29/01/2021

Demolidor #1: Só medo

O homem com medo


Já referi várias vezes que, no Universo Marvel, uma das minhas preferências é o Demolidor possivelmente pela forte componente trágica que caracteriza o lado mais humano, de alguém que ao mesmo tempo é cego, carrega a(lguma) culpa da sua orfandade e revela uma gran de incapacidade de amar e viver a felicidade, quando ela surge.
Por isso, as suas melhores histórias são aquelas que exploram essas características, não surpreendendo que, uma vez e outra - entre breves oásis de felicidade - Matt Murdock - e o seu alter-ego - regressem ao local de origem e, mais do que isso, à sua vertente marginal, perseguida, despojada e, às vezes, até odiada.

É o que acontece neste novo arco, neste (eterno) regresso ao número 1 e ao recomeço, em que Matt Murdock está de volta a Hell's Kitchen e à acção como Demolidor, após ter enfrentado uma experiência de (quase?) morte. Mas os traumas acumulados são muitos, e as suas sequelas na vida do super-herói cego são difíceis de ultrapassar, entrando aqui uma variante introduzida por Chip Zdarsky: o medo que afecta o quotidiano do homem que supostamente não o teria.

Regressado às patrulhas nocturnas e à prevenção e/ou combate ao crime, mas ainda não completamente restabelecido - física e mentalmente - a tentativa de recuperar o seu lugar na pior zona de Nova Iorque resulta num confronto com um criminoso que - aparentemente? - culmina na morte deste.

Sem memória do que se passou - e sem nós leitores sem visualizar os acontecimentos - apontado e perseguido como assassino, enfraquecido e mais sujeito a errar, Matt tem de tentar limpar o seu nome, se for possível - e porque não há-de ser responsável por aquela morte, num universo em que a violência física impera?

A par disso, terá igualmente de enfrentar adversários novos e antigos que se cruzam com ele, entre os quais, mais uma vez e sempre, se contam os seus demónios interiores e a sua incapacidade de se deixar ser feliz, agora agravados pelo medo de (voltar a?) errar.

Bem construído em termos narrativos por Zdarsky - apesar de algumas inevitáveis concessões ao género super-heróico, onde encaixam a cena de pugilato com um certo inspector proveniente de Chicago ou a base do seu reencontro com o Justiceiro - o relato principal é 'interrompido' por alguns saltos ao passado de Matt, que explicam algumas das suas opções (e fantasmas) presentes, e vai avançando num ritmo moderado que permite ao leitor entrar na mente do protagonista.

Em termos gráficos, o tratamento diferenciado dado aos primeiros planos e fundos por Marco Checchetto e a predominância dos tons escuros funcionam muito bem na recriação do tom tenso e sombrio (mais uma vez) adoptado para uma dar uma nova visão trágica da tragédia (interior) do Demolidor.


Demolidor #1: Só medo
Inclui Daredevil #1-#5 (2019)
Chip Zidarsky (argumento e desenho)
Marco Checchetto (desenho)
Panini
Brasil, Março de 2020
179 x 260 mm, 120 p., cor, capa cartão
9,90 €

(imagens disponibilizadas pela Panini; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Esta "run" é do melhor que já vi sobre o Daredevil em anos.

    Também estou a acompanhar no original (vai no #25) e a qualidade é constante.

    Chip Zdarsky e Marco Checchetto fazem uma dupla imbatível.

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