Regresso à favela
Tal como André Diniz, aqui (bem) acompanhado por Laudo Ferreira - dois autores cujas obras tenho tentado acompanhar - regresso ao Rio de Janeiro.
Eu, depois de ontem ter destacado Carnaval Sauvage, Diniz após o seu premiado Morro da Favela e Que Deus te abandone.
Em comum a estas obras, as favelas do Rio como local da acção - e pouco mais.
Na verdade, se em Morro da Favela, o tom era de esperança e crença, neste regresso de Diniz ao seu Rio de Janeiro
natal e à favela - que obviamente conhece bem - ele apresenta-nos um retrato bem mais pessimista - realista será talvez um termo mais correcto - de um submundo violento, com regras próprias e, aparentemente,
imutável e sem salvação.
Mesmo quando os seus habitantes - alguns deles - pensam deixar esse inferno - sem na verdade sairem dele - para subirem a um céu aparente - o tal Olimpo do título - quando
deixam de ser os explorados e passam a ser os exploradores - os traficantes de droga e os seus capangas ou a polícia que com eles faz acordos a troco de (bom) dinheiro.
Mas, se tudo o que fica atrás funciona como pano de fundo, Olimpo Tropical é na verdade a história de Biúca, um adolescente de 15 anos, aleijado de uma perna, por isso alvo da troça geral e em especial da de Nádia,
por quem se sente atraído. Entre a vida sem esperança em casa, o desejo de vingança do capitão da polícia que matou o irmão, o trabalho degradante de encher saquinhos de droga para
venda, os sonhos que mal admite e os pesadelos recorrentes que o assombram, Biúca é dos ‘iludidos’ que acredita que ao ter uma arma e subir na hierarquia do gangue - de encher saquinhos a vigia da
principal escadaria da favela - passa do mundo dos homens para o dos deuses. Sem saber - ainda - que entre um e outro as diferenças são poucas e, na verdade, quase nada muda.
O traço caricatural de Laudo acentua esta metáfora da vida real, triste tragicomédia com muitos protagonistas diários do lado de cá das leituras de
papel, e transmite uma dinâmica e uma agilidade ao relato que são assinaláveis e que têm um contributo decisivo da sua planificação multifacetada.
Não possso, no entanto, deixar de imaginar como um traço mais agreste e carregado teria reforçado o tom derrotista - realista? - e a dureza do retrato que André
Diniz primeiro viu.
Pese este último parágrafo, quero reiterar a ideia que este foi um dos grandes lançamentos de 2017 no nosso país, um de uma mão cheia de edições
relevantes e altamente recomendáveis que As Leituras do Pedro deixaram passar, devido à constante sucessão de lançamentos.
Até hoje, no que a Olimpo Tropical diz respeito.
Olimpo Tropical
André Diniz (argumento)
Laudo Ferreira (desenho)
Polvo
Portugal, Novembro de 2017
190 x 260 mm, 136 p., pb, capa mole com badanas
14, 90 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Não BD, mas muito iteressante sobre o tema das favelas
ResponderEliminarhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Abusado_-_O_Dono_do_Morro_Dona_Marta