17/07/2024

O Corvo VII - O Despertar dos Esquecidos

Não é herói quem quer

"Eu? Eu sou um herói!"
O Corvo in O Despertar dos Esquecidos



Volto a pedir emprestada uma frase de uma entrevista do Luís Louro que já utilizei por aqui: "sempre gostei mais de ler aventuras de heróis que já conhecia, do que histórias isoladas… Permite irmos conhecendo e desenvolvendo as personagens de um modo mais consistente."
Mas o ideal, acrescento eu, é quando herói que (re)conhecemos se apresenta de modo completamente diferente e nos surpreende, sem deixar de ser ele. Como acontece, desta vez, com o Corvo.

Habituámo-nos a ver o Corvo como um herói - ou um anti-herói pelo seu total despiste (aparente?) - alguém que embora perseguido pelos fantasmas do passado sai em busca dos criminosos, combate as freiras das catacumbas, enfrenta o terrível Combustão, atreve-se a aproximar da mulher do Capitão, tenta por todos os modos, à sua maneira, manter protegida a Lisboa que ama.

No entanto, a verdade é que esses actos, talvez com tanto de tresloucados quanto de heróicos, tornam-se em nada quando, como neste álbum, ele se revela um verdadeiro herói. Não pelos grandes gestos que fazem primeiras páginas ou ficam escondidos na sombra da identidade secreta, não por salvamentos mediáticos ou acções que mudam a imagem da cidade... Em O Despertar dos Esquecidos, talvez pela primeira vez, o Corvo pode afirmar - com a sua convicção despassarada mas com a anuência de todos os leitores - que é um verdadeiro herói. Porque faz o que conta, o que faz a diferença, mesmo que muito pouca aos olhos do mundo: dedica-se, desinteressada e solidariamente, a ajudar aqueles com quem aparentemente a vida já não quer nada - com quem família e a sociedade já não quer nada de certeza. São os idosos, termo politicamente correcto para os velhos, que são velhos, sim, porque já viveram, já contribuíram, já fizeram a sua parte para a sociedade e agora pagam no corpo - e na mente... - pelo peso da idade, pelo desgaste da vida...

Luís Louro, com um traço cada vez mais solto e dinâmico, servido por uma planificação arrojada, sem base fixa, nem limitações maiores que o tamanho de duas páginas, continua a cultivar o humor brejeiro que o caracteriza e de que aprendemos a gostar, os trocadilhos insuportáveis que nos fazem querer estrangulá-lo, alterna entre uma enorme sensibilidade, um tom mordaz e apontamentos negros e quase sórdidos, e multiplica as múltiplas referências ao universo do Corvo, ao seu universos pessoal e ao universo mais abrangente a que deu origem com a sua arte.

E é com eles, sem renegar a personagem, o seu espírito e a sua essência, que nos dá uma lição de vida - e para a vida - com um argumento que sensibiliza, que é incómodo e que obriga a uma reflexão. Porque todos temos velhos - e todos iremos sê-lo um dia... - mas são raros os que, perante eles, são heróis como este Corvo..


O Corvo VII - O Despertar dos Esquecidos
Luís Louro
Ala dos Livros
Portugal, Abril de 2024
235 x 310 mm, 80 p., cor, capa dura
19,90

(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

4 comentários:

  1. Nuno Mata17/7/24 17:31

    É um dos livros do ano!

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  2. Este é o melhor livro Nacional da última década. É incrível e mostra como por cá se fazem livros que não devem nada ao que se faz lá fora. Notável.

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    Respostas
    1. Esqueci-me de assinar - Carlos Santos

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  3. É contagioso, o Pedro esqueceu-se do "e" no título, ficou "Esqucidos". Joking.
    Vale a pena comprar.

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