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20/03/2022
André Diniz: “Sabia que a história se repete, mas ver acontecer na prática, é assustador”
Leituras relacionadas
André Diniz,
entrevista,
Polvo
16/02/2022
Matei o meu pai e foi estranho
Contrariar um título revelador
Uma obra com
um título revelador, como é o caso desta - Matei
o meu pai e foi estranho
- tem tudo para deixar o leitor desconfiado e até desmotivado por
conhecer antecipadamente o final. Para mais, quando a
informação em causa é confirmada logo nas primeiras páginas.
Tendo
arriscado tanto, resta ao autor conseguir criar um relato
suficientemente estimulante e, ainda assim, capaz de surpreender o
leitor. André Diniz, brasileiro de 46 anos, a residir no nosso país
há alguns anos, consegue fazê-lo.
11/06/2020
Live 4 Quadrinhos com André Diniz
Leituras relacionadas
André Diniz,
Live 4 Quadrinhos
14/05/2020
André Diniz: "Histórias partem de desafios, de medos, de conflitos"
Aproveitando
o
lançamento da 2.ª edição de Morro da Favela
e
a
respectiva exposição,
com a colaboração da editora Polvo, As
Leituras do Pedro colocaram algumas perguntas aos autores, via
correio electrónico.
Por
razões diversas que não vêm ao caso, entre o envio do
questionário,
a recepção das respostas e a sua publicação, já passaram mais
de três meses,
mas
isso não invalida nem desactualiza o seu interesse e
serve como uma nova chamada de atenção para um livro que merece ser
lido - como já foi feito aqui.
Leituras relacionadas
André Diniz,
entrevista,
Maurício Hora,
Polvo
13/05/2020
Maurício Hora: "Não imaginava que a minha vida fosse algo para contar"
Aproveitando
a vinda
a
Portugal de Maurício Hora - André Diniz já vive cá! - para a apresentação da 2.ª edição de Morro da Favela e
presença na inauguração da respectiva exposição,
com a colaboração da editora Polvo, As
Leituras do Pedro colocaram algumas perguntas aos autores, via
correio electrónico.
Por
razões diversas que não vêm ao caso, entre o envio do
questionário,
a recepção das respostas e a sua publicação, já passaram mais
de três meses,
mas
isso não invalida nem desactualiza o seu interesse e
serve como uma nova chamada de atenção para um livro que merece ser
lido - como já foi feito aqui.
Leituras relacionadas
André Diniz,
entrevista,
Maurício Hora,
Polvo
13/02/2020
Exposição: Morro da Favela
(texto, informação e imagem disponibilizadas pela organização; clicar na imagem para a aproveitar em toda a sua extensão)
As Leituras do Pedro já leram e recomendam muito este livro.
As Leituras do Pedro já leram e recomendam muito este livro.
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André Diniz,
exposição,
Polvo
07/08/2019
Entre cegos e invisíveis
Tenho André Diniz entre os autores que acompanho, motivado por excelentes obras como Morro da Favela, Que Deus te abandone ou Malditos amigos.
12/07/2018
Malditos amigos
Argumentista de
cabeceira
Fui sempre -
sempre…? - mais um leitor de argumentistas do que de desenhadores.
A parte gráfica de uma BD - aceitando implicitamente que a separação
pode ser feita… - foi sempre - sempre…? - suplantada pela
história contada.
André Diniz é,
neste momento, um dos meus ‘argumentistas de cabeceira’, cuja
obra sigo.
27/03/2018
Olimpo Tropical
Regresso à favela
Tal como André Diniz, aqui (bem) acompanhado por Laudo Ferreira - dois autores cujas obras tenho tentado acompanhar - regresso ao Rio de Janeiro.
Eu, depois de ontem ter destacado Carnaval Sauvage, Diniz após o seu premiado Morro da Favela e Que Deus te abandone.
Em comum a estas obras, as favelas do Rio como local da acção - e pouco mais.
