No meu regresso a Julia - finalmente!, preenchendo
um vazio que (me) é difícil de explicar - percebi, ao ler o resumo
da contracapa, que uma das histórias desta edições da Mythos
abordava uma temática que está na ordem
do dia. Actualidade
por antecipação, pois a
edição original data de 2011.
Uma actualidade que, afinal - já o sabíamos, mas talvez andássemos
(mediaticamente) esquecidos - era anterior a megalomanias murais de
um determinado presidente e que espelha, apenas, uma das muitas
situações de desigualdade que persistem neste mundo.
Em Além da
Fronteira,
tudo começa quando um grupo de clandestinos mexicanos tenta passar a
fronteira a salto, em busca (das ilusões) do sonho americano. Como
uma delas sentirá - na pele, no corpo, na carne... - de imediato,
como outros sentirão após
meia dúzia de passos no paraíso sonhado que se revela inferno,
como alguns - que conseguiram o objectivo primário
de
vivenciar o sonho, ou viver apenas ao seu lado... - carregarão como
um fardo toda a vida.
A história de
Berardi,
que arranca como descrito e ganha de imediato contornos incómodos e
chocantes - pela grande probabilidade estatística de espelharem
alguma (parte
da) realidade
- assume depois um rumo diferente, com Julia Kendall e Leo Baxter a
deslocarem-se ao México em busca da mãe (retida no país) de uma
menina (que passou a fronteira), numa narrativa que, sem nunca
descurar o lado humano, se apresenta com mais acção - e menos
reflexão - do que é habitual nos relatos da criminóloga de Garden
City.
Antes dela, a abrir a edição, somos presenteados com Amor que
mata, um thriller de suspense em que a protagonista surge como
vítima de um perseguidor/raptor.
Com um longo intróito em que o desespero de Julia, presa, tentando
libertar-se e fugir, numa extensa sequência muda, alterna com a sua
procura por parte dos seus amigos, esta é mais uma narrativa em que
o tom geral apresenta diferenças substanciais em relação ao
habitual, sem contrariar o espírito que preside à série, servindo
antes para um alargar sustentado do seu âmbito narrativo, da
dimensão do seu universo e da exposição da forma distorcida de
pensar de alguns daqueles com quem convivemos quotidianamente.
Numa curiosa coincidência, daquelas em que o
Detective do Impossível antevê sempre algo mais, já este texto
estava meio escrito quando, ao ler Martin
Mystère #2
(Mythos Editora,
2018)
deparei com o início da história O
Segredo da Mina, da autoria de Piero
Prosperi e dos irmãos Cassaro, originalmente datada de 1988 que
mostra uma outra tentativa de passagem clandestina da fronteira entre
o México e os EUA.
Se a abordagem é em tudo díspar, aqui com o tom
realista substituído por um relato fantástico baseado em lendas
locais sobre uma criatura demoníaca e misteriosa, não deixa de ser
curioso que uma questão (local) dos EUA, seja abordada por dois
autores italianos, em épocas diferentes - o que a torna, se não
universal, pelo menos globalmente
abrangente.
E reforça a tal 'actualidade por antecipação'
de uma questão que possivelmente nunca terá solução enquanto
houver seres humanos de um e outro lado da
linha imaginária - bem real... - que divide ricos e pobres...
J. Kendall #132
Aventuras de uma criminóloga
Myhtos
Editora
Brasil,
Janeiro/Fevereiro de 2018
135
x 180 mm, 260 p., pb, capa mole, mensal
R$
19,80 / 9,00 €
Amor
que mata
Berardi
e Calza (argumento)
Roberto
Zaghi (desenho)
Além
da fronteira
Berardi
e Mantero (argumento)
Antonio
Marinetti (desenho)
(clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)
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