Para aqueles que (ainda) vão reclamando da edição a preto e branco que a Ala dos Livros fez - num só ano… - da Comanche de Hermann e Greg, este é o álbum ideal para o voltarem a fazer. Não porque tenham razão e de alguma forma esteja em causa - a meu ver - a opção da editora, mas porque nele o grafismo de Hermann é (quase) uma (autêntica) montanha-russa.
E, acima de tudo, porque nele estão dois (dos três) álbuns - os dois álbuns finais da série assinados por Greg e Hermann: E o diabo gritou de alegria (que belíssimo título!) e O Corpo de Algernon Brown - em que a cor é um elemento fundamental - e muito bem conseguida. E nos quais, como se pode apreciar neste volume, o traço do desenhador foi feito a pensar nessa cor (ainda) por vir.
Dessa
forma, nalgumas páginas - ou
parte delas -
temos apenas um traço fino, ligeiro, pouco mais do que definição
de contornos, que, reconheço, surgem algo estranhas (aos
olhos do leitor desprevenido) nesta
edição. Noutras, o preto do traço é mais intenso, há maior
definição de pormenores, as pranchas já se aguentam sozinhas… E,
finalmente, quando consideramos as
cenas
nocturnas ou as
que têm lugar em
bosques ou algumas interiores, em que predominam as sombras, aí temos de questionar quem se
atreveu a colocar cor - mesmo que uma boa cor - em cima das obras de
arte que Hermann, página a página criou para
os leitores, para nós.
Nestas, as manchas de pretos definem volumes e distâncias e
contrastam violentamente com o brilho do branco luminoso. E fazem-nos
agradecer à Ala dos Livros por esta aposta - mesmo que algo
arriscada.
Depois,
bem, depois seguem-se
as histórias curtas. E se as três últimas não incomodam, pois
apesar da cor original a arte de Hermann sustenta-as bem,
já as duas primeiras - O
Prisioneiro
e Lembra-te,
Kentucky…
- apresentam dois problemas: o primeiro, o traço ainda rude - datam
de 1972, logo após a aventura inicial, Red
Dust
- e o facto de as pranchas terem sido ampliadas à dimensão da
página. Sendo histórias originalmente publicadas na Tintin
Sélections
- de menor formato - sofrem com esta opção. Embora também saiba
que a opção de as publicar na dimensão original, no centro da
página, com grandes margens brancas - como feito em integrais de
outras séries - também levante muitas objecções… Para
consolo, adianto que mesmo nas cores originais, (graficamente)
deixavam algo a desejar...
Posto
isto, referira-se que estas duas histórias curtas, bem como O
Palomino -
as duas restantes, Falta
de respeito
e
Casamento cor-de-rosa,
são simples anedotas - embora posteriores ao
álbum que abre a série,
são fundamentais para a compreensão de
Red
Dust e Ten Gallons, pela modo como ajudam a caracterizá-los
e
defini-los, revelando as contradições bem humanas do seu
comportamento.
E, no conjunto da série, dão-lhe coerência - por explicarem como
Dust surge a pé na primeira prancha que os leitores descobriram
e
a origem do seu cavalo - e acentuam o dramatismo do duelo em que
defronta o pistoleiro Kentucky.
Voltando
atrás, aos dois relatos longos deste terceiro tomo, surpreendem
pois Greg
dota-os de um registo quase policial,
uma vez que em ambos os casos Dust procura
culpados desconhecidos - de incêndios num caso, de um assassinato,
noutro - mantendo
- ou mesmo acentuando - a tónica do confronto entre a marcha
imparável do progresso que chega ao oeste (já não tão) selvagem,
face aos hábitos e tradições nele vigentes. E acrescenta em ambos
um elemento dramático, ao esvaziar a infalibilidade (que na época
era) geralmente associada aos ‘heróis’, mostrando-os dispostos e
impetuosos, mas também falíveis.
Obra
completa e ânsia completista
Com
este terceiro volume, fica concluída a edição de mais uma série
completa em Portugal - e a primeira série completa pela Ala dos
Livros. ‘Comanche,
de Hermann e Greg’, de seu título completo, para que não haja
dúvidas. [E, para além disso, fica como a primeira incursão no
formato ‘integral’ no nosso país, no que à BD (e modelo)
franco-belga diz respeito.]
Uma
série excelente, numa edição excelente, que aconselho vivamente.
Muitos
- ou só alguns? - têm pedido a edição dos restantes volumes,
escritos
por Greg e desenhados por Rouge, numa ânsia completista que - por
ignorância ou só porque sim? - não questiona a qualidade do
que se pede.
Li os dois primeiros álbuns
na
data original de publicação - e reli o primeiro antes da escrita
deste texto - e então - como agora - achei
desnecessário o
regresso de Greg a Comanche
- tal como me aconteceu quando o
prolífero argumentista retomou Bernard
Prince.
Não vou escrever que conspurcou as memórias que ele próprio tinha
criado, mas que não havia necessidade, parece-me evidente. Porque
Rouge está longe de ser Hermann e porque a inspiração da escrita
já não era a mesma.
No
final - como sempre, por muito que os leitores pensem que não - a
última palavra cabe(rá) ao
editor,
que
tem
sempre de sopesar
as vantagens e desvantagens das opções que (pode)
toma(r)
e a qualidade do que vai propor aos leitores versus
a comerciabilidade
do produto que oferece.
Comanche
Obra Integral #3
Greg
(argumento)
Hermann
(desenho)
Ala
dos Livros
Portugal,
Fevereiro de 2020
235
x 3109 mm, 160 p., pb, capa dura
32,90
€
Espero que seja o primeiro de muitos, quer desta editora, bem como de outras. E que sejam integrais de Heróis, como até de Autores (Ilustradores e Argumentistas). Dou alguns exemplos: Alex Raymond, Russ Manning, Don Lawrence,José Salinas Buck Danny, Bob Morane e Barba Ruiva.
ResponderEliminarNão posso deixar de acusar a ironia.
ResponderEliminarHoje em dia o Hermann praticamente desenha com cores, se editassem albums recentes do Jeremiah e do Duke com este tratamento a única coisa que conseguiriam era páginas em branco.