Prémio Camões 2011
Cronista lúcido, ácido e mordaz, cuja leitura da sua coluna Por Outras Palavras não dispenso diariamente na última página do “nosso” Jornal de Notícias, criador como há poucos de histórias infantis – adultas na forma como se apresentam aos seus pequenos (em tamanho) leitores, tratando-os como iguais, e como nos agradam a nós, ”grandes” leitores -, poeta de eleição, jornalista reconhecido, Manuel António Pina foi distinguido na passada quinta-feira com um justo e merecido Prémio Camões.
E se dessa obra vasta e diversificada nos últimos dias se encarregaram outros, uns melhor, outros nem tanto, mesmo sabendo que não são a sua área de eleição, quero destacar hoje duas intervenções que teve relacionadas com as histórias aos quadradinhos - nas quais sei que partilha comigo o gosto por obras como The Spirit ou Corto Maltese…
Como autor, em 1996, a convite da Gec Alsthom, uma das empresas concorrentes à adjudicação da construção do (então) futuro Metro do Porto, Manuel António Pina sonhou esse futuro sobre carris na cidade que há décadas adoptou como sua, levando nesse sonho aos quadradinhos os leitores de “Uma viagem fantástica”, desenhada por Rui Azul.
Antes, em 1987, como redactor responsável pela área cultural, quando acreditou em mim e me convidou para escrever no Jornal de Notícias, primeiro de forma irregular, depois assinando a coluna semanal Aos Quadradinhos que durou uma década. Por isso, se esta escrita (aos quadradinhos) é hoje o centro da minha vida, acredito que o devo, em grande parte, a ele.
Obrigado – também por isso – caro Pina.
Nota: Escrito para ser publicado na própria quinta-feira, este texto apenas surge hoje devido aos problemas que afectaram o Blogger e que me impediram de fazer actualizações mais cedo. Porque acredito que esta singela homenagem é justa e devida, ela aqui fica na mesma hoje.
16/05/2011
Manuel António Pina
Leituras relacionadas
Efeméride,
Manuel António Pina,
Prémio Camões
15/05/2011
Selos & Quadradinhos (45)
Stamps & Comics / Timbres & BD (45)
Tema/subject/sujet: Philatelie de la Jeunesse – Spirou
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1988
Tema/subject/sujet: Philatelie de la Jeunesse – Spirou
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1988
Leituras relacionadas
Bélgica,
Philatelie de la Jeunesse,
Selos e Quadradinhos,
Spirou
14/05/2011
Selos & Quadradinhos (44)
Stamps & Comics / Timbres & BD (44)
Tema/subject/sujet: Philatelie de la Jeunesse – Bob et Bobette
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1987
Tema/subject/sujet: Philatelie de la Jeunesse – Bob et Bobette
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1987
12/05/2011
Patte de velours
Collection Mirages
Pascal Bertho (argumento)
Korkydu (desenho)
Delcourt (França, Março de 2005)
210 x 260 mm, 96 p., cor, cartonado com sobrecapa, 14,95 €
Em tempos, os contos de fadas tinham um príncipe e uma princesa que tinham de mover céu e terra, vencer bruxas, dragões ou monstros, com a ajuda de fadas ou duendes, para atingirem o almejado final feliz em que casavam, tinham muitos filhos e viviam juntos para sempre, tudo seguindo a boa moral e os melhores costumes, para delícia e (escape) de quem lia.
Em "Patte de velours" a história é diferente: o príncipe e a princesa deram lugar a gente normal, como cada um de nós, mesmo que ela desenhe BD; os inimigos a vencer tomam a forma de ex-namoradas estranhamente possessivas, chefes de escritório anormalmente atiradiças ou amigos bem intencionados mas - por isso - incomodativos; como fada temos um gato-correio feito Cupido involuntário e como moral da história aparece um suposto conto chinês que fala da necessidade de tomarmos decisões e construirmos o nosso próprio futuro, não deixando tudo nas mãos do acaso.
Os seus autores são Pascal Bertho, responsável pelos diálogos realistas e pelo toque de humor, e Korkydu, dono de um desenho que, não sendo brilhante, cativa, é funcional, expressivo e transmite o ritmo certo à narrativa que, não tendo o habitual final feliz, deixa tudo em aberto para que tal aconteça. Ou talvez não, porque - convém não esquecer - esta é uma história de vidas.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 1 de Janeiro de 2006)
Pascal Bertho (argumento)
Korkydu (desenho)
Delcourt (França, Março de 2005)
210 x 260 mm, 96 p., cor, cartonado com sobrecapa, 14,95 €
Em tempos, os contos de fadas tinham um príncipe e uma princesa que tinham de mover céu e terra, vencer bruxas, dragões ou monstros, com a ajuda de fadas ou duendes, para atingirem o almejado final feliz em que casavam, tinham muitos filhos e viviam juntos para sempre, tudo seguindo a boa moral e os melhores costumes, para delícia e (escape) de quem lia.
Em "Patte de velours" a história é diferente: o príncipe e a princesa deram lugar a gente normal, como cada um de nós, mesmo que ela desenhe BD; os inimigos a vencer tomam a forma de ex-namoradas estranhamente possessivas, chefes de escritório anormalmente atiradiças ou amigos bem intencionados mas - por isso - incomodativos; como fada temos um gato-correio feito Cupido involuntário e como moral da história aparece um suposto conto chinês que fala da necessidade de tomarmos decisões e construirmos o nosso próprio futuro, não deixando tudo nas mãos do acaso.
Os seus autores são Pascal Bertho, responsável pelos diálogos realistas e pelo toque de humor, e Korkydu, dono de um desenho que, não sendo brilhante, cativa, é funcional, expressivo e transmite o ritmo certo à narrativa que, não tendo o habitual final feliz, deixa tudo em aberto para que tal aconteça. Ou talvez não, porque - convém não esquecer - esta é uma história de vidas.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 1 de Janeiro de 2006)
11/05/2011
Mezek
Collection Signé
Yann (argumento)
André Juillard (desenho)
Le Lombard (França, Abril de 2011)
320 x 240 mm, 72 p., cor, cartonado
15,95 €
Resumo
1948. O jovem estado de Israel, que acaba de proclamar a sua independência, tenta afirmar-se num período conturbado, rodeado de inimigos e intrigas.
Para o conseguir, contrata aviadores mercenários de todas as nacionalidades, o que não deixa de criar tensões e confrontos com os pilotos judeus.
