09/03/2020

Comanche #3

...e fim.







Para aqueles que (ainda) vão reclamando da edição a preto e branco que a Ala dos Livros fez - num só ano… - da Comanche de Hermann e Greg, este é o álbum ideal para o voltarem a fazer. Não porque tenham razão e de alguma forma esteja em causa - a meu ver - a opção da editora, mas porque nele o grafismo de Hermann é (quase) uma (autêntica) montanha-russa.

E, acima de tudo, porque nele estão dois (dos três) álbuns - os dois álbuns finais da série assinados por Greg e Hermann: E o diabo gritou de alegria (que belíssimo título!) e O Corpo de Algernon Brown - em que a cor é um elemento fundamental - e muito bem conseguida. E nos quais, como se pode apreciar neste volume, o traço do desenhador foi feito a pensar nessa cor (ainda) por vir.
Dessa forma, nalgumas páginas - ou parte delas - temos apenas um traço fino, ligeiro, pouco mais do que definição de contornos, que, reconheço, surgem algo estranhas (aos olhos do leitor desprevenido) nesta edição. Noutras, o preto do traço é mais intenso, há maior definição de pormenores, as pranchas já se aguentam sozinhas… E, finalmente, quando consideramos as cenas nocturnas ou as que têm lugar em bosques ou algumas interiores, em que predominam as sombras, aí temos de questionar quem se atreveu a colocar cor - mesmo que uma boa cor - em cima das obras de arte que Hermann, página a página criou para os leitores, para nós. Nestas, as manchas de pretos definem volumes e distâncias e contrastam violentamente com o brilho do branco luminoso. E fazem-nos agradecer à Ala dos Livros por esta aposta - mesmo que algo arriscada.
Depois, bem, depois seguem-se as histórias curtas. E se as três últimas não incomodam, pois apesar da cor original a arte de Hermann sustenta-as bem, já as duas primeiras - O Prisioneiro e Lembra-te, Kentucky… - apresentam dois problemas: o primeiro, o traço ainda rude - datam de 1972, logo após a aventura inicial, Red Dust - e o facto de as pranchas terem sido ampliadas à dimensão da página. Sendo histórias originalmente publicadas na Tintin Sélections - de menor formato - sofrem com esta opção. Embora também saiba que a opção de as publicar na dimensão original, no centro da página, com grandes margens brancas - como feito em integrais de outras séries - também levante muitas objecções… Para consolo, adianto que mesmo nas cores originais, (graficamente) deixavam algo a desejar...
Posto isto, referira-se que estas duas histórias curtas, bem como O Palomino - as duas restantes, Falta de respeito e Casamento cor-de-rosa, são simples anedotas - embora posteriores ao álbum que abre a série, são fundamentais para a compreensão de Red Dust e Ten Gallons, pela modo como ajudam a caracterizá-los e defini-los, revelando as contradições bem humanas do seu comportamento. E, no conjunto da série, dão-lhe coerência - por explicarem como Dust surge a pé na primeira prancha que os leitores descobriram e a origem do seu cavalo - e acentuam o dramatismo do duelo em que defronta o pistoleiro Kentucky.
Voltando atrás, aos dois relatos longos deste terceiro tomo, surpreendem pois Greg dota-os de um registo quase policial, uma vez que em ambos os casos Dust procura culpados desconhecidos - de incêndios num caso, de um assassinato, noutro - mantendo - ou mesmo acentuando - a tónica do confronto entre a marcha imparável do progresso que chega ao oeste (já não tão) selvagem, face aos hábitos e tradições nele vigentes. E acrescenta em ambos um elemento dramático, ao esvaziar a infalibilidade (que na época era) geralmente associada aos ‘heróis’, mostrando-os dispostos e impetuosos, mas também falíveis.

Obra completa e ânsia completista
Com este terceiro volume, fica concluída a edição de mais uma série completa em Portugal - e a primeira série completa pela Ala dos Livros. ‘Comanche, de Hermann e Greg’, de seu título completo, para que não haja dúvidas. [E, para além disso, fica como a primeira incursão no formato ‘integral’ no nosso país, no que à BD (e modelo) franco-belga diz respeito.]
Uma série excelente, numa edição excelente, que aconselho vivamente.
Muitos - ou só alguns? - têm pedido a edição dos restantes volumes, escritos por Greg e desenhados por Rouge, numa ânsia completista que - por ignorância ou só porque sim? - não questiona a qualidade do que se pede. Li os dois primeiros álbuns na data original de publicação - e reli o primeiro antes da escrita deste texto - e então - como agora - achei desnecessário o regresso de Greg a Comanche - tal como me aconteceu quando o prolífero argumentista retomou Bernard Prince. Não vou escrever que conspurcou as memórias que ele próprio tinha criado, mas que não havia necessidade, parece-me evidente. Porque Rouge está longe de ser Hermann e porque a inspiração da escrita já não era a mesma.
No final - como sempre, por muito que os leitores pensem que não - a última palavra cabe(rá) ao editor, que tem sempre de sopesar as vantagens e desvantagens das opções que (pode) toma(r) e a qualidade do que vai propor aos leitores versus a comerciabilidade do produto que oferece.

Comanche Obra Integral #3
Greg (argumento)
Hermann (desenho)
Ala dos Livros
Portugal, Fevereiro de 2020
235 x 3109 mm, 160 p., pb, capa dura
32,90 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Espero que seja o primeiro de muitos, quer desta editora, bem como de outras. E que sejam integrais de Heróis, como até de Autores (Ilustradores e Argumentistas). Dou alguns exemplos: Alex Raymond, Russ Manning, Don Lawrence,José Salinas Buck Danny, Bob Morane e Barba Ruiva.

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  2. Não posso deixar de acusar a ironia.

    Hoje em dia o Hermann praticamente desenha com cores, se editassem albums recentes do Jeremiah e do Duke com este tratamento a única coisa que conseguiriam era páginas em branco.

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