Leituras relacionadas
André Diniz,
Laudo Ferreira,
Polvo
05/10/2017
Nas bancas: O Idiota
(nota informativa
disponibilizada pela editora)
Da autoria do argumentista e ilustrador brasileiro André
Diniz, a última novela gráfica desta colecção O Idiota, é um lançamento
com estreia mundial em Portugal. André Diniz adaptou à BD o romance clássico do
escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1869.
Leituras relacionadas
André Diniz,
Bancas,
Levoir,
Público
25/01/2016
Café Espacial #15
‘Surpresa’ não tem sido, de forma alguma, o adjectivo que eu
escolheria para definir o trajecto editorial da Café Espacial – embora ele
venha a ser tudo menos monótono - mas, neste seu décimo-quinto número, parece
que o conteúdo foi seleccionado em função de um objectivo: surpreender.
Leituras relacionadas
André Diniz,
Café Espacial,
Laudo Ferreira
20/11/2015
Que Deus te abandone
Depois do intenso Morro
da Favela, André Diniz volta ao morro, volta à favela, para contar mais
histórias humanas.
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André Diniz,
Polvo,
Tainan Rocha
28/06/2015
O velho Muzinga regressa com arte de Jefferson Costa
Desde o relançamento do site Muzinga, que reúne HQs digitais
de André Diniz e parceiros, havia uma lacuna a ser preenchida: onde estava o
personagem que dá título ao site?
A resposta, com imagens, já a seguir.
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André Diniz,
Jefferson Costa,
Muzinga
15/05/2015
Muzinga está de regresso
O site site Muzinga, criado pelo quadrinhista André Diniz e
pela colorista Marcela Mannheimer como um espaço para publicação de HQs
digitais, acaba de reestrear, com uma série de novidades.
24/02/2015
Fawcett
A primeira – e grande! – surpresa deste livro é a parceria
autoral: André Diniz, no argumento, e o mestre brasileiro Flavio Colin, no desenho.
A razão? A existência, entre os dois, de uma diferença de 45 anos. No trabalho
comum, esse salto geracional não é de forma alguma visível.
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André Diniz,
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Flavio Colin
24/01/2015
Tintin por... André Diniz
06/08/2013
Biografias aos quadradinhos
Recém-chegada às livrarias nacionais, “Anne Frank: Biografia
Gráfica”, uma edição da Devir, é uma obra que exemplifica um género a que a
banda desenhada regressa recorrentemente: a biografia.
Se a história de Anne Frank, a pequena judia que narrou num
diário a sua experiência como refugiada judia na Holanda, durante a segunda Guerra
Mundial, é razoavelmente conhecida, recontá-la aos quadradinhos pode ser uma
forma de a fazer chegar a leitores menos familiarizados com as atrocidades
sofridas pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Os seus autores, Sid Jacobson e Ernie Colón, para além do
diário de Anne, basearam-se também em testemunhos de pessoas que a conheceram, para
fazerem um enquadramento histórico e narrarem a história da sua família antes e
depois do holocausto nazi.
Da mesma editora é também “O Zen de Steve Jobs”, que num
registo mais ficcional, ilustra diversos episódios da vida do fundador da Apple
entre 1970 e 2011, que mostram a sua relação com Kobun Chino Otogawa, um monge
zen dissidente do budismo, e como se inspiraram mutuamente.
Acreditando nas potencialidades desta forma de expressão e
na facilidade com que chega a leitores mais novos, a Fundação Nelson Mandela compilou
diversos episódios da vida do antigo presidente sul-africano em “Nelson
Mandela: The Authorized Comic Book”, um projecto que teve supervisão do próprio.
Temática usada em Portugal e noutros países ocidentais
durante décadas para contornar as limitações que a censura impunha, a biografia
aos quadradinhos continua a ter cultores como o veterano José Ruy, autor de “Leonardo Coimbra e os Livros Infinitos” (Âncora), na qual provoca o encontro entre duas
“versões” do biografado, o homem maduro e o jovem de 14 anos, que vão
conversando e percorrendo os diversos locais onde viveu uma das figuras mais
proeminentes do movimento da Renascença Portuguesa.
