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12/07/2010

Un Regard par-dessus l’Épaule

Pierre Paquet (argumento)
Tony Sandoval (desenho)
Paquet (Suíça, Janeiro de 2010)
240 x 320 mm, 96 p., cor, cartonado

Desenvolvimento
Este é um álbum estranho.
À partida – até pelo traço de Sandoval – tudo parece indicar (mais) uma narrativa sobre crianças traquinas. No entanto, ao fim de uma mão cheia de páginas, tudo começa a mudar, quando Pepeto, o (pequeno) protagonista, 11 anos apenas, no momento em que está prestes a pregar mais uma partida, fica com o olhar preso numa imagem de um (também) pequeno Jesus, que aparentemente se moveu e lhe acenou… Seguindo em direcção a ele, acaba por mergulhar na parede. Melhor, dentro de… si próprio, dos seus medos e desejos, dos seus temores e sonhos, das suas memórias e recordações, dando inicio a um conto insólito em que imperam o onírico, o surreal e o imprevisível…
Inicia-se assim um conto recheado de metáforas, que avança e recua, aparentemente sem fio condutor pré-estabelecido, com grandes contrastes e desequilíbrios entre as diversas sequências, que podem passar do vazio completo a verdadeiras emoções. E que vão levando Pepeto pelos mais diversos cenários, confrontando-o com feras, personagens estranhos, animais ou belas meninas, numa sucessão de acontecimentos que o hão-de trazer de novo ao ponto de partida – mais crescido? mais maduro? mais triste? mais revoltado? - onde, finalmente, nos é explicada a razão para o seu delírio (deixem escrever assim, para melhor concretizar a impressão que o álbum me deixou, sem desvendar mais do que o necessário sobre ele). O que obriga a uma releitura, à luz da nova informação recebida, para interpretar pistas que deixamos passar, descobrir novas e tentar encaixar todas as peças deste imenso puzzle.
O traço de Sandoval acaba por ser, apesar de tudo, o motivo de maior interesse deste belo livro (enquanto objecto), revelando para quem não o conhece um excelente ilustrador e colorista, com cada vinheta, cada tira, cada página, a transbordar de poesia, movimento e expressividade, sucedendo-se os exemplos de belas imagens e sequências plenamente conseguidas, que o tamanho do álbum ajuda a realçar.

A reter
- O traço de Sandoval, agradável, dinâmico, expressivo, que consegue ser doce, violento, cruel ou belo, consoante os requisitos da história, e traduzir os incómodos sentimentos de perda e abandono experimentados por Pepeto.
- O argumento, apesar dos senãos apontados, por nos obrigar a reflectir sobre as nossas próprias feridas interiores.

Menos conseguido
- Os desequilíbrios da narrativa.

Curiosidades
- Pierre Paquet é o editor das Éditions Paquet e esta não é a sua primeira incursão como argumentista de BD.
- Este álbum está inserido na Collection Blandrice onde também foi publicado originalmente o “Merci. Patron”, do português Rui Lacas.

04/06/2010

Frères Siamois – Coup Double

Serge Dehaes e Bernard Hellebaut (argumento)
Serge Dehaes (desenho e cor)
paquet (Suíça, Março de 2010)
238 x 322 mm, 48 p., cor, cartonado


Partilhando um tronco comum com apenas dois braços, mas com duas cabeças e quatro pernas os dois irmãos siameses que protagonizam este álbum são únicos. Apesar de dois. Se é que me faço entender. O que transforma situações banais ou pormenores corriqueiros em momentos hilariantes ou desconcertantes. Com um humor politicamente incorrecto – ou não pretenda fazer rir à custa da desgraça dos outros, salienta Géluck no prefácio que não escreveu (!) – mostra quão difícil é aos siameses fazerem coisas que normalmente os irmãos fazem: brincar às escondidas ou lutarem um com o outro, dormirem ambos de lado, um ver televisão enquanto o outro passeia, jogar ténis ou futebol, quererem coisas diferentes ao mesmo tempo… Ou como se torna complicado, quando ambos são afectados por uma diarreia…!
Mas, cumprindo uma nobre missão de serviço público, explica também que os champôs 2 em 1 não foram criados para os siameses ou que um pai natal siamês não entra por duas chaminés… gémeas!
E sabendo que Serge Dehaes é assistente e colorista de Géluck – o tal Géluck que (não) escreveu o prefácio, não sei se já o referi… – há 20 anos, não surpreende que o modelo utilizado neste álbum pelos autores seja o mesmo de Le Chat – uma criação do Géluck que…. - quer na composição das páginas, que alternam gags com tiras ou mesmo pranchas completas, quer no humor, mordaz, sarcástico, virulento, muitas vezes visual ou baseado em bem conseguidos trocadilhos, que não deixam o leitor ficar indiferente.

