Krazy Kat, uma das mais estranhas e estimulantes obras da
história da banda desenhada estreou-se há um século, no The New York Journal.
Publicada entre 1931 e 1944, depois de aparições
intermitentes desde 1910 nas margens The
Digbat Family’s (outra BD do mesmo autor) atingiria o seu auge a partir de
1935, quando passou a dispor de página dominical colorida. Foi aí que, com
maior intensidade, brilhou a ‘loucura’ controlada do seu criador, Georges
Herriman (1880-1944) que, apoiado pelo magnata William Randolph Hearst, dono
dos jornais em que publicava e seu admirador confesso, deu largas ao seu peculiar
sentido de humor e à sua imaginação surrealista, transformando o cenário
desértico de Coconimno County, no Arizona, em que a acção decorria, numa paisagem
em constante mutação de vinheta para vinheta, com planaltos às bolinhas,
montanhas às riscas ou árvores a crescer em vasos…
Talvez por isso, Krazy Kat, no seu tempo, era lida com
admiração por Pablo Picasso, E.E. Cummings, Jack Kerouak ou pelo presidente
Woodrow Wilson, e hoje, 100 anos depois, continua a merecer a atenção e a
admiração dos que se atrevem a penetrar neste misterioso universo, que continua
surpreendentemente moderno e desafiador.
Universo, refira-se, centrado em apenas três personagens de
interacção limitada mas sempre renovada, com o segredo a consistir não no
desfecho de cada prancha, mas nos diversos momentos que a ele conduzem. Nesta
atípica banda desenhada, Krazy, a gata (ou será gato?) julga declaração de amor
os tijolos que o rato Ignatz constantemente lhe lança à cabeça por pura maldade,
acabando na prisão – mesmo quando não é culpado – por iniciativa do cumpridor
mas pouco inteligente guarda Pupp.
Para além da sua ínfima dimensão, o que também caracteriza
esta galeria de personagens, é a linguagem com que Herriman os dotou, espécie
de transcrição fonética de uma estranha mistura de inglês, francês, espanhol e
alguns dialectos norte-americanos, que resulta numa linguagem (quase) nova.
Para além de Krazy Kat, Herriman, que vendeu o primeiro
desenho aos 17 anos, desdobrou-se na criação de um sem número de tiras e
personagens, incluindo a já citada The
Digbat Family’s.
Publicada de forma breve no Diário de Lisboa, Krazy Kat teve
duas edições em português. Em 1991, os Livros Horizonte editaram dois dos
quatro volumes previstos da reedição integral das páginas publicadas entre 1935
e 1944. Mais recentemente, em 2009, a Libri Impressi, de Manuel Caldas, editou Krazy+Ignatz+Pupp – Uma Kolecção de Pranchasa Kores Kompletamente Restauradas, ainda disponível no
editor.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Outubro de 2013)
Seria bom a publicação dos restantes 2 volumes, desta BD inovadora, pela editora Livros Horizonte.
ResponderEliminarGrato pelo texto.
Luís.
Olá Luís,
EliminarBom, seria sem dúvida, mas é também de todo impensável 20 anos após a publicação dos dois primeiros tomos...
Até porque hoje em dia, com os avanços tecnológicos na área da reprodução, restauração e impressão, seria fácil conseguir uma edição bem melhor que a dos Livros Horizontes que, no entanto, era bastante boa para a época...
Boas leituras!