Não tenho qualquer dúvida que
Étienne Davodeau é um dos autores incontornáveis das últimas duas décadas.
Não só por ser um narrador de
excelência, mais do que isso pela actualidade e pertinência das suas histórias
face à sociedade em que vivemos, acima de tudo pela compreensão que tem do meio
narrativo que utiliza e pela capacidade de o reinventar constantemente ao
serviço daquilo que partilha com os/expõe aos leitores.
Com o tom a variar entre a
reportagem assumida, o registo de (algum) humor (triste), a ironia
desencantada, a transposição da realidade, retratos autobiográficos (mas sempre
numa óptica de maior escala) ou a investigação, Davodeau serve-nos uma série de
pequenos mas substanciais contos muito bem escrito/desenhados. A preto e
branco, quase sempre, com variações de cinzentos ou mesmo a cores, mudos ou com
'excesso' de texto, publicados em jornais, álbuns colectivos, revistas (da
especialidade ou não).
Tematicamente vão desde a
crítica social (como a BD de abertura, incluída no celebrado Comix 2000,
de L'Association, um suculento 'tijolo' de 2000 páginas de autores de todo o
mundo, para assinalar o ano com a mesma numeração), passando pelos problemas do
trânsito, a guerra da Argélia, uma reunião do ecológico G8, um encontro com um
mangaka no Japão, a homenagem a Franquin, a transposição de um acidente no
Quebeque, uma divagação infantil ou...
Narrativas que, no seu
conjunto - surgidas no intervalo ou interpondo-se com os muitos 'grandes'
livros que assinou e conhecemos - revelam um autor plenamente conhecedor dos
instrumentos que utiliza, inventivo e criativo na sua utilização e desafiador,
estimulante e provocador para quem o lê, no sentido de obrigar - no mínimo - a
uma reflexão consciente e incómoda sobre temáticas raramente inócuas ou
ligeiras. E sobre a forma como nos são transmitidas.
L’Avancée
des travaux
Étienne
Davodeau
Futuropolis
França,
Novembro de 2018
210 x
290 mm, 118 p., pb/cor, capa dura
18,00
€
(imagens disponibilizadas pela
editora; clicar nelas para as aproveitar e toda a sua extensão)
Nisto, estamos de acordo, Pedro, é um dos meus autores favoritos das duas últimas décadas e um dos mais importantes autores francófonos da atualidade. Para mim, será sempre um potencial GP de Angoulême. E lembro-me ainda que não só traduzimos (tu traduziste, eu revi, pro bono, para a Mundo Fantasma, do nosso amigo José Rui Fernandes) o seu livro "Alguns dias com um mentiroso", há precisamente 20 anos, como nos conhecemos nesse mesmo ano no saudoso SIBDP, onde ele mo autografou :-)
ResponderEliminarE foi em Angoulême que o conheci, numa sessão de autógrafos sem ninguém, salvo erro depois de ter sido nomeado para um dos Alph'Art...
EliminarReencontrei-o em Portugal, onde costumava passar férias e, depois, claro nesse Salão do Porto, onde me ofereceu um dos seus originais...
Boas leituras!