12/05/2010

Zobo et les fleurs de la vie #1 – Sakura

Nie Jun (argumento e desenho)
paquet (Suíça, Janeiro de 2010)
240 x 322 mm, 48 p., cor, cartonado


Mais do que uma narrativa, este é um poema em banda desenhada, protagonizado por Zobo, uma marionete que ganha vida quando a jovem Ryoko lhe coloca no lugar do coração um ramo de flor de cerejeira, planta que no Japão está associada ao amor e ao carácter efémero das alegrias deste mundo. Com esse gesto, desperta a paixão de Zobo – de certa forma um Pinóquio à maneira oriental - que o leva a uma entrega total para a tentar concretizar. Só que, o coração nem sempre faz as escolhas mais óbvias, apesar de todos os sacrifícios que o amor se dispõe a fazer.
Com esta base, a que acrescenta ainda o enigmático Doku, Nie Jun, chinês e não japonês como se poderia pensar, num tom assumidamente romântico, com protagonistas (utópicos e) puros, desenvolve uma história terna e simples, recheada de simbolismos, uns mais evidentes do que outros, sobre amores juvenis, paixões não correspondidas, entrada na idade adulta, diferenças sociais e a necessidade de fazer sacrifícios para atingir a felicidade (ainda que de forma passageira).
E se o desenrolar deste conto – com muitos dos ingredientes dos de fadas que encantam os mais pequenos - é mais ou menos previsível, a verdade é que o seu lirismo, o tom agradável e melancólico, onde paira uma certa magia, o traço delicado e as belas cores a aguarelas, acabam por cativar e seduzir o leitor, por momentos afastado do mundo real, bem menos atractivo.

21/04/2010

Les Rabbit #3 – Show Lapin

Sti (argumento e desenho)
Paquet (Suiça, Janeiro de 2010)
220 x 302 mm, 48 p., cor, cartonado


Introdução
Género com pouca visibilidade em Portugal, apesar de aparentemente ter todas as condições para ser popular – mais uma peça para a (in)compreensão daquilo a que se convencionou chamar “mercado português de BD” – o humor aos quadradinhos entre nós surge quase reduzido aos (excelentes e globalmente) recomendáveis clássicos Astérix e Lucky Luke. E claro a esse nicho à parte das tiras diárias de imprensa.
Mesmo grandes êxitos francófonos, como os Túnicas Azuis, Pequeno Spirou ou Titeuf, tiveram vida efémera no nosso país, caindo rapidamente no esquecimento. Longe vão os tempos, por isso, em que heróis como Cubitus, Modeste e Ponpom, Robin da Mata ou o Incrível Desirée (citados de cor e de cabeça, sem qualquer hierarquia ou indicação de preferência) preenchiam bom número de páginas da revista Tintin.
Aliás, é nas revistas – especialmente na Spirou – que este tipo de séries continua a fazer carreira (e sucesso) nos países francófonos.

Resumo
Sem esse suporte, Les Rabbit é mais uma das (muitas) séries cómicas disponíveis por lá, no formato de pranchas auto-conclusivas, que, como tantas vezes acontece, tem por base o quotidiano de uma família, composta por pai, mãe, filho adolescente, filha criança e filha bebé. Com a particularidade de (obviamente, em função do título) se tratar de coelhos, antropomórficos, embora praticamente nus, já que as roupas se limitam quase essencialmente à gravata do pai, ao boné do filho e aos laço de mãe e filha, que servem essencialmente para melhor os distinguir.

Desenvolvimento
Sem deslumbrar, Les Rabbit é suficientemente divertida para provocar bastantes sorrisos até porque, apesar dos protagonistas “animais”, o seu quotidiano é em tudo igual ao nosso, inclusive no que diz respeito às referências. Porque, neste tempo de globalização qualquer habitante de Portugal, Estados Unidos, Brasil, Japão ou da “rabbitlândia” (re)conhece um sabre Star Wars, videojogos, ninjas, relações profissionais, incompatibilidades entre homens e compras, apelos ao consumo desenfreado, pulsão sexual, birras de bebés ou choques geracionais.
A esta temática directa e facilmente assimilável, aqui e ali trabalhada com assinalável eficácia, Sti alia um traço simples mas eficaz, expressivo, vivo, dinâmico (graças também ao facto de muitas vezes os enquadramentos estarem ausentes ou se limitarem às manchas de cor das vinhetas) e um bom uso da cor que torna as pranchas apelativas e agradáveis.