Já “Pessoa & Cia” (ASA), da catalã Laura Pérez Vernetti,
apresenta o poeta português através de uma biografia desenhada e da
reinterpretação de alguns dos seus poemas aos quadradinhos.
Menos conhecido é o fotógrafo brasileiro Maurício Hora, natural
da favela do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, onde ainda hoje habita
por opção, cujas dificuldades de vida inerentes ao meio são traçadas em “Morro da Favela” (Polvo) do também brasileiro André Diniz.
No campo do desporto, a vida de um dos maiores ciclistas de
todos os tempos foi lembrada aos quadradinhos nos anos 1970 pelo jornal “A
Capital”, numa BD recuperada pelo GICAV em “Um campeão chamado Joaquim
Agostinho”, a propósito do centenário do seu criador, Fernando Bento
(1910-2010).
Nos Estados Unidos, os quadradinhos biográficos dedicados a personalidades
e celebridades das mais diversas áreas encontraram um nicho de mercado que a
Bluewater Productions tem explorado a fundo. O actor Lou Ferrigno, o escritor
George R.R. Martin, o basebolista Jackie Robinson ou os One Direction são
alguns dos nomes que recentemente integraram um já vasto catálogo onde também
se encontram biografias de Barack Obama,
dos príncipes William e Kate, de Michael Jackson ou de Angelina Jolie, esta
última desenhada pelo português Nuno Nobre.
Entretanto, nalgumas bancas e quiosques portugueses está
neste momento disponível o segundo tomo de “La Vie de Mahomet”, uma biografia do
profeta do islão.
Editada pela revista satírica “Charlie Hebdo”, conhecida
pelas muitas polémicas que tem provocado e cuja sede chegou a ser alvo de um
atentado bombista, desencadeou uma tempestade mediática quando foi editado o
primeiro volume, mas a obra revelou-se fiel à versão histórica, fruto de um
profundo trabalho de pesquisa por parte de Zineb e Charb, que entre outras
bases utilizaram os textos sagrados do Corão “para ilustrar o percurso de um
homem, Maomé, tal e qual é descrito nas próprias fontes islâmicas”.
Apesar disso, não escapou a tornar-se alvo de alguns
extremistas e recentemente, em França, donos de quiosques foram ameaçados e
mesmo agredidos por a exporem e o Facebook chegou a suspender a página da “Charlie
Hebdo” por “publicação de conteúdos que violavam” as suas regras…
A finalizar, a título de curiosidade fica uma referência a
três biografias intimamente ligadas ao género narrativo que as suporta: “Maurício
de Sousa: biografia em quadrinhos”, assinada pelo respectivo estúdio, mas que
assume alguns contornos autobiográficos, “Osamu Tezuka – Biographie”, obra
póstuma sobre o criador de Astroboy, e “A Saga do Tio Patinhas”, editada em
Portugal pela Edimpresa, na qual Don Rosa recriou cronologicamente o percurso
do pato mais rico do mundo a partir dos muitos episódios escritos e desenhados
por Carl Barks, o seu criador.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
6 de Agosto de 2013)
Leituras relacionadas
Âncora Editora,
André Diniz,
ASA,
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Charlie Hebdo,
Devir,
Disney,
Fernando Bento,
GICAV,
José Ruy,
Maurício de Sousa,
Polvo,
Tezuka
12/03/2013
Morro da Favela
André Diniz
Polvo,
Portugal, Fevereiro de 2013
165 x 230 mm, 128 p., pb e cor, brochado com badanas
16,85 €
Resumo
Uma biografia de Maurício Hora, fotógrafo brasileiro
residente na favela do Morro da providência.
Desenvolvimento
Preconceitos.
Vivemos num mundo preconceituoso, somos educados com base em
(mais ou menos) preconceitos – sociais, religiosos, rácicos, comportamentais… Que,
mesmo que (parecendo) justificados, nos impedem de ver, de ver os outros, de
ver para lá dos outros, do retrato que deles nos traçaram ou impuseram, de ver
o que nos rodeia, de forma isenta, sem juízos prévios.
Acima de tudo, somos ensinados a temer a diferença, a
evitá-la, a rejeitá-la.