Desenvolvimento
Se há dias referi aqui Jean-Claude Denis como um dos meus desenhadores de eleição, hoje cabe a vez a outro, André Juillard. Que com aquele, pouco (ou nada) tem em comum.
Onde o traço de Denis é grosso, sujo e quase rude, Juillard aposta em traço fino, limpo e delicado; se os tons predominantes de Denis são sombrios, as pranchas de Juillard irradiam cores quentes, alegria, gosto pela vida. Nada os une, portanto – para lá de serem cultores (bem diferentes) da linha clara – mas ambos me agradam. E se Denis tem tido um percurso gráfico mais homogéneo, Juillard tem-se distinguido não tanto nos seus sucessos mais comerciais (”Les sept vies de l’épervier” e respectivas sequelas ou na retoma de “Blake e Mortimer) mas mais em obras que se adivinham mais pessoais: desde logo o magnífico “Le cahier bleu” (seguido de “L’Aprés la pluie”), “Les Voyages de Lena” ou este “Mezek”.
Para concluir esta referência ao grafismo de Juillard, uma nota para o seu rigor e realismo, expresso no tratamento da figura humana, nos cenários, nos veículos – neste caso concreto em especial nos aviões, merecendo destaque a credibilidade e a leveza dos combates aéreos.
Mas, sendo justo, tenho que vincar que o interesse de “Mezek” vai bem além do magnífico traço de Juillard (o que é uma mais valia), começando logo pelo período abordado, rico em contradições, conflitos e dúvidas.
Porque, se bem que inebriado pela independência acabada de declarar unilateralmente, o novo estado de Israel passava por lutas internas de poder, por choques constantes sobre os caminhos a seguir, pela pressão exercida pelos vizinhos muçulmanos, em especial pelos egípcios, responsáveis por constantes bombardeamentos sobre a capital, Telavive, e pelos ex-colonizadores britânicos, com quem as relações eram tensas e periclitantes. Um início que assentou, por exemplo, na contratação de mercenários, nalguns casos ex-inimigos, na compra de aviões Messerschmit) alemães (ex-nazis…), no tráfico e contrabando de peças, armas e até aviões…
Tudo isto, é explanado com mestria por Yann, de forma ao mesmo tempo clara e completa mas leve, não sobrecarregando a história que – assente numa sólida base histórica que perpassa todas as suas pranchas – tem como motor, maioritariamente, os relacionamentos entre os pilotos que lutam nos ares em defesa de Israel. Movidos pelo dinheiro, a ambição, o idealismo e/ou a utopia…
De um lado os pilotos locais, judeus - pertencentes a diferentes facções… - inexperientes e revoltados pelo pagamento principesco dos mercenários contratados. Do outro, estes últimos, muitos deles ases da II Guerra Mundial recém-concluída, com a dupla função de pilotar e formar os judeus. O conjunto resulta num clima de tensão constante e muitos conflitos na base em que todos têm de (con)viver.
Entre os mercenários destaca-se o sueco Björn, alvo das atenções de três belas mulheres: a norte-americana Jackie e as israelitas Tzipi e Oona. Björn, em quem se centram as atenções, que guarda não um mas dois segredos relacionados com o seu passado – de sentidos opostos, até (!), que é impossível deixar entrever sem estragar o prazer da sua descoberta na leitura - que, uma vez descobertos porão em causa, quer a sua relação com aquelas mulheres, quer a sua posição no seio da esquadrilha israelita, quer as razões que o movem no seu envolvimento na causa israelita.
“Mezek” é, assim, desde os bombar-deamentos das primeiras páginas, que marcam logo o tom algo cru, duro e violento do álbum e definem as condições difíceis em que evoluem as suas personagens, que ostentam cicatrizes (interiores) que custam a sarar, um verdadeiro boião de tensões, de conflitos latentes, de contradições difíceis de explicar e difíceis de aceitar, que ameaçam explodir a qualquer momento e destruir o instável equilíbrio em que, na prática, viveu o estado de Israel nos seus primeiros tempos de vida.
A reter
- A consistência histórica do relato e a sua completa integração no lado ficcional do relato.
- O traço (e a cor) de Juillard, belo, realista, preciso, expressivo, sedutor, dinâmico…
Menos conseguido - A excessiva parecença entre algumas personagens.
A frase
- “O que me agradou foi o simbolismo do Estado de Israel salvo pelos Messerschmitt alemães. É uma alegoria maravilhosa. Foi o meu ponto de partida.” (Yann)
Curiosidades
- “Mezek”, termo checoslovaco para “mula”, era a designação usada para referir os aviões alemães Messerschmitt.
- Surpresa! Descubra na vinheta ao lado, ao fundo, duas personagens bem conhecidas que Juillard também já desenhou!
Yann (argumento)
André Juillard (desenho)
Le Lombard (França, Abril de 2011)
320 x 240 mm, 72 p., cor, cartonado
15,95 €
Resumo
1948. O jovem estado de Israel, que acaba de proclamar a sua independência, tenta afirmar-se num período conturbado, rodeado de inimigos e intrigas.
Para o conseguir, contrata aviadores mercenários de todas as nacionalidades, o que não deixa de criar tensões e confrontos com os pilotos judeus.
Desenvolvimento
Se há dias referi aqui Jean-Claude Denis como um dos meus desenhadores de eleição, hoje cabe a vez a outro, André Juillard. Que com aquele, pouco (ou nada) tem em comum.
Onde o traço de Denis é grosso, sujo e quase rude, Juillard aposta em traço fino, limpo e delicado; se os tons predominantes de Denis são sombrios, as pranchas de Juillard irradiam cores quentes, alegria, gosto pela vida. Nada os une, portanto – para lá de serem cultores (bem diferentes) da linha clara – mas ambos me agradam. E se Denis tem tido um percurso gráfico mais homogéneo, Juillard tem-se distinguido não tanto nos seus sucessos mais comerciais (”Les sept vies de l’épervier” e respectivas sequelas ou na retoma de “Blake e Mortimer) mas mais em obras que se adivinham mais pessoais: desde logo o magnífico “Le cahier bleu” (seguido de “L’Aprés la pluie”), “Les Voyages de Lena” ou este “Mezek”.
Para concluir esta referência ao grafismo de Juillard, uma nota para o seu rigor e realismo, expresso no tratamento da figura humana, nos cenários, nos veículos – neste caso concreto em especial nos aviões, merecendo destaque a credibilidade e a leveza dos combates aéreos.
Mas, sendo justo, tenho que vincar que o interesse de “Mezek” vai bem além do magnífico traço de Juillard (o que é uma mais valia), começando logo pelo período abordado, rico em contradições, conflitos e dúvidas.
