, data em que concebeu os textos e desenhos de Escale à Nacaro, a primeira aventura do Condor, o aventureiro capitão do Moéna, um barco cujas cargas nem sempre são muito honestas, forçado à acção mais vezes do que gostaria. A experiência não teve grande êxito tendo a série parado durante quatro anos, reaparecendo, então com desenho de Dominique Rousseau, primeiro na Charlie Mensuel e depois, em álbum, na Dargaud. Esta série encontra-se parcialmente publicada [2 de 6 álbuns] em português pela Meribérica/Líber.


Em 1984 publ
ica Sirénes de Balarin, na Glénat, ao mesmo tempo que assina Les Déserteurs, na Pilote, e colabora regularmente na Circus. No mesmo ano cria a série Vic Valence, cujo álbum Une Nuit Chez Tennessee lhe daria o Alph'Art de Angoulême para o melhor álbum francófono em 1986 (e que é um dos dois álbuns da série [que totaliza 3] editados pela Meribérica/Líber). Se os pontos de contacto entre Condor e Vic Valence são inúmeros - ambos têm um barco, ambos embarcam frequentemente em negócios pouco honestos, ambos têm um fraco pela bebida, ambos atraem as mulheres, ambos se metem em complicações mais vezes do que desejavam - Vic Valence é, sem dúvida, um registo bem mais pessoal (ou não fosse Autheman autor completo da série), mais cru, mais violento, mais desencantado com o mundo e a natureza humana, o que o traço mais agreste do autor realça bem, mais a mais quando comparado com a (cada vez mais suave) linha clara de Rousseau.

Em 1987 vamos encontrá-lo na revista Vécu, de novo só como argumentista, ao lado de Dethorey em Le Voyage du Bateleur. A par destas duas últimas séries citadas, a sua produção mais pessoal continuou a aparecer em diversas revistas, nomeadamente na nova versão de l'Echo des Savanes, com gags de cariz erótico, reunidos depois em álbum sob o título Qu'est-ce qu'elles ont les Filles.

Se Autheman foi um autor bastante prolífero, 1992 é, mesmo assim, um ano a destacar neste aspecto, pelo aparecimento de Le Filet de Saint-Pierre, na Glénat, uma narrativa político-policial que decorre na sua Arles natal, L'Homme du Général, o seu primeiro romance, e L'Arlésien, ambos editados por Actes Sud.

A partir de 1993 lança, na Glénat mais uma vez, Place des Hommes, uma série de "roman BD", a que se seguiriam, já na Dargaud, Le Pet du Diable, Le Passe du Manchot e, mais recentemente, Exotissimo. Estes, literalmente, romances em banda desenhada, são histórias longas, em formato livro, passadas quase sempre em locais exóticos, de temática entre o policial e o político, algo intimistas, em que Autheman dá grande protagonismo à volúvel natureza humana. O seu desenho pouco atractivo, mas extremamente eficiente e legível, ajusta-se excelentemente ao formato escolhido e permite-lhe brilhar como argumentista e planificador de excepção que é, o que demonstra quer pela sua capacidade de criar ambientes e tensões através da alternância entre diálogos vivos e ricos e uma hábil gestão de silêncios, quer pelas mudanças de ritmo que com uma facilidade estonteante vai gerindo com mestria.

A sua criação mais recente é Blaise, um autor de banda desenhada que tem aparecido ao ritmo de uma tira por número do boletim La Lettre de Dargaud.

[As suas últimas obras aos quadradinhos datam do início deste século. Desde então dedicou-se à escrita de romances, às crónicas gráficas e ao ensino da escrita e do desenho.

Faleceu a 27 de Outubro de 2020, no hospital de Arles, onde estava internado.]

[As suas últimas obras aos quadradinhos datam do início deste século. Desde então dedicou-se à escrita de romances, às crónicas gráficas e ao ensino da escrita e do desenho.

Faleceu a 27 de Outubro de 2020, no hospital de Arles, onde estava internado.]



(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. Vic Valence é uma obra-prima, pena o 3º volume não estar publicado por cá.

    Da maneira como vejo é um Corto Maltese para adultos, já li as edições da Meribérica há uns valentes anos mas as traduções estavam muito bem conseguidas.

    Aqueles desenhos parecem rebuscados mas são muito eficazes.

    RIP.

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    Respostas
    1. Sim, eu agora reli o primeiro do Vic Valence (Uma noite em casa de Tennessee) e continua muito bom. Tal como o Le Pet du Diable, que também recordei.
      O Autheman escrevia muito bem e o desenho rude dele era ideal para as histórias.
      Boas (re)leituras!

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  2. A ver se arranjo o 3º volume: La Lune des Fous, de 1989

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