Terror aos quadradinhos à portuguesa
Estreia em álbum dos portugueses Pedro Nascimento e Manuel Monteiro, Tales from Nevermore é uma edição surpreendente no panorama português. Pela estreia em si, claro, mas também porque o belo e cuidado objecto livro proposto pela Ala dos Livros, explora um género que a BD portuguesa pouco tem visitado, o horror.
As referências, em jeito de homenagem, são diversas, a começar pela mais óbvia a Edgar Alan Poe, presente logo no título e na utilização de um corvo que introduz e serve de elo de ligação entre as diversas narrativas, estrutura que de imediato evoca as edições norte-americanas da EC Comics que, na década de 1950, exploraram esta temática.
Antologia de seis contos curtos de terror, entremeados com introdução e posfácio a cargo de Vicente, o tal corvo já citado, Tales from Nevermore revela-se um passeio macabro pelo cemitério local, com tanto de horror quanto de ironia, em relatos pontuados por sentimentos universais como o amor, a intriga, o medo, o ciúme, a desconfiança ou a avidez, que servem de combustível às situações extremas que vão ser criadas. O ponto de partida são situações comezinhas genéricas, como o casamento, um diário, um naufrágio, promessas que se fazem sem pensar ou a paixão que guia a vida em função da vocação artística, ou aspectos menos vulgares como acordos com o demónio ou o homicídio como solução de problemas, explorados de modo assumidamente ambíguo e que aos poucos descambam para o terror explícito ou apenas sugerido. E mesmo quando pensamos antever o final, há sempre algum pormenor que o transfigura e torna bastante diferente do que tínhamos antevisto.
Dessa forma, cada um destes contos deixa o leitor para lá de surpreendido, entre o incómodo e o sorriso amarelo, sorriso esse que se acentua num esgar com os 'extras publicitários' que o livro inclui como separadores, numa demonstração de humor negro que prolonga os efeitos da leitura propriamente dita.
Naturalmente desenhados a preto e branco - mais aquele do que este - cores que também alternam nas margens das páginas, estes relatos vêem o seu tom reforçado pelo traço duro realoista, pelo bom aproveitamento de elementos do cenário na composição das pranchas e pela inexistência de uma planificação tradicional que permite vinhetas abertas de brande dimensão que salientam momentos marcantes.
Uma edição em capa dura, com fita-marcador, que também se distingue pelo recorte aberto na capa, que funciona quase como que uma porta de entrada mais directa para este universo aterrador.
Nota final
As edições da Ala dos Livrops, como referido atrás relativamente a este Tales from Nevermor, têm-se distinguido pela sua qualidade, que vai dos cuidados acabamentos, aos 'extras físicos' que ostentam. Desta vez, se o recorte da capa chama a atenção e torna distinta o objecto, pela sua dimensão acaba por complicar um pouco a leitura, por faltar a quem a faz um apoio consistente para segurar o livro.
Tales
from Nevermore
Pedro
Nascimento e Manuel Monteiro
Ala
dos Livros
210
x 285 mm, 96 p., pb, capa dura recortada
27,50
€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias, na página online a 8 de Agosto de 2025 e na versão em papel no dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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