Porque, se bem que inebriado pela independência acabada de declarar unilateralmente, o novo estado de Israel passava por lutas internas de poder, por choques constantes sobre os caminhos a seguir, pela pressão exercida pelos vizinhos muçulmanos, em especial pelos egípcios, responsáveis por constantes bombardeamentos sobre a capital, Telavive, e pelos ex-colonizadores britânicos, com quem as relações eram tensas e periclitantes. Um início que assentou, por exemplo, na contratação de mercenários, nalguns casos ex-inimigos, na compra de aviões Messerschmit) alemães (ex-nazis…), no tráfico e contrabando de peças, armas e até aviões…
Tudo isto, é explanado com mestria por Yann, de forma ao mesmo tempo clara e completa mas leve, não sobrecarregando a história que – assente numa sólida base histórica que perpassa todas as suas pranchas – tem como motor, maioritariamente, os relacionamentos entre os pilotos que lutam nos ares em defesa de Israel. Movidos pelo dinheiro, a ambição, o idealismo e/ou a utopia…
De um lado os pilotos locais, judeus - pertencentes a diferentes facções… - inexperientes e revoltados pelo pagamento principesco dos mercenários contratados. Do outro, estes últimos, muitos deles ases da II Guerra Mundial recém-concluída, com a dupla função de pilotar e formar os judeus. O conjunto resulta num clima de tensão constante e muitos conflitos na base em que todos têm de (con)viver.
Entre os mercenários destaca-se o sueco Björn, alvo das atenções de três belas mulheres: a norte-americana Jackie e as israelitas Tzipi e Oona. Björn, em quem se centram as atenções, que guarda não um mas dois segredos relacionados com o seu passado – de sentidos opostos, até (!), que é impossível deixar entrever sem estragar o prazer da sua descoberta na leitura - que, uma vez descobertos porão em causa, quer a sua relação com aquelas mulheres, quer a sua posição no seio da esquadrilha israelita, quer as razões que o movem no seu envolvimento na causa israelita.
“Mezek” é, assim, desde os bombar-deamentos das primeiras páginas, que marcam logo o tom algo cru, duro e violento do álbum e definem as condições difíceis em que evoluem as suas personagens, que ostentam cicatrizes (interiores) que custam a sarar, um verdadeiro boião de tensões, de conflitos latentes, de contradições difíceis de explicar e difíceis de aceitar, que ameaçam explodir a qualquer momento e destruir o instável equilíbrio em que, na prática, viveu o estado de Israel nos seus primeiros tempos de vida.
A reter
- A consistência histórica do relato e a sua completa integração no lado ficcional do relato.
- O traço (e a cor) de Juillard, belo, realista, preciso, expressivo, sedutor, dinâmico…
Menos conseguido - A excessiva parecença entre algumas personagens.
A frase
- “O que me agradou foi o simbolismo do Estado de Israel salvo pelos Messerschmitt alemães. É uma alegoria maravilhosa. Foi o meu ponto de partida.” (Yann)
Curiosidades
- “Mezek”, termo checoslovaco para “mula”, era a designação usada para referir os aviões alemães Messerschmitt.
- Surpresa! Descubra na vinheta ao lado, ao fundo, duas personagens bem conhecidas que Juillard também já desenhou!
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Andre Juillard,
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Yann
10/05/2011
VII Festival de BD de Beja (I)
09/05/2011
Ideias Negras
Integral
Franquin (argumento e desenho)
Witloof (Portugal, Agosto de 2001)
175 x 245, 72 p., pb, cartonado
Se Franquin é justamente conhecido pela melhor fase de Spirou e pelas indescritíveis e hilariantes confusões criadas por Gaston Lagaffe, era uma injustiça que a sua obra mais pessoal estivesse perdida no limbo do esquecimento.
Injustiça recentemente reparada pela reedição integral, num único volume, das suas "Ideias negras", a que a Witloof se associou com um mini-álbum cartonado (pb, 72 p., 12,47 euros), permitindo aos leitores portugueses - naquele que é sem qualquer dúvida um dos lançamentos do ano em curso - descobrirem a faceta mais pessimista de um autor que, paradoxalmente, se distinguiu pelo seu notável sentido de humor.
Nascidas, numa parceria com Yvan Delporte, no "Le trombone illustré", suplemento autónomo da revista Spirou, em 1977, e depois transferidas para a revista "Fluide Glacial", as suas "ideias negras" tanto podem ter como tema base aspectos mais ou menos banais do dia-a-dia ou a (recorrente) caça, como temas mais sérios e globais de que são exemplo a pena de morte, a corrida ao nuclear (então na ordem do dia) ou a própria guerra.
Temas tratados de forma mordaz, transformados em alvos de uma crítica feroz, implacável e violenta, que realça o lado mais estúpido e irracional da natureza humana, e culminam sempre em desfechos funestos mas irresistivelmente divertidos, embora deixem a incómoda sensação de que rimos de algo que não devia ser para rir.
Como disse Franquin: "As 'Ideias negras' são pequenas histórias, um pouco sádicas, um pouco cruéis, mas no entanto engraçadas".
E são narradas com uma técnica notável, num preto e branco muito negro, nervoso e bem trabalhado, em que quase sempre os personagens não passam de silhuetas sombrias, recortadas no branco imaculado da prancha, acentuando o tom sinistro das histórias.
Como complemento, a ser visto com atenção, cada prancha tem uma assinatura igualmente "negra", personalizada de acordo com a temática narrada na página, que funciona como corolário da ideia nela exposta.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Novembro de 2001)
Franquin (argumento e desenho)
Witloof (Portugal, Agosto de 2001)
175 x 245, 72 p., pb, cartonado
Se Franquin é justamente conhecido pela melhor fase de Spirou e pelas indescritíveis e hilariantes confusões criadas por Gaston Lagaffe, era uma injustiça que a sua obra mais pessoal estivesse perdida no limbo do esquecimento.
Injustiça recentemente reparada pela reedição integral, num único volume, das suas "Ideias negras", a que a Witloof se associou com um mini-álbum cartonado (pb, 72 p., 12,47 euros), permitindo aos leitores portugueses - naquele que é sem qualquer dúvida um dos lançamentos do ano em curso - descobrirem a faceta mais pessimista de um autor que, paradoxalmente, se distinguiu pelo seu notável sentido de humor.