“Morro da Favela” é,
de certa forma, também, um libelo contra os preconceitos. Destrói – destrói? –
um dos mais arreigados no que ao Brasil diz respeito: que as favelas são
lugares malditos, cheios de bandidos, drogados, traficantes, polícias
corruptos, violência…
Não quer dizer que eles não existam e não estejam lá. E
“Morro da Favela” não branqueia o que são ou o que fazem. Porque querem.
Mas também mostra – principalmente – que, nas favelas, há
muitos que não são drogados, traficantes ou bandidos, gente como nós que está
na favela porque nela nasceu, por opção (ou por falta dela), que passam ao lado
– tentam passar – de tudo isto e levar uma vida normal.
Filho de um dos primeiros traficantes de droga, habituado a
visitar o pai na prisão em criança – e que dias de festa eram esses! –
resistente desde sempre a seguir o caminho mais fácil – o da dependência, do
tráfico, do roubo, da violência – Hora (con)seguiu uma vida normal sem sair da
favela e tornar-se um fotógrafo respeitado dentro e fora do Brasil.
A sua vida – sofrida, esforçada, empenhada, lutadora - serve
de base a um retrato mais vasto de uma realidade que apesar de tanta
mediatização desconhecemos quase totalmente.
E esse é o grande mérito de André Diniz, conseguir ter a
favela “como cenário” sem contar “mais uma história de violência, embora
soubesse que era impossível eliminá-la completamente…” como referiu na
entrevista que me concedeu há algumas semanas.
Ao centrá-la em Maurício Hora, humanizou-a, conseguindo em
simultâneo contar várias histórias – dos pais, dos vizinhos, dos amigos, também
dos traficantes e dos polícias corruptos… - criando uma história de descoberta
de uma realidade (que pode ser) diferente.
Da qual nos afastamos voluntariamente, de forma
preconceituosa. Como André Diniz que, morador no Rio de Janeiro há 27 anos,
“nunca havia pisado em uma favela”
A opção por um traço estilizado, anguloso, também
semi-caricatural, revela-se bem acertada.
Primeiro, porque reduz a carga de violência que associamos
ao local, afasta-nos da realidade mediatizada – despe a favela dos
preconceitos?
Depois, passado o impacto inicial que obriga a redobrar a concentração
para o interpretar e captar em toda a sua dimensão, revela-se até agradável,
extremamente legível e capaz de transmitir de forma equilibrada a carga
emocional associada ao relato.
Finalmente, ao ser trabalhado num preto e branco bem
contrastado, mas mostrado em “negativo”, parece aproximar-nos de Maurício Hora
e do seu trabalho fotográfico, mostrando como ele vê/vive num “mundo ao
contrário” do que nós esperaríamos.
- A força do relato de André Diniz: contido, equilibrado mas
poderoso.
- O traço adoptado, pela originalidade e eficiência.
- A boa edição da Polvo, complementada com algumas
fotografias de Maurício Hora e, relativamente à edição original brasileira,
enriquecida com ilustrações de alguns autores brasileiros: Marcelo e Magno
Costa, José Aguiar, Laudo Ferreira, Pablo Mayer, Ricardo Manhães e Will…
- … que tem o mérito de divulgar em Portugal uma das muitas
e muito interessantes obras recentes dos quadradinhos brasileiros, que
raramente chegam a Portugal, apesar da estranheza que de certa forma causa ver
editada entre nós uma obra brasileira – perfeitamente legível na língua
original que (naturalmente) foi mantida nesta edição…
04/02/2013
Entrevista com André Diniz
Depois de inaugurar uma exposição de originais, ainda
patente em Beja até 28 de Fevereiro, em trânsito para o Festival de BD de Angoulême que ontem
terminou, André Diniz esteve de passagem pelo Porto.
Por isso, aproveitei para conversar com o criador de “Morro
da Favela”, tendo como pretexto o lançamento, esta semana, do livro em Portugal,
pela Polvo – obrigado Rui Brito pela informação - ficando a conhecer um pouco
melhor um dos autores brasileiros de BD (ou HQ!) mais interessantes do momento.
