Yann (argumento)
Schwartz (desenho)
Dupuis (Bélgica, sem
data anunciada)
48 p., cor, cartonado
Resumo
Em 1948,
Jijé, com a mulher e quatro filhos que tinham entre 1 e 10 anos de idade,
partiu para os Estados Unidos, igualmente na companhia de Franquin e Morris. Jijé
partia temendo uma próxima guerra nuclear em solo europeu e os três pretendiam
arranjar emprego nos Estúdios Disney.
Essa viagem,
agora evocada na forma de banda desenhada, transformou-se num autêntica
odisseia, que acabou por durar 5 anos. Nela, cruzaram os EUA e o México a bordo
de um único automóvel, dormiram ao ar livre ou em tendas e sobreviveram graças
ao dinheiro que iam recebendo, referente às pranchas que iam desenhando e
enviando para a Dupuis.
Durante a
sua estadia nos EUA, Jijé, Franquin e Morris, viriam a conhecer Harvey Kurtzman
e os outros fundadores da revista MAD, bem como René Goscinny, o que contribuiu
para terem um papel decisivo na modernização da BD belga aquando do seu retorno
ao país natal.
Este
primeiro volume, que se inicia com a partida da Bélgica, conclui-se com os
autores a viverem no México e Franquin a receber a notícia de que deveria
substituir Jijé à frente de Spirou.
Desenvolvimento
Este é um
projecto que Yann acalentava há muitos anos. Nasceu das conversas informais que
teve com Franquin (a quem chegou a propor desenhá-lo) e com Morris, quando
trabalhou com ambos, e foi crescendo nas suas gavetas ao longo dos anos, ao
ouvir aqui e ali anedotas sobre essa mítica viagem. Chaland, que chegou a
traçar-lhe uma curta biografia em BD: “La vie exemplaire de Jijé”
- foi outro dos nomes apontados para o desenhar, mas como a visão de um e outro
era díspar, também aí o projecto não avançou.
Finalmente,
depois de trabalhar com Schwartz em “Spirou – Le groom vert-de-gris”, Yann
propôs-lhe o argumento de “Gringos Locos”, que foi aceite de imediato.
Só para se
ter uma ideia da importância deste livro, note-se que foi pré-publicado – em
simultâneo, apesar das diferentes periodicidades – no jornal Le Soir e nas
revistas Spirou e L’Immanquable.
O álbum é
francamente divertido. Por um lado, porque Yann escreve muito bem, combinando a
actualidade no México e Estados Unidos com alguns flashbacks ou cenas sonhadas
ou imaginadas (nos quadradinhos) pelos autores. Por outro, porque nele são
transcritos uma série de gags que parecem apenas possíveis nos quadradinhos,
mas que na verdade existiram. É o caso da batalha de água – que incluiu
despejar uma banheira cheia pelas escadas abaixo – que teve lugar na véspera da
partida, quando as malas já estavam feitas, o que obrigou os 3 autores a
partirem vestidos com pijamas (!) emprestados (!!), o facto de terem passado a
noite toda a desenhar rachadelas e falhas de pintura na casa, como vingança
contra a senhoria, o desenharem as suas bandas desenhadas em frente e verso
para pouparem nos portes ou perseguição à família Gillain após terem tentado,
inadvertidamente, entrar numa igreja só para negros!
Para além
disso Yann recheou o seu argumento com alusões a séries dos autores ou a cenas
bem conhecidas dos quadradinhos, o que, sem prejuízo dos outros, possibilita um
outro nível de leitura ao leitor mais conhecedor.
Graficamente,
Schwartz mais uma vez, revela-se um contador nato aos quadradinhos, com uma
linha clara de cores fortes e vivas, muito dinâmica e expressiva, que cativa
facilmente o leitor e com a qual acentua os (muitos) momentos cómicos do
relato.
Fica, para
o fim, o retrato traçado por Yann e Schwartz daqueles três nomes fundamentais
da banda desenhada franco-belga e mundial: Franquin, assume a personalidade
depressiva e pouco confiante que lhe era (re)conhecida, em absoluto contraste
com o humor que expressava nas suas criações; Morris, por seu lado, surge como
um brincalhão e um conquistador incorrigível (bem diferente do circunspecto senhor
de alguma idade que conheci há anos no Porto);Jijé é apresentado quase com uma
personalidade bipolar, capaz dos maiores arrojos mas também das maiores hesitações.
A polémica
E é neste
ponto, que assenta a polémica que envolve esta obra.
Recapitulemos:
“Gringos Locos” deveria ter sido lançado no passado dia 12 de Janeiro. No entanto,
a editora Dupuis, mesmo tendo 35 mil exemplares já impressos, suspendeu-o. Actualmente, a única referência ao álbum no site da editora, é a notícia da anulação de um concurso com ele relacionado.
A razão, veio rapidamente à luz do dia: os filhos de Jijé e a filha de Franquin, conforme divulgado através de diversos órgãos de comunicação social francófonos, não concordavam com o retrato feito dos seus pais no álbum e manifestaram o seu desagrado à editora.
A razão, veio rapidamente à luz do dia: os filhos de Jijé e a filha de Franquin, conforme divulgado através de diversos órgãos de comunicação social francófonos, não concordavam com o retrato feito dos seus pais no álbum e manifestaram o seu desagrado à editora.