Nascidas, numa parceria com Yvan Delporte, no "Le trombone illustré", suplemento autónomo da revista Spirou, em 1977, e depois transferidas para a revista "Fluide Glacial", as suas "ideias negras" tanto podem ter como tema base aspectos mais ou menos banais do dia-a-dia ou a (recorrente) caça, como temas mais sérios e globais de que são exemplo a pena de morte, a corrida ao nuclear (então na ordem do dia) ou a própria guerra.
Temas tratados de forma mordaz, transformados em alvos de uma crítica feroz, implacável e violenta, que realça o lado mais estúpido e irracional da natureza humana, e culminam sempre em desfechos funestos mas irresistivelmente divertidos, embora deixem a incómoda sensação de que rimos de algo que não devia ser para rir.
Como disse Franquin: "As 'Ideias negras' são pequenas histórias, um pouco sádicas, um pouco cruéis, mas no entanto engraçadas".
E são narradas com uma técnica notável, num preto e branco muito negro, nervoso e bem trabalhado, em que quase sempre os personagens não passam de silhuetas sombrias, recortadas no branco imaculado da prancha, acentuando o tom sinistro das histórias.
Como complemento, a ser visto com atenção, cada prancha tem uma assinatura igualmente "negra", personalizada de acordo com a temática narrada na página, que funciona como corolário da ideia nela exposta.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Novembro de 2001)
08/05/2011
Selos & Quadradinhos (43)
Stamps & Comics / Timbres & BD (43)
Tema/subject/sujet: Astérix
País/country/pays: Tajiquistão / Tajikistan / Tadjikistan
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: ?
Tema/subject/sujet: Astérix
País/country/pays: Tajiquistão / Tajikistan / Tadjikistan
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: ?
Leituras relacionadas
Astérix,
Selos e Quadradinhos,
Tajiquistão
07/05/2011
Rui Duarte na Mundo Fantasma
Data: 7 de Maio a 12 de Junho de 2011
Local: Galeria Mundo Fantasma, loja 510, Centro Comercial Brasília, Porto
Horário: de 2ª a sábado, das 10h às 20h: Domingo das 15h às 19h
Discovoador et Al, é o nome da exposição de ilustração e banda desenhada de Rui Duarte, que a galeria Mundo Fantasma, situada no Centro Comercial Brasília, na loja especializada em BD importada com o mesmo nome, disponibiliza a parir de hoje, às 17h.
Natural do Porto, o autor, que estará presente na inauguração, tem sido o responsável pela imagem gráfica dos Clã, a banda de Manuela Azevedo, para quem tem elaborado as capas de discos e os cartazes dos espec- táculos, sendo que algum desse material, do álbum Rosa Carne ao recém-lançado Disco Voador, estará patente nesta mostra.
Formado em arquitectura, Rui Duarte tem feito a sua intervenção artística ao nível da criação de cenários, esculturas, mobiliário, ilustração e banda desenhada, nas Américas, Cabo Verde, Angola e Europa. Em Portugal, o seu atelier, formado em 1991, tem desenvolvido estratégias em múltiplas disciplinas da comunicação e produção, gráfica e audiovisual, investindo sobretudo na imagem de projectos culturais,
tendo colaborado com instituições diversas como a Câmara Municipal do Porto, Rivoli Teatro Municipal, Culturporto, Museu de Serralves, Porto 2001, Coimbra 2003 ou Expo'98.
É também director artístico da Companhia Burbur, uma organização lusófona que concebe e produz projectos de teatro, de investigação literária, de vídeo e de som.
Actualmente a frequentar o curso de Estudos Portugueses e Lusófonos na Faculdade de Letras, Rui Duarte tem em Discovoador et Al, que poderá ser visitada até 12 de Junho, uma panorâmica alargada, heterogénea e diversificada dos seus trabalhos e das técnicas que costuma utilizar.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 7 de Maio de 2011)
Local: Galeria Mundo Fantasma, loja 510, Centro Comercial Brasília, Porto
Horário: de 2ª a sábado, das 10h às 20h: Domingo das 15h às 19h
Discovoador et Al, é o nome da exposição de ilustração e banda desenhada de Rui Duarte, que a galeria Mundo Fantasma, situada no Centro Comercial Brasília, na loja especializada em BD importada com o mesmo nome, disponibiliza a parir de hoje, às 17h.
Natural do Porto, o autor, que estará presente na inauguração, tem sido o responsável pela imagem gráfica dos Clã, a banda de Manuela Azevedo, para quem tem elaborado as capas de discos e os cartazes dos espec- táculos, sendo que algum desse material, do álbum Rosa Carne ao recém-lançado Disco Voador, estará patente nesta mostra.
Formado em arquitectura, Rui Duarte tem feito a sua intervenção artística ao nível da criação de cenários, esculturas, mobiliário, ilustração e banda desenhada, nas Américas, Cabo Verde, Angola e Europa. Em Portugal, o seu atelier, formado em 1991, tem desenvolvido estratégias em múltiplas disciplinas da comunicação e produção, gráfica e audiovisual, investindo sobretudo na imagem de projectos culturais,
tendo colaborado com instituições diversas como a Câmara Municipal do Porto, Rivoli Teatro Municipal, Culturporto, Museu de Serralves, Porto 2001, Coimbra 2003 ou Expo'98.
É também director artístico da Companhia Burbur, uma organização lusófona que concebe e produz projectos de teatro, de investigação literária, de vídeo e de som.
Actualmente a frequentar o curso de Estudos Portugueses e Lusófonos na Faculdade de Letras, Rui Duarte tem em Discovoador et Al, que poderá ser visitada até 12 de Junho, uma panorâmica alargada, heterogénea e diversificada dos seus trabalhos e das técnicas que costuma utilizar.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 7 de Maio de 2011)
Leituras relacionadas
BD para ver,
Mundo Fantasma,
Rui Duarte
06/05/2011
L’ombre aux tableaux
et autres histoires
Jean-C. Denis (argumento e desenho)
Drugstore (França, 30 de Março de 2011)
215 x 293 mm, 184 p., cor, cartonada, 25 €
Resumo
Compilação de várias histórias de Jean-Claude Denis, publicadas em três álbuns no início da década de 1990, a saber: L’ombre aux tableaux, Bonbon Piment, Maï pen raï, Le jeux des animaux, Le Pélican.
Desenvolvimento
Acredito e defendo a banda desenhada enquanto arte na qual texto e desenho funcionam de forma una e indivisível.