As
Leituras do Pedro – Quem é o André Diniz Fernandes?
André
Diniz – Nasci no Brasil a 5 de Setembro de 1975 e faço quadrinhos
desde antes de saber ler.
Comecei por editar fanzines, fotocopiados, ainda antes de
haver Internet (!) e, no ano 2000, criei a Nona Arte, uma editora de uma pessoa
só, lançando dois títulos: “Subversivos – Companheiro Germano”, desenhado pelo
Laudo Ferreira, e “Fawcet”, com arte de Flávio Colin. Este último foi marcante,
não só pela colaboração com o mestre Colin, mas também porque teve uma boa
receptividade e conquistou vários prémios.
Nestes dois livros apenas escrevi os argumentos. Sabia
desenhar um pouco, já tinha feito algumas bandas desenhadas, mas sentia que
para fazer algo a sério tinha que entregar o desenho a outros autores.
Depois, criei um site cuja intenção era divulgar os meus
trabalhos, comecei a incluir obras de outros autores, esgotadas ou de pouca
circulação e quando parei, já tinha mais de 450 obras aos quadradinhos.
Com outras obras que fui editando, quando o mercado
brasileiro despertou para os quadradinhos, o meu trabalho já era conhecido. Em
2005, quando saiu o meu primeiro livro por um editor “de verdade”, já tinha
ganho 12 prémios!
Desde então não editei mais nada sozinho e não sinto nenhuns
remorsos!
ALP –
“Morro da Favela” é a biografia do fotógrafo Maurício Hora. Como surgiu esta
ideia?
AD – Tudo
começou durante um almoço em casa da minha mãe, onde comentei que havia muita
gente com vidas interessantes que ninguém conhecia e que gostava de fazer a
biografia de alguém assim.
Um cunhado meu disse que conhecia o Maurício Hora, fez um
apanhado do percurso dele e fiquei bastante curioso. Telefonei-lhe,
apresentei-me e disse-lhe de imediato, pelo telefone, que gostava de contar a
vida dele em BD. Fez-se um silêncio… e ele aceitou.
A partir daí, encontramo-nos várias vezes. No Rio de
Janeiro, em qualquer sítio há uma favela, vê-se uma favela, mas quase ninguém
as conhece de verdade. O Maurício levou-me à “sua” favela – Morro da
Providência – várias vezes e descobri coisas boas e coisas más.
A primeira grande surpresa foi ver na favela tantas pessoas
armadas como geralmente se vêem pessoas ao telemóvel. Mas, ao mesmo tempo,
também descobri que a favela é quase como uma grande família! Claro que nas
famílias, às vezes um cunhado mata outro (risos)!
Hoje, entendo perfeitamente que alguém diga que habita numa
favela e não quer sair de lá. O Maurício tem uma visão única. A visão de alguém
de dentro, mas também a de quem está fora da favela.
Quando escolhi a favela como cenário, não queria que fosse
mais uma história de violência, embora soubesse que era impossível eliminá-la
completamente…
ALP –
Que aspectos o marcaram mais durante a criação de “Morro da Favela”?
AD – Houve
muitos. Um dos que mais me marcou, foi quando percebi que ia narrar
algo que ninguém poderia imaginar em ficção, quando o Maurício me contou o
episódio em que teve de ensinar fotografia a 50 pessoas que não tinham máquinas
fotográficas e saiu com elas pela favela, a fazerem enquadramentos com os dedos
(forma um rectângulo com os polegares e os indicadores para exemplificar).
Ninguém se lembrava de algo assim!
Também me tocou o episódio das visitas que fazia ao pai
quando era criança. Comecei logo a imaginar uma cena terrível, numa prisão suja
e degrada, com homens mal-encarados e afinal aquelas eram as melhores
recordações de infância do Maurício. Ia ver o pai, havia muitas famílias a
fazer visitas, brincava com as outras crianças, havia bolos, doces, coisas
boas… Era uma verdadeira festa!
Muita da capacidade de emocionar que o livro tem deve-se ao
Maurício.
Cresci muito como pessoa a fazer este livro.
ALP –
Qual foi a reacção do Maurício Hora à obra pronta?
