13/01/2021

Pulp

Capa enganadora



Uma capa deve reflectir o conteúdo de um livro. Deve dizer o máximo possível sobre ele, revelando um mínimo de pormenores. Deve aguçar a curiosidade do leitor para a narrativa.

Mas, por razões diversas, há capas que são enganadoras. A deste livro é uma delas. De forma redutora, vende Pulp como um western, esquecendo assim boa parte do que Brubaker e Phillips nos contam.

Esta nova colaboração - curta e sintética - dos autores de Criminal ou The Fade Out, parte da evocação da literatura de cordel das primeiras décadas do século passado nos Estados Unidos, para acompanhar o percurso de Max Winter. Conhecemo-lo já na sua fase final, como escritor de sucesso das tais novelas baratas, protagonizadas pelo pistoleiro que em tempos foi - daqui a referência western da capa, que evoca apenas uma parcela minoritária - das páginas da obra. Pelo meio, a vida não lhe foi madrasta e permitiu que acalmasse, assentasse e chegasse até a uma idade respeitável.

Ainda sob os efeitos da Grande Depressão e com a II Guerra Mundial à porta, um reencontro com alguém do seu passado vai provocar uma inesperada reviravolta e levá-lo a reviver um certo carácter rebelde que parecia para sempre esquecido.

Homenagem à literatura popular, através da combinação de dois géneros, o western e o policial, numa mesma história, Pulp traz-nos de novo a escrita incisiva de Ed Brubaker e a sua capacidade de criar situações originais, apoiadas no traço realista e directo de Sean Phillips, que em conjunto tornam esta obra, menos linear do que à primeira vista parece, numa incursão ao mais íntimo do ser humano, mostrando como ele se pode superar e até sacrificar perante circunstâncias adversas, enquanto explora as dúvidas, indecisões e escolhas que balizam todas as vidas.

Pulp
Ed Brubaker (argumento)
Sean Phillips (desenho)
G. Floy
Portugal, Dezembro 2020
190 x 280 mm, 72 p., cor, capa dura
13,00

(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Janeiro de 2021; imagens disponibilizadas pela G. Floy; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Já tinha comentado a capa noutro post porque o Optimus disse na altura em que saiu que não ia em coboiadas mas expliquei que a parte western é mínima.

    Mas a meu ver a capa não engana, o personagem ter sido um cowboy e essa fase da vida dele ter sido tão significativa tem muito a ver com a psicologia da personagem e a maneira como tomou certas decisões no tempo presente, também foi por isso que o escolheram para a trama, tem a ver com nostalgia e sobre na velhice sermos ainda aqueles que fomos no passado, mesmo apesar do peso da idade, não é essa a força primária do Dark Knight Returns e que fez tanto sucesso e continua a fazer? Bruce Wayne será sempre o Batman, nem existe Bruce Wayne, é apenas uma fachada, o Batman é Bruce Wayne.

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    1. O "engano" da capa que destaquei foi mais um truque para chamar a tenção do leitor. Concordo que o passado de Winter é fundamental para perceber o seu presente, mas é neste último que a história se centra. Ao contrário de Bruce Wayne/Batman em que só existe uma hipótese de passado (ou de vida alternativa), se Winters em vez de cowboy, tivesse sido um assaltante de bancos citadino, por exemplo, isso não alterava em nada o relato.
      Boas leituras!

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  2. Não sei se o Pedro Cleto gosta do Dark Knight Returs mas como costuma ir ao baú das edições passadas e antigas seria interessante saber a sua opinião sobre essa obra do Frank Miller já com uma distância de mais de 30 anos, continua pertinente? eu acho que sim, a prova é estar constantemente a ser citada e a receber n edições ao longo das décadas e ser fonte de inspiração no cinema e noutros médias.

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    1. O Dark Night Returns foi fundamental para mim, porque foi a obra que me fez perceber que nos comics de super-heróis (que pouco li na adolescência) havia obras que iam mais além dos seus estereótipos.
      Da última vez que o reli, há uns poucos anos, pareceu-me que - apesar do meu olhar (positivamente) 'pré-conceituoso' - continuava uma obra sólida e fundamental, sem grandes marcas da passagem do tempo. Perde, no entanto, em termos de impacto, porque aquilo que na altura a tornava original - o questionar dos métodos do Batman ou a hiper-violência para o meio, por exemplo - depois disso já foi feito e refeito vezes sem conta. Se o leitor de meados dos anos 1980 ficou de boca aberta perante a obra de Miller, o leitor de hoje vê-a 'apenas' como 'mais um' comic a 'esburacar' o próprio umbigo...
      Boas leituras!

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