Mas, paradoxalmente, escrevo de forma convicta que compro mais depressa um álbum pelo seu argumentista do que pelo seu desenhador. Aliás, há belíssimas histórias comprometidas por desenhadores pouco hábeis e excelentes desenhadores que brilhariam mais se tivessem boas histórias para desenhar. E ainda talentosos desenhadores que nunca serão sequer razoáveis autores de banda desenhada…
O que não implica, paradoxalmente mais uma vez, que não haja alguns desenhadores que me atraem especialmente, muitas vezes por razões que nem eu consigo explicar. Jean-Claude Denis é um desses casos.
Descobri-o há muitos anos quando (ainda só) folheava a revista (a suivre) e tive oportunidade de o ler, mais tarde, algumas vezes. Se enquanto argumentista o considero algo desequilibrado, com algumas obras francamente conseguidas e outras que não o são tanto, como desenhador a sua linha clara, geralmente de tons mais sombrios - ocres, verdes, cinzentos, azulados - raramente vivos ou quentes, em que predomina a figura humana, mais especificamente rostos expressivos, com especial destaque para as belas mulheres, satisfaz-me bastante e acaba por ser a principal razão para a ele voltar recorrentemente. E é dessa forma que Denis vai traçando retratos ternos mas desiludidos, e lúcidos, embora por vezes deformados, da sociedade, do nosso mundo.
Foi o caso desta compilação, recém-editada, que reúne uma mão cheia de histórias, entre curtas e longas, quase todas em lugares exóticos – Brasil, Tailândia, Reunião – nas quais a realidade – que geralmente predomina nos álbuns de Denis – convive estreitamente com o fantástico e/ou o sobrenatural, uma vezes apenas na aparência, outras vezes sendo mesmo concretizado.
É o que acontece na narrativa que abre o álbum e lhe dá título, em que um pintor pouco conhecido, uma vez falecido volta para progressivamente se apossar do corpo – da vontade - da última (da única?) pessoa que lhe deu valor em vida, servindo o conjunto para Denis divagar sobre o momento da criação, a arte, os seus criadores, o seu valor, a sua importância, os críticos…
Igualmente bem conseguidas são Bonbon Piment e Maï pen raï, a primeira sobre uma relação (impossível?) mal compreendida, a segunda sobre como um pormenor pode estragar um sonho de amor.
Aliás, convém referi-lo, os desencontros, as desilusões, as relações terminada ou desfeitas, os finais infelizes são uma constante na obra de Denis, onde abundam histórias sobre pessoas (nem sempre) normais, muitas vezes apanhadas em situações incomuns, ultrapassadas pelo acaso, pelo destino, pela própria incapacidade de se assumirem ou de afirmarem a sua vontade, pessoas solitárias, pouco sociais, incapazes de se relacionarem com os outros… e consigo.
Por isso, de forma resumida, talvez me atreva a escrever que este é um álbum sobre gente, sobre pessoas, sobre relações humanas, melhor, sobre como raramente essas relações devem ser conduzidas.
Sei que é um atrevimento grande fazê-lo porque o resumo acima - como (quase) todos os resumos - é redutor e, por natureza, incompleto, e Denis é um magnífico cronista do quotidiano e do ser humano.
A reter
- O traço de Denis, claro, pelo menos aos meus olhos.
- Os finais inesperados e o tom intimista da maior parte das narrativas.
- A combinação de sentimentos e emoções – por vezes opostos - que ressalta dos seus contos: ternura, tristeza, melancolia, solidão, paixão, incompreensão…
Menos conseguido
- O relato longo que fecha o livro, Le Pélican, povoado por seres humanos (muito) pouco normais…
Curiosidade
- No site da Drugstore pode folhear as primeiras pranchas do álbum (clicando na imagem sob “planches”).
Jean-C. Denis (argumento e desenho)
Drugstore (França, 30 de Março de 2011)
215 x 293 mm, 184 p., cor, cartonada, 25 €
Resumo
Compilação de várias histórias de Jean-Claude Denis, publicadas em três álbuns no início da década de 1990, a saber: L’ombre aux tableaux, Bonbon Piment, Maï pen raï, Le jeux des animaux, Le Pélican.
Desenvolvimento
Acredito e defendo a banda desenhada enquanto arte na qual texto e desenho funcionam de forma una e indivisível.
Mas, paradoxalmente, escrevo de forma convicta que compro mais depressa um álbum pelo seu argumentista do que pelo seu desenhador. Aliás, há belíssimas histórias comprometidas por desenhadores pouco hábeis e excelentes desenhadores que brilhariam mais se tivessem boas histórias para desenhar. E ainda talentosos desenhadores que nunca serão sequer razoáveis autores de banda desenhada…
O que não implica, paradoxalmente mais uma vez, que não haja alguns desenhadores que me atraem especialmente, muitas vezes por razões que nem eu consigo explicar. Jean-Claude Denis é um desses casos.
Descobri-o há muitos anos quando (ainda só) folheava a revista (a suivre) e tive oportunidade de o ler, mais tarde, algumas vezes. Se enquanto argumentista o considero algo desequilibrado, com algumas obras francamente conseguidas e outras que não o são tanto, como desenhador a sua linha clara, geralmente de tons mais sombrios - ocres, verdes, cinzentos, azulados - raramente vivos ou quentes, em que predomina a figura humana, mais especificamente rostos expressivos, com especial destaque para as belas mulheres, satisfaz-me bastante e acaba por ser a principal razão para a ele voltar recorrentemente. E é dessa forma que Denis vai traçando retratos ternos mas desiludidos, e lúcidos, embora por vezes deformados, da sociedade, do nosso mundo.
Foi o caso desta compilação, recém-editada, que reúne uma mão cheia de histórias, entre curtas e longas, quase todas em lugares exóticos – Brasil, Tailândia, Reunião – nas quais a realidade – que geralmente predomina nos álbuns de Denis – convive estreitamente com o fantástico e/ou o sobrenatural, uma vezes apenas na aparência, outras vezes sendo mesmo concretizado.
É o que acontece na narrativa que abre o álbum e lhe dá título, em que um pintor pouco conhecido, uma vez falecido volta para progressivamente se apossar do corpo – da vontade - da última (da única?) pessoa que lhe deu valor em vida, servindo o conjunto para Denis divagar sobre o momento da criação, a arte, os seus criadores, o seu valor, a sua importância, os críticos…
Igualmente bem conseguidas são Bonbon Piment e Maï pen raï, a primeira sobre uma relação (impossível?) mal compreendida, a segunda sobre como um pormenor pode estragar um sonho de amor.
