Se o Boneco Rebelde é um caso raro na BD portuguesa, enquanto
personagem regular, e mesmo único na forma como privou, nas suas
pranchas, com Tintin (esse mesmo), há outras razões para ter
considerado esta (bela) reedição das suas aventuras uma
das edições
de autores portugueses de 2018 cuja leitura aconselho vivamente,
como explico já a seguir.
Comecemos por um pouco de história. Corria o ano de 1939 e os
leitores de O Papagaio, a 27 de Julho, descobriam
aquele que viria a tornar-se um herói bem popular da revista.
Intitulava-se Boneco Rebelde e o seu autor era um jovem português,
Sérgio Luiz, de apenas 17 anos.
Aquando da sua reedição, há já
20 anos, pela Bedeteca de Lisboa, então cheia de pujança
(editorial e não só),
escrevi sobre esta obra no Jornal de Notícias de 21 de Setembro:
"Se na banda desenhada imagem e texto são indissociáveis
(mesmo quando este último não existe enquanto tal, por paradoxal
que esta afirmação possa parecer) reconheço com facilidade que é
o aspecto gráfico desta arte que produz o primeiro impacto no
potencial leitor, atraindo-o ou afastando-o.
Esta última situação poderá
acontecer - injustamente, escreva-se
desde já - com o Boneco Rebelde,
pois assenta num desenho algo ingénuo e incipiente [características
mais evidentes nesta edição actual, destituída da cor com que foi
publicada originalmente], pese
embora a inegável capacidade narrativa e de composição das
pranchas, que uma análise um pouco
mais atenta facilmente revela.
E, no caso presente, aqueles que
forem afastados pelo desenho, perdem a oportunidade de serem
agradavelmente surpreendidos pela frescura, inventiva e mesmo
actualidade (veja-se o recurso à clonagem em mais do que uma
situação...) do relato que, num tom desconcertante que se mantém
ao longo das quatro histórias que compõem o álbum (e constituem a
totalidade desta série) [e que agora foram desdobradas por
quatro álbuns independentes]
vai subvertendo as regras gráficas e narrativas da banda desenhada,
aproveitando também para - na segunda história - desconstruir de
forma mordaz os clichés habituais dos contos de fadas, numa
demonstração de sentido de humor e de invulgar capacidade crítica.
Outra agradável surpresa é o
encontro do Boneco com Tintin - a quem, sem dúvida, o autor foi
buscar alguma inspiração - discutindo com ele a importância de ter
ou não... desenhador!"
Se quem conhece esta obra, questiona onde poderia ter chegado o seu
autor, que também fez cinema de animação, se não tivesse falecido
vítima de tuberculose quatro anos depois, ainda antes da conclusão
da publicação das aventuras do Boneco Rebelde, ela está agora de
novo disponível, numa bela edição do Município de Leiria.
Justificada pelo facto de Sérgio Luiz e o seu irmão e, nalguns
casos, parceiro, Guy Manuel, terem nascido lá, tendo por isso sido
homenageados no ano passado com uma exposição que cruzou a cidade.
As quatro aventuras originais foram separadas em quatro álbuns
diferentes e limpas da cor que lhe tinha sido aposta pelos tipógrafos
de O Papagaio. Algumas pranchas foram retocadas e
expurgadas dos subtítulos ou dos textos recordativos que faziam
sentido na publicação semanal em revista mas quebram a leitura
quando feita de uma só vez em álbum, e outras, originalmente
páginas duplas, foram remontadas em páginas singulares. Se alguns
contestarão estas acções, que em parte já tinham sido levadas a
cabo também na edição referida da Bedeteca de Lisboa, elas
contribuem sem dúvida para uma leitura mais fluente.
Cada álbum vem acompanhado de pequenos textos que situam o Boneco
Rebelde no seu contexto original e explicam as alterações
introduzidas.
Finalmente, foi editado um quinto álbum, que funciona como uma
espécie de catálogo da exposição referida.
O conjunto dos cinco livros é vendido numa caixa de cartão,
'fechada' com um lápis do Boneco Rebelde, e o conjunto apresenta um
preço bem simpático, que poderá fazer desaparecer com alguma
brevidade a curta - de 350 exemplares - edição.
Boneco Rebelde
#1 Aventuras do Boneco Rebelde
#2 O livro mágico
#3 O Boneco torna a sair do frasco
#4 A ilha misteriosa
#5 Rebeldes
Sérgio Luiz e Guy Manuel
Município de Leiria
Portugal, Novembro de 2018
210 x 297 mm, 36+36+20+36+64 p., pb+cor
Capa mole com badanas e capa arquivadora em cartão+lápis
20,00 €
(capas disponibilizadas pelo Município de Leirira; a prancha colorida, tal como foi publicada em O Papagaio, foi obtida no blog Tintinófilo; clicar
nas
imagens para
as aproveitar em toda a sua extensão; versão revista e actualizada
de um texto publicado no Jornal de Notícias de 21 de Setembro de
1999)
Sérgio Luiz nasceu na Praia da Granja, Espinho. https://digitarq.adlra.arquivos.pt/DetailsForm.aspx?id=1070935
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