30/07/2025

Slava #1 - Depois da queda

A
migos do desenrascanço


"Somos russos (...) O tráfico corre-nos nas veias tão naturalmente como a vodka."
In Slava #1 - Depois da queda

Assim a modos de mal comparado, se de alguma forma podemos considerar Uma breve História da Rússia como a versão oficial da realidade daquele país ao longo dos anos abordados - vista pelo olhar subjectivo, como todos os olhares são, de José Milhazes - Slava, por sua vez, será uma História real, a pequena História, a História do quotidiano dos russos.

Deste modo, depois de uma belíssima releitura de Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi, Pierre-Henry Gomont está de volta às livrarias nacionais com um surpreendente Slava #1 - Depois da queda, em tudo díspar daquele.

Ambientado na Rússia pós-queda do muro de Berlim e durante o conturbado consulado de Yeltsin, é um relato protagonizado por amigos do desenrascanço, num mundo atribulado e em transformação acelerada, sem regras - ou com regras para contornar e iludir.

O protagonista, Lavrine, vive de expedientes, de vender restos da glória passada aos novos-ricos do presente, ou seja, recupera onde calha pinturas e vitrais, torneiras douradas e esculturas, tapeçarias e móveis, pilhados, roubados ou comprados a preços que são piores que um roubo, para revender com enorme lucro. Mas nada que faça dele um novo-rico ou alguém relevante, especialmente porque existem no seu passado fantasmas que a qualquer altura podem voltar a assombrá-lo.

Com ele, encontramos Slava Segalov, que dá nome ao primeiro tomo desta trilogia, aprendiz pouco dotado e desconfiado dos esquemas de Lavrine, que serve também de narrador a Gomont para compôr um relato que vai ganhando em complexidade ao longo de um bem composto primeiro tomo.

Entre os protagonistas, algo estereotipadas ao início, mas que com o decorrer do relato vão ganhando densidade e consistência e revelando laivos vincados de humanidade a diferentes níveis, encontramos também a bela Nina, uma utopista que crê ser possível recuperar a mina onde ela e os amigos cresceram e viveram, e o seu protector, o intratável Volodia.

A par das relações que se estabelecem entre este quarteto, que dificilmente poderiam ser descritas como cordiais ou menos ainda de amizade, apesar de diversos cambiantes que vão assumindo, vamos descobrindo os velhos hábitos retomados num país em desagregação, em que é necessário estar de bem com Deus e com o Diabo ou, mais precisamente com dois diabos: de um lado o poder corrupto, do outro lado a máfia corruptora e controladora. E com todos os seus servos...

Completamente seduzido por este Depois da queda, resta agora esperar que Gomont complete este retrato histórico que passa bem por uma ficção balizada pela ironia e o sarcasmo e um olhar desencantado sobre um imenso país que tinha - e tem - tudo para fazer os seus habitantes felizes - premissa que a realidade se tem encarregado de sucessivamente desmentir.


Slava #1 - Depois da queda
Pierre-Henry Gomont
ASA
Portugal, Maio de 2025
240 x 295 mm, 112 p., cor, capa dura
20,90 €


(capa disponibilizada pela ASA; pranchas disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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