Aliás, convém referi-lo, os desencontros, as desilusões, as relações terminada ou desfeitas, os finais infelizes são uma constante na obra de Denis, onde abundam histórias sobre pessoas (nem sempre) normais, muitas vezes apanhadas em situações incomuns, ultrapassadas pelo acaso, pelo destino, pela própria incapacidade de se assumirem ou de afirmarem a sua vontade, pessoas solitárias, pouco sociais, incapazes de se relacionarem com os outros… e consigo.
Por isso, de forma resumida, talvez me atreva a escrever que este é um álbum sobre gente, sobre pessoas, sobre relações humanas, melhor, sobre como raramente essas relações devem ser conduzidas.
Sei que é um atrevimento grande fazê-lo porque o resumo acima - como (quase) todos os resumos - é redutor e, por natureza, incompleto, e Denis é um magnífico cronista do quotidiano e do ser humano.
A reter
- O traço de Denis, claro, pelo menos aos meus olhos.
- Os finais inesperados e o tom intimista da maior parte das narrativas.
- A combinação de sentimentos e emoções – por vezes opostos - que ressalta dos seus contos: ternura, tristeza, melancolia, solidão, paixão, incompreensão…
Menos conseguido
- O relato longo que fecha o livro, Le Pélican, povoado por seres humanos (muito) pouco normais…
Curiosidade
- No site da Drugstore pode folhear as primeiras pranchas do álbum (clicando na imagem sob “planches”).
05/05/2011
Le Masque du Fantôme
Le Château des Ombres
Collection Shampooing
Fabien Grolleau (argumento e desenho)
Delcourt (França, 6 de Abril de 2011)
127 x 180 mm, 192 p., pb, brochada com sobrecapa, 9,40 €
Resumo
Um autor de BD pouco conhecido é contratado para produzir uma banda desenhada que ajude a trazer à razão o maior dos fãs de “Le Fantôme des Everglades”, um dos grandes sucessos dos quadradinhos clássicos dos últimos 60 anos.
Desenvolvimento
Esta é a história de alguém que ficou órfão demasiado cedo (é sempre demasiado cedo para se ficar órfão…) e, ao mesmo tempo, dono de uma colossal fortuna.
A história de alguém que encontrou refúgio e libertação na banda desenhada, em especial em “Le Fantôme des Everglades”, um comic clássico de aventura (que facilmente se percebe ser inspirado no Fantasma, de Lee Falk e Ray Moore), que nos últimos 60 anos foi um enorme sucesso a nível mundial. E a quem o dinheiro permitiu transformar a imensa propriedade numa cópia rigorosa dos cenários das aventuras do herói.
E, por isso, foi a banda desenhada que norteou toda a sua existência de criança, adolescente, jovem, adulto, velho… Primeiro como leitor maravilhado, depois como coleccionador ávido (“dotado de meios infinitos” para “percorrer o mundo inteiro à procura de um exemplar único” ou então “a versão alemã, indiana, turca ou chinesa” do seu comic preferido), mais tarde, mergulhando nela, como que numa realidade paralela, assumindo a pouco e pouco a identidade do seu ídolo, emulando as suas acções, vendo o mundo real deformado pelo olhar proveniente dos comics.
Mais ainda quando, numa tentativa de o chamar à realidade (de que estava cada vez mais ausente) os herdeiros decidiram queimar a sua imensa colecção, provocando exactamente o efeito contrário: roubando-lhe os últimos resquícios de lucidez, fazendo-o mergulhar definitivamente num papel de justiceiro mascarado numa cruzada infinita pela libertação de belas mulheres prisioneiras de horrendos zombies comandados pelo poderoso “Feiticeiro”.
Por isso, esses herdeiros, em especial a bela sobrinha, arrependida do que fez, decidem contratar Sacha, um autor de BD – por acaso pouco famoso e até cultor do género autobiográfico – para criar um comic “pirata” que ajude o novo(/velho) Fantôme a voltar à realidade.
Primeiro surpre-endido e de pé atrás, Sacha aos poucos embarca na estranha aventura, quer porque o perturbado herói o toma pelo seu (fiel…) ajudante, quer porque não fica indiferente à bela sobrinha – principalmente porque em si também vivem, vibram os ecos dos heróis dos quadradinhos.
Hábil combinação de realidade e fantasia, em que a realidade, aos olhos do leitor, é muitas vezes substituída pela ficção que o protagonista imagina real, “Le Masque du Fantôme” é, antes de mais, uma bela homenagem aos autores dos heróis – e aos heróis também - que fizeram – que fazem – sonhar gerações de leitores de quadradinhos. Uma homenagem emotiva, sentida, que se adivinha sincera. O que não implica que o autor não consiga algum distanciamento para mostrar – de forma mordaz - a reacção oposta, as críticas que todos nós, leitores de BD, já ouvimos mais que uma vez: “Com tais leituras, como não há-de a juventude ser perturbada?”, “Se lesses histórias a sério…”, etc…
Apesar de um início um pouco lento e algo confuso, o relato progressivamente ganha ritmo, em boa medida devido à planificação dinâmica, brilha na combinação da realidade com cenas extraídas (ou imaginadas) das páginas de BD e torna-se especialmente estimulante para fãs de banda desenhada, a quem o aconselho vivamente.
Este primeiro volume termina num momento em que o mundo de fantasia se cruza tragicamente com a realidade, partindo os protagonistas – o pretenso herói e o suposto criador das suas histórias – em perseguição de um verdadeiro assassino, deixando os autores em suspenso sobre a forma como o autor vai encaminhar.
A reter
- A homenagem – sentida - aos clássicos – autores e heróis - dos quadradinhos.
Curiosidade
- O blog de Fabien Grolleau, com muita informação sobre a obra.
Collection Shampooing
Fabien Grolleau (argumento e desenho)
Delcourt (França, 6 de Abril de 2011)
127 x 180 mm, 192 p., pb, brochada com sobrecapa, 9,40 €
Resumo
Um autor de BD pouco conhecido é contratado para produzir uma banda desenhada que ajude a trazer à razão o maior dos fãs de “Le Fantôme des Everglades”, um dos grandes sucessos dos quadradinhos clássicos dos últimos 60 anos.
Desenvolvimento
Esta é a história de alguém que ficou órfão demasiado cedo (é sempre demasiado cedo para se ficar órfão…) e, ao mesmo tempo, dono de uma colossal fortuna.
