A ver passar os eléctricos
Membro
do projecto ComicArte e da organização do Salão do Porto, Paulo J.
Mendes regressou à banda desenhada há dois anos com O Penteador
(edição Escorpião Azul) que, em pleno pandemia, se revelou uma
lufada de ar fresco pelo humor absurdo e pelo apelo a convívios,
jantaradas e passeios.
Dois
anos volvidos, Elviro
confirma o autor que se (re)descobriu
na altura, com a vantagem de ser uma obra mais estruturada, assente
numa pesquisa cuidada, com um fio condutor mais sólido, sobre
relações humanas e a forma como encaramos o passado. E
com 0 colorido que se adivinhava/desejava em O
Penteador.
Acredito que a leitura deste Elviro ganharia imenso num formato maior, onde também pudessem crescer um pouco as margens brancas entre e à volta das vinhetas, nomeadamente aquela que fica junto à lombada do livro.
Tudo começa quando Elviro Bolacho e a esposa, Ataílde, chegam a Nalgas de Mar, uma pequena localidade costeira que está prestes a substituir o seu decrépito serviço de eléctricos por um moderno serviço de… troleicarros. Se esta premissa já se revela irónica ao centrar a narrativa na ultrapassagem de um passado, por outro entretanto igualmente caído em desuso, Paulo J. Mendes acrescenta-lhe de ‘fogma divegtida e com muito humog’ aquelas que já são podem ser consideradas algumas das suas marcas distintivas: distribiição generosa de nomes do arco-da-velha, como os protagonistas, o padre Tângero, o doceiro Pendrelico ou o presidente da câmara Sopa Terrino, e uma crítica feroz aos políticos oportunistas, de circunstância e corta-fitas, e aos religiosos à imagem de S. Tomé.
E também - é forçoso referi-lo - uma excelente gestão das paisagens e dos objectos citadinos, representados de forma fiel, credível, proporcionada e perfeitamente ajustada ao estilo semi-caricatural adoptado, graças à sua acção como urban sketcher . De que também aproveita o colorido aplicado, indispensável para dar vida a esta série de peripécias em ambiente balnear.
Mas desta vez, centrando-se nas dificuldades que o casal Bolacho atravessa, vai mais longe e explora questões de relacionamento, a falta de comunicação que existe hoje em dia e como é fácil surgirem equívocos e falsas questões quando ela não existe.
Para agravar o todo, na semana em que a acção decorre, Nalgas do Mar vê-se invadida por duas faunas características vindas de todo o lado - e emuláveis para muitas outras temáticas: os amantes dos transportes públicos unidos num último adeus aos eléctricos, e os mirones atraídos pela praia de nudistas da localidade, escolhida para sediar o seu congresso anual.
São sete dias intensos, com muitas correrias, desentendimentos, ambiguidades e surpresas, mas também novas amizades e estranhas revelações, num relato denso, equilibrado e muito bem escrito, em que mais uma vez Paulo J. Mendes oferece mais do que as parcas (!) 200 páginas de leitura, com tempo para respirar e o ritmo adequado aos diversos momentos, alegre e entretido, com patuscadas e comezainas e, como comprovará quem ler, muito arroz de petichús - ainda há quem não saiba o que é?! - e recheio a sair por todos os lados...
Elviro
Paulo
J. Mendes
Escorpião
Azul
Portugal,
Outubro de 2022
170
x 240 mm, 208
p., cor,
capa cartão com badanas
30,00
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias online de 25 de Novembro de 2022 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Escorpião Azul; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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