Se algumas
fontes chegam ao ponto de afirmar que houve ameaças de retirar do fundo de
catálogo da Dupuis as obras de Jijé e Franquin (e até de Morris), Romain Gillain
Muñoz, neto de Jijé, há anos radicado em Portugal, negou-o peremptoriamente a
As Leituras do Pedro.
Segundo
ele, “não há guerra nenhuma com a Dupuis”, nem “foram feitas quaisquer
ameaças”. A boa relação entre estas duas partes “já vem desde os anos 1940”,
estando apenas a decorrer “conversações para tentarem chegar a um acordo”. A
interdição de publicação deste álbum – e do segundo tomo que lhe deverá
suceder, sobre a estadia do trio em Nova Iorque – nunca foi equacionada.
Ainda segundo
Romain, a família de Jijé, pede apenas a hipótese de beneficiar “de um direito
de resposta”, que poderá ser na forma de um encarte a incluir nos álbuns, em
que seja afirmado que se trata apenas de “uma obra livremente ficcionada,
apesar de conter alguns elementos verdadeiros, e não de uma biografia factual
autorizada”, e no qual possam “transmitir uma imagem mais exacta de quem foi o
seu pai e avô”.
A principal
questão que aponta à obra de Yann e Schwartz é a imagem “demasiado beata e
católica do avô, que não corresponde de forma alguma à sua forma de estar, ele
que a certa altura deixou mesmo de frequentar a missa”, reforçada “pelo facto
de surgir sempre de sandálias – que raramente calçou - como era uso dos
missionários católicos” e de ele estar constantemente “a proferir palavrões,
que ele nunca utilizava, para mais no dialecto de Bruxelas, que não dominava”.
A isto
acrescenta algumas outras questões, como a forma “deselegante e incómoda como é
abordada a relação de Jijé com a II Guerra Mundial”, ele que chegou a ser
acusado de colaboracionismo, “o que sempre o incomodou, apesar de ser sabido
que recebeu durante a guerra vários resistentes em sua casa e que nunca se gabou disso”. E que foi algo de
todo inesperado porque Yann e Schwartz, em “Le Groom vert-de-gris”, “tinham
dado o rosto de Jijé ao líder da resistência belga, Jean Doisy, um comunista
bem conhecido que foi seu amigo”.
Igualmente a
questão monetária apresentada – no álbum Annie, esposa de Jijé, pede a Morris e
Franquin que paguem o alojamento e as refeições – revolta os familiares do
criador de Jerry Spring, pois “é sabido que o meu avo, na Bélgica, alojou
muitos autores em sua casa, entre eles também Will, Jean Giraud e Mezières, alguns por
períodos bem prolongados, sem nunca lhes ter pedido nada em troca”.
Curiosamente,
Romain diz que “ignorava a maior parte dos pormenores desta odisseia”, tendo
tido que pedir ao seu pai “esclarecimentos quando as primeiras notícias sobre o
projecto começaram a circular na net”, embora conhecesse “fotos da época” (que
cedeu para aqui serem reproduzidas) bem como “um velho chapéu mexicano, oferecido por Franquin” que o
pai ainda guarda.
Sabe que
Yann falou “com o seu pai e um tio muito antes de concretizar o projecto”, mas,
depois disso “não houve mais nenhum contacto”, pelo que à sua família não foi
dado qualquer conhecimento do início ou do avanço da obra.
Apesar
desta oposição só ter sido tornada pública quando a Dupuis cancelou o
lançamento do álbum, o neto de Jijé revela que a sua família “contactou a
editora logo que a pré-publicação se iniciou” e que desde então “tem havido
diversos contactos no sentido da resolver da melhor forma para todas as
partes”.
A terminar,
Romain, a título pessoal, considera, apesar de tudo, “que esta é uma história
que deve ser contada”, não só pela popularidade de que ainda gozam os três
criadores, mas também pela sua importância na história da banda desenhada
franco-belga.
Se será
concluída ou não, ainda não se sabe. Para já, na sua última página, pode
apor-se, com uma significativa alteração um termo bem conhecido dos leitores de
BD: (continua?)
Uma notícia oportuníssima. De resto esta polémica irá tornar a tiragem que a DUPUIS já fez do primeiro álbum e que está em suspenso, insuficiente para fazer face à procura do público quando tudo se desbloquear. Que melhor publicidade se podia conseguir do que esta?
ResponderEliminarA obra parece-me interessantíssima, quanto a mim, e torço para que vá para a frente.
Parabéns, Cleto, pela divulgação.
Abraço
José Ruy
Caro José Ruy,
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Gostei bastante da banda desenhada, embora perceba perfeitamente a posição dos familiares de Jijé e Franquin.
Se o livro vier a ser editado, esta será sem dúvida a melhor publicidade que poderia ter; caso contrário, acredito que em breve começarão a circular alguns exemplares desta edição que serão vendidos a preço de ouro!
Boas leituras!
Viva,
ResponderEliminarEm português então seria ouro sobre azul.
Sou grande admirador dos autores focados
na hostória particularmente do Senhor Franquín :)
Boas leituras e obrigado pela divulgação.
Paulo Buchinho
Caro Paulo Buchinho,
EliminarClaro que uma obra destas em português seria óptimo, mas parece-me pouco provável, dada a sua temática.
Também gosto muito de Franquin - e de Jijé - e reconheço que o Morris é também um marco da BD francófona.
Boas leituras!