A história de alguém que encontrou refúgio e libertação na banda desenhada, em especial em “Le Fantôme des Everglades”, um comic clássico de aventura (que facilmente se percebe ser inspirado no Fantasma, de Lee Falk e Ray Moore), que nos últimos 60 anos foi um enorme sucesso a nível mundial. E a quem o dinheiro permitiu transformar a imensa propriedade numa cópia rigorosa dos cenários das aventuras do herói.
E, por isso, foi a banda desenhada que norteou toda a sua existência de criança, adolescente, jovem, adulto, velho… Primeiro como leitor maravilhado, depois como coleccionador ávido (“dotado de meios infinitos” para “percorrer o mundo inteiro à procura de um exemplar único” ou então “a versão alemã, indiana, turca ou chinesa” do seu comic preferido), mais tarde, mergulhando nela, como que numa realidade paralela, assumindo a pouco e pouco a identidade do seu ídolo, emulando as suas acções, vendo o mundo real deformado pelo olhar proveniente dos comics.
Mais ainda quando, numa tentativa de o chamar à realidade (de que estava cada vez mais ausente) os herdeiros decidiram queimar a sua imensa colecção, provocando exactamente o efeito contrário: roubando-lhe os últimos resquícios de lucidez, fazendo-o mergulhar definitivamente num papel de justiceiro mascarado numa cruzada infinita pela libertação de belas mulheres prisioneiras de horrendos zombies comandados pelo poderoso “Feiticeiro”.
Por isso, esses herdeiros, em especial a bela sobrinha, arrependida do que fez, decidem contratar Sacha, um autor de BD – por acaso pouco famoso e até cultor do género autobiográfico – para criar um comic “pirata” que ajude o novo(/velho) Fantôme a voltar à realidade.
Primeiro surpre-endido e de pé atrás, Sacha aos poucos embarca na estranha aventura, quer porque o perturbado herói o toma pelo seu (fiel…) ajudante, quer porque não fica indiferente à bela sobrinha – principalmente porque em si também vivem, vibram os ecos dos heróis dos quadradinhos.
Hábil combinação de realidade e fantasia, em que a realidade, aos olhos do leitor, é muitas vezes substituída pela ficção que o protagonista imagina real, “Le Masque du Fantôme” é, antes de mais, uma bela homenagem aos autores dos heróis – e aos heróis também - que fizeram – que fazem – sonhar gerações de leitores de quadradinhos. Uma homenagem emotiva, sentida, que se adivinha sincera. O que não implica que o autor não consiga algum distanciamento para mostrar – de forma mordaz - a reacção oposta, as críticas que todos nós, leitores de BD, já ouvimos mais que uma vez: “Com tais leituras, como não há-de a juventude ser perturbada?”, “Se lesses histórias a sério…”, etc…
Apesar de um início um pouco lento e algo confuso, o relato progressivamente ganha ritmo, em boa medida devido à planificação dinâmica, brilha na combinação da realidade com cenas extraídas (ou imaginadas) das páginas de BD e torna-se especialmente estimulante para fãs de banda desenhada, a quem o aconselho vivamente.
Este primeiro volume termina num momento em que o mundo de fantasia se cruza tragicamente com a realidade, partindo os protagonistas – o pretenso herói e o suposto criador das suas histórias – em perseguição de um verdadeiro assassino, deixando os autores em suspenso sobre a forma como o autor vai encaminhar.
A reter
- A homenagem – sentida - aos clássicos – autores e heróis - dos quadradinhos.
Curiosidade
- O blog de Fabien Grolleau, com muita informação sobre a obra.
04/05/2011
Astérix, 50 anos em Portugal (III)
Maria José Pereira: “Astérix está associado ao nascimento do meu filho”
“Tenho muitas histórias "curiosas" em relação ao Astérix, mas a edição de que guardo maior memória, é a do título “A Rosa e o Gládio”.
Era a primeira novidade que Portugal lançava em simultâneo com todos os outros países da Europa, incluindo a França, e era um privilégio poder trabalhar nela a partir da tradução. Estávamos no Verão de 1991 e tanto eu como a Paula Caetano - há vários anos que traduzimos juntas os livros do Astérix -, estávamos grávidas.
O nervosismo era grande: tínhamos muito pouco tempo para fazer a tradução - o livro tinha lançamento mundial em Outubro - e estávamos no final de Julho quando trabalhámos os textos. Faltava cerca de um mês para ter o livro pronto para ir para a gráfica (e ainda faltava aprovar a tradução e passar o texto ao legendador, para que o legendasse manualmente).
Hoje, quando olho para nós em retrospectiva, vejo-nos amarelas, olheirentas, enjoadas, com as cabeças a tentarem sobressair no meio de imensas nuvens de fumo. Trabalhávamos a três num gabinete, e a nossa colega de espaço acendia o cigarro no cigarro que ia apagar. Circundavam-nos imensos dicionários e livros para consulta.
Enviado o livro para a gráfica, começámos, na editora, a preparar a campanha de comunicação e os contactos com os jornalistas pois tínhamos acordado com a editora francesa que o Sr. Uderzo faria o lançamento da obra em Portugal, um dia ou dois depois do lançamento em França.
Sei que preparámos tudo e que, a poucas horas de sair do escritório para o aeroporto, a minha chefe da altura, a Natália Severino, me chama e me diz: "Senta-te. A notícia que tenho para te dar não é das mais agradáveis. Acabei de receber um telefonema de França e o Sr. Uderzo não pode vir a Portugal fazer o lançamento do álbum. Adiou a viagem".
Estava no sexto mês de uma gravidez de risco e tinha passado os últimos três meses em noitadas de trabalho e em stress contínuo. Olhei para a Natália e disse-lhe: "Telefona por favor ao meu marido, estou a sentir-me mal e tenho de ir ao hospital".
Fui para a maternidade e "ganhei" direito a ficar em repouso absoluto até a criança estar em condições de nascer, o que aconteceu no final de Novembro. E lembro-me de estar em casa a ouvir, na rádio (em Dezembro?) a notícia da presença entre nós do Sr. Uderzo, com quem não pude estar nessa altura.
E assim, o trabalho na minha primeira "novidade mundial" Astérix estará, para sempre, associado ao nascimento de um filho”.
A propósito dos 50 anos de Astérix em Portugal leia também:
- Astérix, 50 anos em Portugal (I)
- Tónius, o Astérix português
“Tenho muitas histórias "curiosas" em relação ao Astérix, mas a edição de que guardo maior memória, é a do título “A Rosa e o Gládio”.
