03/07/2025

Punto final

Sem deixar pedra sobre pedra




Exercício curioso levado a cabo pelo espanhol Carlos Giménez: décadas depois do seu final, decidiu voltar a duas das séries como que se formou enquanto desenhador de BD, para colocar um Punto final nelas. De forma diferente, com pensamentos diferentes, curiosamente.


Não me recordo se alguma vez li algum episódio do Gringo de Carlos Giménez e Manuel Medina, o que pressupõe que o conheci e despedi-me dele (quase) no mesmo momento, mais precisamente na última história com que o desenhador espanhol decidiu fechar um ciclo, na verdade há muito terminado.

Do que percebi do seu prefácio, Gringo era um cowboy com um código de conduta muito próprio e o western que protagonizou parece algo avesso à violência natural do género e aos muitos tiros; Giménez cita mesmo alguém escreveu que "nunca tinha visto um western com tantas flores e passarinhos'.

O desenhador claramente quis cortar a direito com esse passado e construiu uma narrativa dura e violenta - normal nos dias de hoje, difícil de publicar na época em que a série era publicada em revistas - em que questiona o que o protagonista tinha por princípios. O resultado, sabendo nós, leitores, deste desafio às origens, se não choca nos dias de hoje, não deixa de ser cruel e a extremamente violento.

Um acerto de contas, enfim.


Posso escrever outro tanto a propósito de Dani Futuro, que possivelmente encontrei pelas páginas da Tintin portuguesa, mas de que (também?) não guardo memória.

Neste caso, o argumentista original era o grande Víctor Mora e Carlos Giménez - como revela noutra introdução que deve ser lida - optou por tentar seguir de perto o estilo do mestre.

Aqui, encontramos o protagonista à deriva após hibernação espacial, mergulhado em memórias confusas e terríveis dos seus últimos dias, certo de que há alguém especial que quer encontrar e de que tem uma vingança incontornável para cumprir.

Num mundo distópico, em que a Terra está quase toda inundada, as poucas colónias espaciais existentes negam lugar aos recém-chegados (aos emigrantes...) e clones e robots ocuparam grande parte dos lugares e das tarefas que eram desempenhados pelas pessoas, são os valores mais caros ao ser humano que ainda prevalecem, surgindo aqui, lado a lado, um aviso sobre o futuro catastrófico para o qual caminhamos a par da crença no melhor do ser humano.


Mas, num caso e noutro, o que ressalta, é o olhar a um tempo nostálgico e cruel sobre as bandas desenhadas da infância de há décadas atrás, aquelas a que Carlos Giménez se dedicou em início de carreira e onde fez a aprendizagem que fez dele, também, um mestre e um autor de referência.


Punto final
Carlos Giménez
Reservoir Books
Espanha, 2019
230 x 300 mm, 96 p., pb e cor, capa dura com lombada em tecido
24,90

(imagens disponibilizadas pela Reservoir Books; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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