AD – Ele só
quis ver no fim, mas tínhamos um acordo: o que ele não quisesse eu tirava. Na
verdade, pouco foi alterado: uma página de que ele não gostou e uma ou outra
fala…
Quando terminei entreguei-lhe o livro e fiquei à espera dos
comentários. O tempo começou a passar, o editor queria o livro para mandar para
a gráfica e nada. Pensei: não gostou. Ganhei coragem e falei com ele. Disse-me
que não conseguia ler ais de 2 ou 3 páginas sem desatar a chorar, por sentir
que tudo era tão fiel ao que ele tinha vivido.
ALP – O
facto de desenhar em “negativo” foi uma opção por se tratar da biografia de um
fotógrafo ou foi apenas uma questão estética?
AD – A
partir de 2008, comecei a desenhar também. Esqueci tudo o que tinha feito para
trás e tentei descobrir qual seria o meu estilo, o traço que mais se adequava
ao que eu queria contar.
Tenho a mão muito pesada, parte bicos com facilidade, sinto uma
certa dificuldade em trabalhar linhas curvas, delicadas… Procurei influências
que me servissem: arte africana, cubismo… Demorei seis meses neste processo,
algo bem obsessivo… Foi algo marcante que em grande parte definiu o que hoje.
Agora, no cartão de visita, até já escrevo “ilustrador”. E até já fiz trabalhos
de ilustração.
Passando ao “Morro da Favela”, como no fim do livro iam ser
incluídas fotografias do Marcelo Hara, não quis retratar a favela com um traço
rigoroso e realista. Aliás, desenhar uma favela é óptimo para quem não sabe
perspectiva. Há edifícios inclinados para um lado, outros para o outro…
Para mostrar o lado rústico, rude daquele local, precisava
de um traço assim, anguloso. A questão do “negativo” acabou por surgir durante
as pesquisas que fiz, naturalmente, e depois de experimentar algumas páginas
optei por ele.
ALP –
Já tem o distanciamento necessário para olhar para o Morro da Favela de modo
crítico? O que mudaria nele?
AD – Ainda
não! Para já não mudaria nada! Mas se daqui a cinco anos continuar a achar o
mesmo, haverá algo de errado, quererá dizer que não evoluí nada!
ALP –
Depois das edições inglesa e francesa, segue-se a portuguesa. Houve algumas
mudanças em relação ao original brasileiro?
AD - O texto
é o mesmo, as únicas alterações são a capa, que é nova, e a inclusão de
ilustrações que pedi a alguns amigos brasileiros: os gémeos Marcelo e Magno
Costa, José Aguiar, Laudo Ferreira, Pablo Mayer, Ricardo Manhães e Will.
Editar em Portugal é muito importante para mim. Estou muito
feliz, sinto-me como um fã da Marvel ou da DC Comics que consegue publicar nos
Estados Unidos. Quando comecei a interessa-mer mais por quadradinhos li muitas
edições portuguesas: a revista “Selecções BD”, álbuns da Meribérica, Astérix,
Lucky Luke… que era preciso desencantar nos sebos, a bom preço… Também li
revistas portuguesas como a “Grande Reportagem”, que me deslumbrava, pois na
época não havia nada semelhante no Brasil.
ALP – Como
estão os quadradinhos no Brasil?
AD – Eu
estou a viver coisas que nunca imaginei possível!
Há mudanças no Brasil que acredito que vieram para ficar: a
forma de ver os quadradinhos, a atenção da comunicação social, a existência de
uma secção de BD em quase tidas as livrarias…
Há editoras só de quadradinhos, há grandes editoras com
selos de quadradinhos… Mesmo editoras que nunca publicaram BD, estão abertas a
propostas de quadradinhos que se ajustem à sua linha editorial.
Por outro lado, nos últimos anos o governo federal passou a
incluir nas listas de livros a distribuir pelas bibliotecas, livros de
quadradinhos. Para editores e autores isso é muito bom. Um livro seleccionado
garante uma tiragem de 15 a 30 mil exemplares, o que é muito bom!
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Polvo
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