Era a primeira novidade que Portugal lançava em simultâneo com todos os outros países da Europa, incluindo a França, e era um privilégio poder trabalhar nela a partir da tradução. Estávamos no Verão de 1991 e tanto eu como a Paula Caetano - há vários anos que traduzimos juntas os livros do Astérix -, estávamos grávidas.
O nervosismo era grande: tínhamos muito pouco tempo para fazer a tradução - o livro tinha lançamento mundial em Outubro - e estávamos no final de Julho quando trabalhámos os textos. Faltava cerca de um mês para ter o livro pronto para ir para a gráfica (e ainda faltava aprovar a tradução e passar o texto ao legendador, para que o legendasse manualmente).
Hoje, quando olho para nós em retrospectiva, vejo-nos amarelas, olheirentas, enjoadas, com as cabeças a tentarem sobressair no meio de imensas nuvens de fumo. Trabalhávamos a três num gabinete, e a nossa colega de espaço acendia o cigarro no cigarro que ia apagar. Circundavam-nos imensos dicionários e livros para consulta.
Enviado o livro para a gráfica, começámos, na editora, a preparar a campanha de comunicação e os contactos com os jornalistas pois tínhamos acordado com a editora francesa que o Sr. Uderzo faria o lançamento da obra em Portugal, um dia ou dois depois do lançamento em França.
Sei que preparámos tudo e que, a poucas horas de sair do escritório para o aeroporto, a minha chefe da altura, a Natália Severino, me chama e me diz: "Senta-te. A notícia que tenho para te dar não é das mais agradáveis. Acabei de receber um telefonema de França e o Sr. Uderzo não pode vir a Portugal fazer o lançamento do álbum. Adiou a viagem".
Estava no sexto mês de uma gravidez de risco e tinha passado os últimos três meses em noitadas de trabalho e em stress contínuo. Olhei para a Natália e disse-lhe: "Telefona por favor ao meu marido, estou a sentir-me mal e tenho de ir ao hospital".
Fui para a maternidade e "ganhei" direito a ficar em repouso absoluto até a criança estar em condições de nascer, o que aconteceu no final de Novembro. E lembro-me de estar em casa a ouvir, na rádio (em Dezembro?) a notícia da presença entre nós do Sr. Uderzo, com quem não pude estar nessa altura.
E assim, o trabalho na minha primeira "novidade mundial" Astérix estará, para sempre, associado ao nascimento de um filho”.
A propósito dos 50 anos de Astérix em Portugal leia também:
- Astérix, 50 anos em Portugal (I)
- Tónius, o Astérix português
Leituras relacionadas
Astérix,
Efeméride,
Maria José Pereira
Astérix, 50 anos em Portugal (II)
Tónius, o Astérix português
Quando em Abril de 1979 a 2ª série da revista “Spirou” chegou às bancas, apresentava na capa um novo herói português. Ou melhor, lusitano, de nome Tónius. Emulação de Astérix, apesar de distinto do pequeno guerreiro gaulês – na construção dos argumentos, no ritmo, na utilização graficamente interessante de balões e legendas, no aproveitamento da sonoridade das palavras e de alguns anacronismos como fonte de humor… - partilhava com ele alguns pontos de contacto: vivia numa aldeia - o castro de Pedróbriga - que resistia aos invasores… mouros, a quem distribuía castanhadas sempre que a ocasião surgia; era inteligente, audaz e hábil… no manejo da funda; o seu principal amigo era Chicolindus, forte, encorpado e apreciador de… trutas; o seu chefe, Herminius, mandava pouco… mesmo em casa.
Os seus autores eram o argumentista Fernando Tito e o desenhador José André que, depois desta aventura inicial, publicada semanalmente até ao número 22 da revista, fariam Tónius regressar em “Uma aventura nas Astúrias” (Editorial Publica), lançada directamente em álbum no nosso país, em 1981, após ter sido editada na Bélgica, Holanda e Finlândia.
Nestes países foi ainda publicada uma terceira BD, “A invasão dos Alfas”, até hoje inédita em Portugal. As duas primeiras histórias foram reeditadas no “Jornal da BD” (1984/1985), tendo os autores deixado incompletos dois outros projectos, “A Pedra do Norte” (argumento completo, parcialmente desenhado) e “Tónius e as Sete Maravilhas” (apenas com a ideia base esboçada).
Tónius, apesar da carreira breve (ou talvez nem tanto…) com amigos e adversários ainda protagonizou um loto cuja base eram caricas de Sumol!
A propósito dos 50 anos de Astérix em Portugal leia também:
- Astérix, 50 anos em Portugal (I)
- Maria José Pereira: “Astérix está associado ao nascimento do meu filho”
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Maio de 2011)
Quando em Abril de 1979 a 2ª série da revista “Spirou” chegou às bancas, apresentava na capa um novo herói português. Ou melhor, lusitano, de nome Tónius. Emulação de Astérix, apesar de distinto do pequeno guerreiro gaulês – na construção dos argumentos, no ritmo, na utilização graficamente interessante de balões e legendas, no aproveitamento da sonoridade das palavras e de alguns anacronismos como fonte de humor… - partilhava com ele alguns pontos de contacto: vivia numa aldeia - o castro de Pedróbriga - que resistia aos invasores… mouros, a quem distribuía castanhadas sempre que a ocasião surgia; era inteligente, audaz e hábil… no manejo da funda; o seu principal amigo era Chicolindus, forte, encorpado e apreciador de… trutas; o seu chefe, Herminius, mandava pouco… mesmo em casa.
Os seus autores eram o argumentista Fernando Tito e o desenhador José André que, depois desta aventura inicial, publicada semanalmente até ao número 22 da revista, fariam Tónius regressar em “Uma aventura nas Astúrias” (Editorial Publica), lançada directamente em álbum no nosso país, em 1981, após ter sido editada na Bélgica, Holanda e Finlândia.
Nestes países foi ainda publicada uma terceira BD, “A invasão dos Alfas”, até hoje inédita em Portugal. As duas primeiras histórias foram reeditadas no “Jornal da BD” (1984/1985), tendo os autores deixado incompletos dois outros projectos, “A Pedra do Norte” (argumento completo, parcialmente desenhado) e “Tónius e as Sete Maravilhas” (apenas com a ideia base esboçada).
Tónius, apesar da carreira breve (ou talvez nem tanto…) com amigos e adversários ainda protagonizou um loto cuja base eram caricas de Sumol!
A propósito dos 50 anos de Astérix em Portugal leia também:
- Astérix, 50 anos em Portugal (I)
- Maria José Pereira: “Astérix está associado ao nascimento do meu filho”
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Maio de 2011)
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