06/02/2019

Boneco Rebelde

O bom (rebelde) clássico

Se o Boneco Rebelde é um caso raro na BD portuguesa, enquanto personagem regular, e mesmo único na forma como privou, nas suas pranchas, com Tintin (esse mesmo), há outras razões para ter considerado esta (bela) reedição das suas aventuras uma das edições de autores portugueses de 2018 cuja leitura aconselho vivamente, como explico já a seguir.
Comecemos por um pouco de história. Corria o ano de 1939 e os leitores de O Papagaio, a 27 de Julho, descobriam aquele que viria a tornar-se um herói bem popular da revista. Intitulava-se Boneco Rebelde e o seu autor era um jovem português, Sérgio Luiz, de apenas 17 anos.
Aquando da sua reedição, há já 20 anos, pela Bedeteca de Lisboa, então cheia de pujança (editorial e não só), escrevi sobre esta obra no Jornal de Notícias de 21 de Setembro:
"Se na banda desenhada imagem e texto são indissociáveis (mesmo quando este último não existe enquanto tal, por paradoxal que esta afirmação possa parecer) reconheço com facilidade que é o aspecto gráfico desta arte que produz o primeiro impacto no potencial leitor, atraindo-o ou afastando-o.
Esta última situação poderá acontecer - injustamente, escreva-se desde já - com o Boneco Rebelde, pois assenta num desenho algo ingénuo e incipiente [características mais evidentes nesta edição actual, destituída da cor com que foi publicada originalmente], pese embora a inegável capacidade narrativa e de composição das pranchas, que uma análise um pouco mais atenta facilmente revela.
E, no caso presente, aqueles que forem afastados pelo desenho, perdem a oportunidade de serem agradavelmente surpreendidos pela frescura, inventiva e mesmo actualidade (veja-se o recurso à clonagem em mais do que uma situação...) do relato que, num tom desconcertante que se mantém ao longo das quatro histórias que compõem o álbum (e constituem a totalidade desta série) [e que agora foram desdobradas por quatro álbuns independentes] vai subvertendo as regras gráficas e narrativas da banda desenhada, aproveitando também para - na segunda história - desconstruir de forma mordaz os clichés habituais dos contos de fadas, numa demonstração de sentido de humor e de invulgar capacidade crítica.
Outra agradável surpresa é o encontro do Boneco com Tintin - a quem, sem dúvida, o autor foi buscar alguma inspiração - discutindo com ele a importância de ter ou não... desenhador!"

Se quem conhece esta obra, questiona onde poderia ter chegado o seu autor, que também fez cinema de animação, se não tivesse falecido vítima de tuberculose quatro anos depois, ainda antes da conclusão da publicação das aventuras do Boneco Rebelde, ela está agora de novo disponível, numa bela edição do Município de Leiria. Justificada pelo facto de Sérgio Luiz e o seu irmão e, nalguns casos, parceiro, Guy Manuel, terem nascido lá, tendo por isso sido homenageados no ano passado com uma exposição que cruzou a cidade.
As quatro aventuras originais foram separadas em quatro álbuns diferentes e limpas da cor que lhe tinha sido aposta pelos tipógrafos de O Papagaio. Algumas pranchas foram retocadas e expurgadas dos subtítulos ou dos textos recordativos que faziam sentido na publicação semanal em revista mas quebram a leitura quando feita de uma só vez em álbum, e outras, originalmente páginas duplas, foram remontadas em páginas singulares. Se alguns contestarão estas acções, que em parte já tinham sido levadas a cabo também na edição referida da Bedeteca de Lisboa, elas contribuem sem dúvida para uma leitura mais fluente.
Cada álbum vem acompanhado de pequenos textos que situam o Boneco Rebelde no seu contexto original e explicam as alterações introduzidas.
Finalmente, foi editado um quinto álbum, que funciona como uma espécie de catálogo da exposição referida.
O conjunto dos cinco livros é vendido numa caixa de cartão, 'fechada' com um lápis do Boneco Rebelde, e o conjunto apresenta um preço bem simpático, que poderá fazer desaparecer com alguma brevidade a curta - de 350 exemplares - edição.

Boneco Rebelde
#1 Aventuras do Boneco Rebelde

#2 O livro mágico

#3 O Boneco torna a sair do frasco
#4 A ilha misteriosa
#5 Rebeldes
Sérgio Luiz e Guy Manuel
Município de Leiria
Portugal, Novembro de 2018
210 x 297 mm, 36+36+20+36+64 p., pb+cor
Capa mole com badanas e capa arquivadora em cartão+lápis
20,00 €

(capas disponibilizadas pelo Município de Leirira; a prancha colorida, tal como foi publicada em O Papagaio, foi obtida no blog Tintinófilo; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão; versão revista e actualizada de um texto publicado no Jornal de Notícias de 21 de Setembro de 1999)

1 comentário:

  1. Sérgio Luiz nasceu na Praia da Granja, Espinho. https://digitarq.adlra.arquivos.pt/DetailsForm.aspx?id=1070935

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