06/10/2022

Zorro + Zorro


Marcas

O Zorro - tal como Tarzan, o único exemplo equiparável que me ocorre agora - embora tenha nascido na literatura, graças à imaginação de Johnston McCulley, tornou-se parte integrante do imaginário popular ao longo de décadas, graças aos bons serviços prestados pelo cinema e pela banda desenhada, artes nas quais se sucederam as abordagens que contribuíram para o alcandorar - a ambos, aliás - ao estatuto de mito(s).
O acaso, deixem-me escrever assim, juntou (quase simultaneamente) nas minhas leituras, duas antologias da personagem que estavam na minha lista de desejos há algum tempo.

A primeira, é a Antologia Zorro, a ‘velhinha’ edição da Edinter que junta num único volume os três álbuns que a editora do Porto publicou no final dos anos 1980. De origem francófona - o que comprova (desnecessariamente) a globalização do herói - tem texto de Jean Marie Nadaud e o traço realista competente de Carlo Marcello, que aproveita bem uma planificação dinâmica, em que a acção, de forma regular, ultrapassa os limites naturais das vinhetas, e cores vivas e quentes para caracterizar o local da acção.

Evidentemente, nesta abordagem às aventuras do Zorro - como em (quase?) qualquer outra - ninguém espera encontrar conteúdos muito profundos nem nada que supere em muito as noções de aventura num western de características muito específicas, literal e com uma bela dose de ingenuidade, nem uma grande espessura das personagens. Por um lado, temos a dualidade Don Diego de la Vega/Zorro; a artimanha de um (aparente) incapaz na vida real que se transforma quase como por magia num justiceiro invencível quando veste o uniforme do Zorro; em sentido inverso, surge o capitão dos lanceiros que, mesmo variando a pessoa, é a encarnação pura do vilão de serviço, pouco interessado em aplicar a justiça e a lei, mas tentando aproveitar-se das situações para proveito próprio; entre os dois, perdido e volúvel, surge aquele que é, possivelmente a personagem mais interessante, porque mais humana, o sargento Garcia, com o dever de respeito e cumprimento de ordens para com o seu superior hierárquico, mas com um inegável fascínio pelo Zorro, aquele homem ou ser misterioso quase irreal que tanta canseira lhe dá para o tentar desmascarar, mas para quem, com certeza, até gostaria de trabalhar.


Leitor Disney (também) desde o tempo das minhas primeiras leituras, sempre gostei bastante quando essas revistas apresentavam uma aventura do Zorro - pelo seu traço e tom mais realista? - talvez numa primeira antecipação do que eu viria a ser como leitor ao longo das décadas seguintes. Surpreendentemente para mim, anos mais tarde, já com outra bagagem no que aos quadradinhos diz respeito, vim a descobrir que (algumas d)essas histórias realistas que surgiam pontualmente entre o traço humorista que caracterizava a banda desenhada Disney, tinham sido desenhadas por um dos grandes mestres do preto e branco, o norte-americano Alex Toth, que então já tinha aprendido a apreciar.

E foram (algumas d)essas histórias que eu (re)encontrei agora no segundo livro de hoje, El Zorro, de Alex Toth, uma antologia em versão espanhola da Moztros, compilada a partir da revista Four Color Comics (1957-1960). Por um lado, proporcionou-me a possibilidade de apreciar o seu traço, de qualidade inconfundível, rico, detalhado q.b. e muito dinâmico, aqui reproduzido de forma bem superior ao que eu li há décadas, muito mais atraente na reprodução e preto branco (e cinza) que reforça o natural tom sombrio do relato e do protagonista, no papel de gramagem generosa, tal como o formato desta edição. [De que dispensava bem, a ‘história extra’ assinada por Howard Chaykin e Eduardo Risso, criada de propósito para esta edição mas menos convinvente do que as originais, em especial pela verborreia do habitualmente surdo-mudo Bernardo...]

De formas díspares - e também porque li primeiro a versão de Nadaud e Marcello… - estas duas leituras multíplices - porque ambas reúnem umas quantas histórias curtas - deixaram um agradável sabor nostálgico e ao mesmo tempo permitiram recordar algumas das histórias lidas na minha infância e adolescência, que estavam (bem) arrumadas num qualquer recanto da minha memória.


Antologia Zorro
Jean Marie Nadaud (argumento)
Carlo Marcello (desenho)
Edinter
Portugal, Março de 1989
215 x 290 mm, 96 p., cor, capa dura


El Zorro, de Alex Toth
Alex Toth e Howard Chaykin (argumento)
Alex Toth e Eduardo Risso (desenho)
Moztros
Espanha, 2021
210 x 290 mm, 256 p., preto, branco e cinza, capa dura
19,90 €

(imagens disponibilizadas pela Moztros e recolhidas online; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Deviam editar isso cá. Creio que no Brasil também já o fizeram.

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