23/10/2020

Lucky Luke: Um cowboy no algodão

Racistas?




Chega hoje às livrarias portuguesas - a dizer verdade, na altura de publicação destas linhas já chegou... - o novo álbum de Lucky Luke.

Mais uma vez, a ASA acompanha a edição original francófona, na terceira incursão conjunta de Jul e Achdé nas aventuras do cowboy criado por Morris, num álbum em que o racismo e a discriminação surgem como tema central.


Resumo

Dono de uma plantação de algodão no Luisiana, recebida como inesperada herança, Lucky Luke vê-se a braços com uma missão que sai da sua habitual esfera de acção: não só gerir o negócio como também harmonizar a convivência entre brancos, negros e cajuns.

Com os Daltons apostados em assaltar o (novo) "homem mais rico do Oeste", o cowboy vai também contar com a colaboração de Bass Reeves, caricatura do primeiro negro que chegou a adjunto de xerife a oeste do Mississipi.


Desenvolvimento

Mesmo que possa ter sido coincidência a escolha do tema - que entretanto ganhou nova actualidade e ela reflecte-se na história - questões como o racismo ou a descriminação não seriam fáceis de tratar numa série humorística como Lucky Luke. Jul e Achdé conseguiram equilibrar a sua narrativa, denunciando, recordando, expondo o que foi a escravatura e a exploração dos negros nos Estados Unidos - antes e depois da sua abolição... - sem contemplações, embora num tom adequado ao seu registo, o que equivale e dizer que este é, principalmente, um álbum de Jul. Certeiro, acusador, incómodo até pelo risco de algumas das referências passarem como piada em vez de denúncia.

O que não deve servir para interpretar o que fica escrito como desprimor para o magnífico trabalho gráfico de Achdé, completamente à vontade na série, que assume já por inteiro a sua marca sem ter havido qualquer corte radical com o longo percurso de Morris. Mesmo fora dos habituais cenários do Oeste, Achdé oferece magníficas pranchas nas plantações de algodão ou nos pântanos do Luisiana, e belas caricaturas dos seus habitantes, bem como uma série de conseguidos gags puramente visuais.

A par de uma história original e de um belo trabalho de (re)integração dos Dalton na série, Jul e Achdé espalham igualmente pelo relato sucessivas referências a álbuns e momentos marcantes da série que, podendo passar despercebidos aos novos leitores sem que isso impeça que desfrutem da leitura, são uma mais valia para quem acompanha há (muito) mais tempo as andanças do cowboy, que tem aqui um álbum francamente bem conseguido.


A reter

- A capacidade de tratar um tema sério e fracturante - e de novo (lamentavelmente) actual - num registo de humor, sem descaracterizar a série; nada que surpreenda, conhecendo a carreira de Jul;

- As auto-referências (divertidas) que criam laços entre o actual álbum e a (longa) bibliografia do cowboy;

- O traço de Achdé, a afirmar-se cada vez mais um digno herdeiro de Morris, e a forma como caracteriza as paisagens (diferentes do habitual em Lucky Luke) do Luisiana;

- As personagens reais - ou não - com quem Luke se vai cruzando: Bass Reeves, obviamente, mas também Tom Sawyer, Huckleberry Finn, Obama, Oprah...

- A edição do álbum em simultâneo com a edição francófona. Se há muito é normal em séries de forte pendor comercial, como Astérix e Lucky Luke, os leitores atentos já terão reparado que isto acontece cada vez mais entre nós e não só em edições da ASA.


Menos conseguido

- É tão bom como mau; ao longo do álbum há piadas - e afirmações - incontestavelmente racistas, que embora façam todo o sentido na narrativa, poderão ser mal interpretadas fora do seu contexto. O defeito não será dos autores - que mesmo assim correram um sério risco - mas dos mal intencionados que sempre aparecem.

- Originando duas belas pranchas, a cena do furacão parece-me destoar graficamente do restante do álbum; fica um sentimento dividido quanto a elas.

- Só vi ainda as cinco pranchas que a editora enviou para divulgação, mas nelas há (demasiados) problemas de legendagem...


Nota final

Para feitos de escrita desta análise, este álbum foi lido na sua versão original, em que abundam os trocadilhos e os jogos de palavras; desconheço como ficaram na versão portuguesa, com a certeza que o tradutor não teve tarefa fácil.


Lucky Luke: Um cowboy no algodão

As aventuras de Lucky Luke segundo Morris

Jul (argumento)

Achdé (desenho)

ASA

Portugal, 23 de Outubro de 2020

227 x 298 mm, 48 p., cor, capa dura

10,90 €


(imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Pedro, um pormenor que pouca gente fala quando se trata de traduções e adaptações locais é a letragem e o design a ela associado, parte integral de uma obra de bd, uma vez que é o traço que une visualmente a narrativa e que, como em qualquer texto terá que proporcionar uma leitura fácil e fluida. Infelizmente poucos editores têm em conta ou dão a atenção exigida a este importante componente. Nesta obra, pelo que pude observar, o tipo escolhido, manuscrito, parece-me extremamente fino com pouco recorte e contraste - à semelhança com original?...

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  2. Antonio, hoje em dia são muitos os editores originais que fornecem ou pelo menos aprovam a legendagem das traduções.
    No caso deste Lucky Luke, a fonte parece-me a mesma, embora esteja mais fina que a original, o que dá a sensação que refere.
    Boas leituras!

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  3. Já está mesmo à venda? Na fnac Braga nada...

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    Respostas
    1. A informação divulgada pela editora no dia 22, foi que o álbum estaria disponível dia 23...
      Boas leituras!

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    2. Na FNAC anunciam estar para venda a partir de 27.

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