Em
busca da felicidade
Numa
adaptação - em qualquer adaptação de um género narrativo para
outro - a primeira avaliação a ser feita é se a obra funciona
autonomamente no novo suporte.
“Afirma Pereira”, na adaptação em BD de Pierre-Henry Gomont,
passa com distinção no teste. É uma obra autónoma e completa, com
vida própria nos quadradinhos e - inevitavelmente - no espaço entre
eles em que o leitor intui, sente, imagina, complementa tudo o que o
autor não pode escrever/desenhar.
A acção deste romance situa-se maioritariamente em Lisboa, no final da década de 1930. Uma Lisboa oprimida, sob o peso da censura crescente, da moral católica vigente e do receio de denúncias - dos colegas, dos vizinhos, dos conhecidos, dos amigos - que limita a vivência, cerceia o pensamento, impede as acções.
A acção deste romance situa-se maioritariamente em Lisboa, no final da década de 1930. Uma Lisboa oprimida, sob o peso da censura crescente, da moral católica vigente e do receio de denúncias - dos colegas, dos vizinhos, dos conhecidos, dos amigos - que limita a vivência, cerceia o pensamento, impede as acções.
Uma Lisboa triste, deprimida, vazia nas muitas ruas e praças
mostradas, dando a entender que as pessoas não se expunham, não se
mostravam, se escondiam, preferiam não ser vistas.
Uma
Lisboa traçada com belas cores - o trabalho de cor de Gomont é
belíssimo, assente em tons frios, pouco vivos, em que predominam os
amarelos e os azuis, sem vida - e que fazem da cidade co-protagonista
triste
e melancólica deste
romance desenhado.
Co-protagonismo
dividido com o Pereira do título, intelectual responsável pela
página de cultura do “Notícias” - um nome fictício para um
jornal imaginário, retrato fiel do que seriam todos
eles
na época - sujeito
ao lápis azul, antes dele ao olhar demasiado diligente
do director, alinhado com o regime, por interesse ou convicção,
pouco interessa.
Pereira, em quem se centra a história, viúvo de longa data, ainda
preso às recordações da esposa - e às conversas que (não) tem
com ela, em foto - vive confortável no seu casulo, onde se esconde
do que o incomoda, onde se esconde de quem o podia desafiar ou
simplesmente levá-lo a viver outra vez.
O
encontro com um jovem idealista - e
com a sua namorada -
a quem contrata para escrever necrologias antecipadas de escritores,
tornar-se-à um desafio permanente - pelo tom panfletário mas
exacto, que
o jovem adopta, fiel
aos nomes escolhidos - e levará Pereira a questionar-se e a
questionar, numa tomada de consciência progressiva - perigosa…
-
face à qual a sua vida vazia e monótona terá de ser repensada.
Certeiro
no ritmo pausado que impôs, contido nos diálogos, brilhante na
forma como traduziu em imagens as dúvidas e os
diálogos interiores de
Pereira, Gomont apresenta-nos uma obra - multi-premiada - que obriga
a reflectir e a repensar o
que condiciona a forma como nos posicionamos na vida.
Afirma
Pereira
Adaptado do romance de Antonio Tabucchi
Pierre-Henry
Goamont
G.
Floy
Portugal,
Maio de 2018
205
x 280 mm, 160 p., cor, capa dura
18,00
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias
de 3 de Julho de 2018; imagens disponibilizadas pela editora; clicar
nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Excelente trabaajo,leí la novela y ver el diseño es mágico.
ResponderEliminar"(...) Uma Lisboa oprimida, sob o peso da censura crescente, da moral católica vigente e do receio de denúncias - dos colegas, dos vizinhos, dos conhecidos, dos amigos - que limita a vivência, cerceia o pensamento, impede as acções. (...)
ResponderEliminarLeio isto e penso que se aplica como uma luva às redes xoxiais de agora