Casey Ruggles #3

Temáticas inesperadas

Continuando a degustar westerns - e, sem dúvida, é disso que se trata- a minha sugestão de hoje é o terceiro tomo das tiras diárias de Casey Ruggles, (mais) uma das séries criadas por Warren Tufts que Manuel Caldas, com o seu proverbial conhecimento e dedicação, resgata das brumas das memórias de uma época dourada dos comics americanos.

Este volume compila as tiras publicadas originalmente entre Novembro de 1950 e Agosto de 1951, num total de 5 histórias completas, devidamente enquadradas com um texto sobre a sua componente realista histórica, que surge aqui como um dos aspectos mais curiosos da narrativa, pois refere um episódio relacionada com a colonização de territórios (hoje) norte-americanos pelos russos. A história em causa, que abre o álbum, é espoletada pelo regresso de um grupo destes últimos às ‘suas’ terras, após um período de dez anos em que vaguearam perdidos pelos vastos territórios selvagens, encontrando-as ‘ocupadas’ devido a um acordo entretanto celebrado entre a Rússia e os (futuros) EUA. A luta dos russos contra os ‘ocupantes’ será feita por interpostas pessoas - índios enganados… - com Kit Fox a ter um protagonismo especial no decorrer de todo o processo.

Isso leva-me, aliás, a outro dos aspectos salientes em Casey Ruggles: o menor protagonismo que muitas vezes ocupa o detentor do título da série, dividindo-o com os membros mais relevantes da galeria de personagens da série, ou seja Kit Fox, Danny e a bela Chris, inevitável noiva eterna e adiada…

Esta última está na origem de Viejo Vetusto, enquanto alvo das atenções de um pobre velhote de cheiro previsivelmente pouco agradável pelas muitas moscas que esvoaçam - literalmente! - à sua volta, que passa das intenções à acção raptando-a e provocando a intervenção (tardia) de Casey. Com um sentido de humor apurado e até desconcertante - veja-se a introdução em que apresenta de forma comparada o titular da série e o protagonista do relato - Tufts dá a este western uma componente inesperada que reduz a importância dos tradicionais tiroteios, cavalgadas e confrontos físicos, e realça o lado humano dos intervenientes, desarmando - e por isso surpreendendo - muitas vezes as expectativas dos leitores.

Por isso, também, Casey, longe de ser um pistoleiro ou justiceiro, é mais um homem experiente que, em lugar dos punhos ou dos colts, prefere utilizar a inteligência e mesmo a manha, para derrotar os seus adversários. O expediente para derrotar os proprietários de uma exploração mineira que - legalmente…? - ameaçam fazer implodir a (futura) Los Angeles em busca do ouro que existirá no seu subsolo, é um belo exemplo, tal como a artimanha para derrotar Julius, o profeta, um servo de Deus com demasiado interesse pelos bens terrenos, no relato que encerra este tomo.

E tudo isto é-nos mostrado através de um desenho realista clássico, seguro, credível, expressivo e dinâmico, em que vinhetas mais despidas convivem de forma equilibrada com outras em que os jogos de luz e sombra são conseguidos através de fortes contrastes de branco e negro.

E é através desse equilíbrio entre o western tradicional, a componente bem humana dos intervenientes, o peculiar sentido de humor e as suas sucessivas surpresas, que Warren Tufts nos proporciona uma leitura agradável e bem-disposta, que foge aos canônes mais tradicionais do género, mas sem o recusar, ao mesmo tempo que evoca temática inusuais no género, mas ainda actuais, como o aproveitamento das lacunas legislativas, a depreciação do lugar da mulher na sociedade, o aproveitamento das fragilidades dos mais fracos ou a exploração da crendice alheia.

E que, para mim, teve como ‘extra’ uma componente nostálgica, pois já tinha lido parte (?) dos relatos no Mundo de Aventuras e, sem o imaginar, recordava passagens completas de algumas delas.

Casey Ruggles #3 - La Estrella Fugaz
Warrn Tufts
Libri Impressi
Espanha, Julho de 2021
230 x 315 mm, 88 p., pb, capa mole
18,50 €
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(imagens disponibilizadas pela Libri Impressi; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)