Curiosidade
- Definida como uma colecção “dois álbuns em um”, Les Rabbit tem a particularidade de ter duas capas, uma protagonizada pelo filho Tony, a outra (uma vez virado o álbum) pelo pai Ronan, sendo os gags de cada “metade”, preferencialmente protagonizados por eles. Eis a razão para aparecerem duas capas diferentes no inicio deste texto.

03/02/2010

Bad Atmosphère

Jean-Christophe Chatton (argumento)
Joel Alessandra (desenho)
Paquet (Suíça, Novembro de 2009)
235 x 315 mm, cor, 64 p., cartonado

Resumo
Londres. Mickael Vicklert, director de um grande grupo petrolífero é assassinado em plena rua juntamente com o seu motorista. Qual o motivo? Ajuste de contas passional ou profissional, vingança pessoal ou crime ecologista?
Julian Hawkes, detective de sucesso da Scotland Yard devido à recente prisão de um assassino em série, é encarregado do caso. A sua investigação leva-o à França e ao Chade, onde crimes similares foram cometidos, e ecos de atentados semelhantes, no Brasil, Chile ou Estados Unidos, vão também chegando ao seu gabinete.
A par do difícil inquérito, Hawkes tem também que gerir a sua vida pessoal, abalada pelo recente divórcio e consequente afastamento da filha de 8 anos, e a forma como estabelece relações com as mulheres.

Desenvolvimento
Narrado ao estilo de séries televisivas em voga, com as CSI à cabeça, este é um relato bem construído, em que o leitor vai recebendo as informações ao mesmo tempo que o detective – embora nalguns casos “assista” aos crimes de que o agente apenas conhece a narração - vendo como as pistas se acumulam e, a partir de certo ponto, se parecem excluir, em especial quando é efectuada uma prisão nos EUA. Isto prende o leitor e torna a leitura agradável e bem fluida, mesmo tendo em conta que parte do desfecho é-nos narrado logo na primeira prancha. A motivação para os crimes é também interessante: responder aos crimes contra a natureza que o ser humano – em especial as grandes companhias movidas pelos interesses económicos – comete diariamente. Aliás, é por isso que a editora o classifica como um “thriller ecológico”, sendo a narrativa complementada por vinhetas/pranchas com grafismo diferente e informação verídica sobre situações alarmantes no nosso planeta.
A par da narrativa policial, os autores entreabrem-nos a porta da vida privada de Hawkes, recém-divorciado por se dedicar mais à profissão do que à família, e a sua dificuldade em assumir as suas relações - no feminino – seja com a filha de 8 anos, de que diz ter saudades mas que não procura, seja com as várias mulheres com quem contacta, que facilmente seduz mas com quem evita qualquer compromisso, o que ajuda a definir de forma completa e consistente o seu carácter.
E como tantas vezes acontece em histórias de cariz policial, acaba por ser uma coincidência a pôr Hawkes na pista certa, sendo o assassino quem menos se espera… e o desfecho também inesperado.
O traço de Joel Alessandra encerra em si alguma contradição. Por um lado, analisado de perto, elemento a elemento, é pouco convincente, revelando diversas falhas em termos de proporções, poses, acabamentos e mesmo de estilo, quase sempre caricatural e apenas semi-esboçado, aqui e ali mais realista e apurado. No entanto, no seu conjunto – das vinhetas, das páginas – enquanto um todo, revela-se funcional, devido à composição das pranchas e à aplicação das cores e, especialmente, bastante legível, o que mostra mais uma vez que um bom autor de banda desenhada não precisa de ser um grande desenhador...

A reter
- A legibilidade do álbum.
- O ritmo e dinâmica da narrativa.
- O bom trabalho com o lápis de cor nas vinhetas “realistas” que mostram uma faceta mais “artística” de Alessandra.

Menos conseguido
- Alguns aspectos do desenho, quando vistos ao pormenor.
- A falta de uma explicação cabal quanto à forma como os crimes foram “encomendados”.

Curiosidades
- Este álbum foi apoiado pela Caisse d’Éargne, no âmbito do concurso “Gang des talents 2008”, um apoio traduzido na sua maior “mediatização”.
- Um vídeo-anúncio do álbum pode ser visto aqui.
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