Os heróis também contam
Com a independência da Argélia em pano de fundo e um voo de repatriamento como cenário de quase todo o álbum, Non-Retour tem um cunho auto-biográfico e ficou tragicamente marcado pelas vicissitudes da vida.
Passado em 1962, quando a situação na Argélia era tensa e podia explodir a qualquer momento devido ao processo de independência em curso, o álbum evoca um acontecimento vivido pelo próprio argumentista, Jean-Laurent Truc, até agora só crítico e divulgador de BD, um voo de repatriamento, que aos olhos de muitos - franceses em tempos vindos da metrópole, franceses nascidos naquele território africano, estrangeiros que sentiam a vida em risco - surgia como única tábua de salvação.
Devidamente ficcionado, para que o peso pessoal e histórico fosse aliviado, o relato surge aos olhos do leitor como um equilibrado relato de espionagem e suspense.
Tudo começa com a partida da base militar de Colomb-Béchar, na fronteira do deserto do Saara, de um Lockheed Super Constellation com umas quantas dezenas de passageiros que buscam na França metropolitana a segurança que já não sentem na nação recém-independente. Entre eles, encontra-se o alter-ego do argumentista, então com 11 anos, um coronel com vontade de fazer o novo país regressar ao passado colonialista, um espião soviético e o inspector da polícia encarregado de o descobrir e prender.
O espaço já de si limitado e circunscrito do avião, em que decorre praticamente todo o álbum, vai tornar-se ainda mais opressivo e angustiante quando de terra vem a ordem para aterrar em Oran o aparelho que deveria efectuar um voo directo para Marselha.
Dividido entre obedecer àquela directiva, sabendo que a desobediência poderá levar ao abate puro e simples, ou cumprir o plano inicial, e desconhecendo qual será a melhor forma de proteger os passageiros ao seu cuidado, sabendo que a escala que lhe é apontada levará a que a maior parte deles não volte a decolar, o piloto do avião terá que tomar - e assumir - uma decisão da qual não haverá retorno.
Com o desenho inicialmente entregue a Patrick Jusseaume, que chegou a esboçar as primeiras páginas, antes de falecer em 2017, Non-Retour foi depois confiado a Olivier Mangin que, com um estilo realista, ligeiramente caricatural, apoiado numa linha clara sóbria, conseguiu transformar o apertado espaço disponível no avião num palco espaçoso e polivalente, onde os diversos intervenientes vão cumprindo os seus papéis, deixando o leitor recorrentemente em suspenso das decisões pontuais que vão sendo tomadas e, em especial, da resposta às grandes questões que dominam a narrativa: O que fazer com o avião? Quem é o espião? Onde estão os planos roubados?
A forma como Truc - que confessou que esta experiência de escrita lhe revelou muito sobre como é estar do outro lado do ‘papel’ - consegue responder a todas elas, proporciona ao leitor uma leitura consistente e agradável, sustentada pela sua base real.
E que, para além disso, para alguns tem o belo extra de poderem descobrir o papel preponderante entregue a um certo Buck Danny, o herói aviador protagonista de um dos maiores clássicos de aviação da BD europeia.
Non-Retour
Jean-Laurent
Truc (argumento)
Olivier
Mangin (desenho)
Dargaud
França,
Abril
de 2021
240
x 320
mm, 76
p., cor, capa dura
15,00
€
(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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