17/01/2019

Popeye faz 90 anos


Há exactamente 90 anos, Elzie Crisler Segar desenhava pela primeira vez numa vinheta, um marinheiro que, apesar de baixo, careca e pouco inteligente, viria a tornar-se famoso sob o nome de Popeye (“zarolho”).

Nela, o devorador de espinafres mais conhecido do mundo, em resposta à pergunta “É um marinheiro?”, disparava esta curiosa resposta: “Penso que sou um cowboy!”, mais tarde substituída pela carismática: “Eu sou o que sou!”. Mas as curiosidades não se ficavam por aqui já que, ao contrario de quase todos os outros heróis dos quadradinhos, a sua estreia deu-se numa série avulsa, The Thimble Theatre (Teatro em Miniatura), uma tira diária de imprensa, inicialmente publicada na vertical, que Segar assinava desde 19 de Dezembro de 1919. Nela, de forma teatral, quase sempre em tiras auto-conclusivas, foi apontando alguns dos podres da sua América: a volatilidade das fortunas, o novo-riquismo, as desigualdades sociais, baseando-se no quotidiano da família Oyl, onde predominavam o colérico Castor, a sua irmã Olive (Olívia Palito), e o seu noivo Ham Gravy. A partir de 1925 a série ganhou uma prancha dominical colorida, na qual Segar pode explanar o seu sentido de espectáculo e desenvolver narrativas longas que combinavam cenários rurais e marítimos, a sede de aventura, a superstição, a magia e o medo do desconhecido.
É na sequência de uma delas que Popeye surge, conquistando de imediato os leitores – chegou a ser mais popular do que Mickey Mouse - apesar da sua falta de atributos físicos, graças às tiradas inesperadas, à força sobre-humana (de início sem qualquer relação com os espinafres, a sua imagem de marca nos desenhos animados), à resistência a murros, facadas e tiros e, ao mesmo tempo, ao seu carácter contraditório tão humano, igualmente capaz de se dedicar inteiramente a um bebé (Swee’pea, introduzido em 1933) como a acreditar que pode resolver tudo com os punhos (o que levou alguns a considerá-lo uma má influência para as crianças).
A sua popularidade levou Segar a alterar o título da sua criação para The Thimble Theatre Starring Popeye, logo em 1931. O sonhador e devorador de hambúrgueres, Wimpy, o pai, Poopedeck Pappy, o estranho animal Eugene the Jeep, a malévola Sea Hag (Bruxa do Mar), o brutamontes Blutus e tantos outros foram-se juntando numa notável galeria, que Segar animou, em narrativas cada vez mais surreais, até à sua morte, vítima de leucemia, em 1938. A série prosseguiu com diversos autores, com destaque para Bud Sagendorf, que lhe conferiu um carácter mais humorístico e próximo da versão animada e a assinou entre 1958 e 1994.
Muito antes, logo em 1933, os estúdios Max Fleischer juntavam Popeye e Betty Boop o breve tempo de um desenho animado, para em seguida desenvolverem uma série com o marinheiro, que até hoje já protagonizou mais de 750 animações, onde foi cimentada a sua actual imagem de marca: a força dependente dos espinafres (que levou Cristal City, no Texas, a maior produtora deste vegetal, a erigir-lhe uma estátua em 1937, agradecendo-lhe o aumento de 33 % no seu consumo nos EUA), a paixão pela anoréxica Olive (cuja silhueta inspirou um perfume de Moschino), a sua rivalidade com Blutus e a sua afirmação como marinheiro (“I’m Popeye, the saylor man”, cantava a música), tantas vezes negada na BD. Nos anos 60, foi a estrela de uma série televisiva e, em 1981, chegou ao grande ecrã, numa película dirigida por Robert Altman, que teve como (único) mérito revelar Robin Williams, como Popeye, contracenando com Shelley “Olive” Duvall.
Em Portugal, no que à BD diz respeito, o marinheiro nunca gozou da mesma popularidade que teve no seu país de origem, mas a verdade é que se estreou logo em 1939, em O Pirilau. Ao longo dos anos, limitou-se a aparições breves em dezenas de revistas, embora entre elas se contem títulos de referência como o Mundo de Aventuras, o Condor Popular ou o Jornal do Cuto. Teve igualmente direito a duas compilações de histórias de Segar (em 1973, da Editorial Presença, e em 2004, na colecção Os Clássicos da Banda Desenhada, do Correio da Manhã) e mesmo a uma publicação com o seu nome, editada pela Agência Portuguesa de Revistas em 1980, que durou algumas dezenas de números.

   
 (versão revista e com alterações, do texto publicado no Jornal de Notícias de 17 de Janeiro de 2009; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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