25/10/2022

Corto Maltese: Mū

Acreditar nas fábulas

A mim também me apraz acreditar nas fábulas…”
Corto Maltesz in Mū


Por vezes, a importância de um livro tem menos a ver com a sua qualidade ou características intrínsecas do que com um motivo exterior à obra que o justifica. É o caso da chamada, hoje, deste Mū, a última história de Corto Maltese que Hugo Pratt nos legou, que surge aqui como forma de destacar o facto de, pela primeira vez, uma editora nacional ter editado na mesma colecção todos os álbuns do marinheiro maltês, alter-ego do autor veneziano.

Iniciada há cerca de cinco anos, esta colecção tem capa dura, papel de boa qualidade, introdução a cada volume e diversos extras coloridos e uma belíssima impressão a preto e branco, que destaca a forma sublime como Hugo Pratt desenhava e trabalhava tão bem os contrastes e os jogos de de luz e sombra.

Neste capítulo, se é imperioso reconhecer que Pratt nos oferece algumas páginas marcantes, noutras são evidentes as marcas da idade e até uma certa urgência de terminar a obra. Última aventura do marinheiro errante, Mū é de alguma forma uma evocação do seu percurso, pelo reencontro com diversas personagens marcantes: Rasputine, Boca Dourada, Soledad, professor Steiner, Tristan Bantam, que, na na sua maioria, têm uma passagem fugaz e pouco significativa pelas páginas do álbum.

Acima deles, fica a busca pela lendária cidade de Mū, vestígio ou representação de uma antiga civilização, numa narrativa em que, como habitualmente, Pratt cruza referências míticas e literárias, deixando muitas vezes na dúvida onde termina a realidade e começa a ficção. Da mesma forma que, no relato, temos dificuldade em compreender o que realmente tem lugar ou o que é fruto de devaneios provocados pelos alucinogénios de que o protagonista e alguns dos intervenientes usam e abusam generosamente, num percurso que por vezes se torna difícil de seguir para o leitor, dando razão à personagem que afirma: ‘O que é um labirinto senão um lugar feito para nos perdermos?

Felizmente, parafraseando Corto, ‘há sempre a possibilidade de despertar de um pesadelo para viver um belo sonho’, que pode ser uma (re)nova(da) leitura de A Balada do Mar Salgado, que a Arte de Autor acaba de reeditar, essa sim uma ode ao espírito de aventura, à amizade e ao companheirismo, com o mar por paisagem e as viagens como mote, em que conhecemos o tal marinheiro maltês, uma das mais marcantes e incontornáveis figuras da História da banda desenhada.


Corto Maltese - Mū
Hugo Pratt
Arte de Autor
Portugal, Outubro de 2022
225 x 297, 184 p., cor e pb, capa dura
29,50 €

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 15 de Outubro de 2022; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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