Opções narrativas
Sinto que poderei estar a nadar contra corrente (que se irá formar) mas este Santa Família, dividido entre o realismo absoluto e a alegoria fantástica, acaba por não ser nem um, nem outra e, por isso, deixou-me um sabor, se não amargo, no mínimo, a pouco.
Vamos situar-nos: primeira obra resultante da (nova) parceria entre A Seita e a editora espanhola Grafito, Santa Família centra-se no agregado constituído por Sorkunde, dietética e catequista, Teodoro, electricista e aspirante a engenheiro, e por Nora, a filha adolescente de ambos.
Apresentados - os pais - com humor e um olhar crítico, a primeira parte do álbum versa sobre modas e maniqueísmos da nossa sociedade, de forma bem disposta e em linha com o traço caricatural hiper-expressivo utilizado por Julen Ribas - com um belíssimo trabalho gráfico ao longo de todo o álbum. As dietas, a idade e a imagem (enquanto elementos complementares do viver em função do parecer mais do que do ser), a religião, as ambições desmedidas, as desigualdades entre o primeiro mundo e os outros, as mudanças que a chegada dos filhos introduzem são as questões abordadas pela jornalista Eider Rodriguez nesta sua primeira incursão na BD, cuja linguagem mostra dominar.
[Possivelmente
a partir daqui vou revelar um pouco a mais sobre o enredo
do que deveria, mas não encontrei outra forma de o fazer. O ideal
será lerem o livro - o que escrevi acima não deve afastar-vos dele
- e depois voltarem a este texto.]
É
evidente que compreendi a intenção dos autores, que esse trecho
espelha o choque geracional, mais do
que isso, as diferenças muito
profundas que actualmente -
como sempre? - separam
gerações - mais a mais quando os pais seguem um modelo tradicional
e a filha vive de forma muito aberta - mas, reitero o que escrevi, a
mudança de tom - de registo, mesmo - não me convenceu e julgo-a
desnecessária. Acredito até que a intenção dos autores - na minha
interpretação... - seria melhor concretizada se o registo realista
se mantivesse ao longo de todo o álbum, até porque ele acaba por
ser retomado e a história (inicial...) seguir o seu caminho.
Inclusive porque, dessa forma, um dos aspectos que falta na narrativa
- uma
reacção mais
sólida e completa de Sorkunde
e Teodoro às opções de Nora e uma confrontação mais clara entre
os três - poderia ter sido melhor trabalhada.
Assim, esta história sobre relacionamento familiar e passagem do tempo, sobre opções de vida e o que elas introduzem ou retiram a cada um, (para as expectativas que me criou) fica aquém do que poderia ter atingido.
Santa
família
Eider
Rodriguez (argumento)
Julen
Ribas (desenho)
A
Seita
Portugal,
Março de 2022
230
x 320 mm, 48 p., cor, capa dura
16,50
€
(imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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