08/07/2025

O Silêncio de Malka

Nada acontece como era suposto


"Nada aconteceu como era suposto acontecer... Ou tudo aconteceu como já estava escrito?"
In O Silêncio de Malka

Dos três volumes já publicados pela Devir na sua colecção Angoulême - Trilogia Nikopol, Alack Sinner: Bófia ou Detective e O Silêncio de Malka - este é sem dúvida o menos famoso e conhecido. E é a pena, porque é reflexo de que Jorge Zentner, o seu argumentista, nunca teve o reconhecimento que merece.

[Não por acaso, para quem acredita que o destino faz bem as coisas, Zentner só se tornou argumentista de BD bastante tarde, já passava dos 40 anos, após ter abandonado a sua Argentina natal por razões políticas e ter acidentalmente conhecido Carlos Sampaio, o criador literário de Alack Sinner...]

Antes de continuar, como uma espécie de segundo parênteses, convém referir que O Silêncio de Malka é também, destes três tomos, o que aguenta melhor a redução de tamanho que as características desta coleção impõem; não vou voltar a glosar o tema, pois já o fiz quando escrevi sobre a Trilogia Nikopol, mas esta será sempre uma questão premente e incontornável, livro após livro, que obrigará o leitor a sopesar entre as características intrínsecas da edição - e a sua própria existência - e os benefícios financeiros que elas proporcionam...


O Silêncio de Malka por um lado, é uma narrativa que ostenta como fundo histórico a imigração dos judeus russos para Argentina após a morte do czar Alexandre II, seu protector, e por outro, é o retrato da vida dura que eles levaram num local que não sendo plenamente um inferno, esteve longe de ser o paraíso sonhado e anunciado.

Mas, é também uma narrativa de contornos humanos, de como aquelas condições de vida moldavam e faziam sobressair o melhor de cada um, resultando na união familiar, entre famílias ou vizinhos em prol do bem comum. Finalmente, não antes de tudo mas como forma de aglomerar tudo, é uma equilibrada combinação de tradições judaicas e argentinas, do misticismo provenientes da Torá judaica e das crenças dos índios das pampas, em que o sagrado, o profano e o fantástico se combinam de forma original e surpreendente.

A resultante, é uma história de contornos inesperados, que culmina num posfácio de três pranchas que, na sua simplicidade, mistério, humanidade e descoberta, preenche o coração e mostra como coisas tão simples para uns podem constituir enormes descobertas para outros.

Em relação aos outros livros da colecção, talvez devido ao menor número de páginas da narrativa, esta edição de O Silêncio de Malka é complementada com um prefácio, em que Zentner narra a génese do relato, e concluída com um pequeno texto que ajuda a contextualizar e a compreender melhor o que os autores pretendiam, ambos complementados por desenhos preparatórios, esboços e ilustrações de Rubén Pellejero.

Com tanto de místico quanto de poético, a história encontra no traço deste último, uma linha clara feito de traço grosso e limpo, servida por um belíssimo trabalho de cor de tons generosos, geralmente quentes, que evocam os acontecimentos que estão a abordar e assente muitas vezes em sequências mudas, com vinhetas de tamanho variável em função do que descrevem, que deixam ao leitor uma margem de interpretação e de leitura que enriquece este romance gráfico.


O Silêncio de Malka
Jorge Zentner (argumento)
Rubén Pellejero (desenho)
Devir
Portugal, Junho de 2025
177 x 248 mm, 112 p., cor, capa dura
20,00 €

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 28 de Junho de 2025; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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