Vidas estilhaçadas
Giovanni e Fábio são irmãos. Não se vêem há uma década, desde
que o segundo partiu - fugiu? - de Itália, deixando para trás
família, namorada, amigos e problemas.
Quando
abrimos o livro, no início dos anos 1960, reencontram-se após um
combate de boxe de Fábio. Sem emoções visíveis, sem alegria nem
conforto; apenas dois homens - dois irmãos… - que guardam mágoas
e rancores que o tempo não apagou nem fez esquecer e que rapidamente
vêm ao de cima.
Mas
Giovanni foi a França - é lá que Fábio está agora - com uma
missão: conseguir a companhia do irmão para juntos levarem a
urnacom as cinzas do pai. Reticente primeiro, revoltado depois,
aparentemente intransigente, Fábio acaba por anuir e juntos embarcam
no minúsculo Fiat 500, velho e cansado, herdado do pai.
Para ambos, começa um percurso com centenas de quilómetros. Será cumprido, com silêncios arrastados e vibrantes discussões que acabam em vias de facto. Terá também momentos de afecto e compreensão, fugazes, quase envergonhados, rapidamente escondidos. Acima de tudo, será uma viagem iniciática, de recordação e (re)descoberta, de ajustes de contas e poucos esclarecimentos de mal-entendidos que farão juntos e cada um por si.
Uma viagem longa e tocante, através de planícies bucólicas, durante a qual o leitor vai conhecendo os dois irmãos - e descobrindo o seu passado, que aqui e ali interrompe a narrativa principal, em páginas de tons circunscritos e diferentes, quase sempre mudas e contemplativas, como lembranças que querem esquecer mas teimam em não os deixar.
Esta é uma história humana, de desencontros e desentendimentos, narrada com sensibilidade e enganadora leveza por Alfred, com um traço simples, fluído e enérgico, que nos conquista e leva com ele, compensando em legibilidade o que poderá não ter em termos estéticos clássicos. Veja-se, por exemplo, logo no início, como o reencontro de Giovanni e Fábio parece pontuado pelos esmurrar violento dos boxeurs, como se aquela conversa agreste fosse um prolongamento do confronto no ringue.Apesar disso, Como antes não tem acusações nem culpados, é apenas como que o espelho de uma relação com altos e baixos, aproximações e distanciamentos. Um espelho de uma relação estilhaçada cujos fragmentos é necessário recuperar e recompor para que - ilusoriamente? - tudo possa voltar a ser como antes.
Como
antes
Alfred
Devir
Portugal,
Outubro de 2022
170
x 240
mm, 224
p., cor, capa dura
24,99
€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Outubro de 2022; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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