08/11/2022

Como antes

Vidas estilhaçadas


Giovanni e Fábio são irmãos. Não se vêem há uma década, desde que o segundo partiu - fugiu? - de Itália, deixando para trás família, namorada, amigos e problemas.
Quando abrimos o livro, no início dos anos 1960, reencontram-se após um combate de boxe de Fábio. Sem emoções visíveis, sem alegria nem conforto; apenas dois homens - dois irmãos… - que guardam mágoas e rancores que o tempo não apagou nem fez esquecer e que rapidamente vêm ao de cima.

Mas Giovanni foi a França - é lá que Fábio está agora - com uma missão: conseguir a companhia do irmão para juntos levarem a urnacom as cinzas do pai. Reticente primeiro, revoltado depois, aparentemente intransigente, Fábio acaba por anuir e juntos embarcam no minúsculo Fiat 500, velho e cansado, herdado do pai.

Para ambos, começa um percurso com centenas de quilómetros. Será cumprido, com silêncios arrastados e vibrantes discussões que acabam em vias de facto. Terá também momentos de afecto e compreensão, fugazes, quase envergonhados, rapidamente escondidos. Acima de tudo, será uma viagem iniciática, de recordação e (re)descoberta, de ajustes de contas e poucos esclarecimentos de mal-entendidos que farão juntos e cada um por si.

Uma viagem longa e tocante, através de planícies bucólicas, durante a qual o leitor vai conhecendo os dois irmãos - e descobrindo o seu passado, que aqui e ali interrompe a narrativa principal, em páginas de tons circunscritos e diferentes, quase sempre mudas e contemplativas, como lembranças que querem esquecer mas teimam em não os deixar.

Esta é uma história humana, de desencontros e desentendimentos, narrada com sensibilidade e enganadora leveza por Alfred, com um traço simples, fluído e enérgico, que nos conquista e leva com ele, compensando em legibilidade o que poderá não ter em termos estéticos clássicos. Veja-se, por exemplo, logo no início, como o reencontro de Giovanni e Fábio parece pontuado pelos esmurrar violento dos boxeurs, como se aquela conversa agreste fosse um prolongamento do confronto no ringue.

Apesar disso, Como antes não tem acusações nem culpados, é apenas como que o espelho de uma relação com altos e baixos, aproximações e distanciamentos. Um espelho de uma relação estilhaçada cujos fragmentos é necessário recuperar e recompor para que - ilusoriamente? - tudo possa voltar a ser como antes.


Como antes
Alfred
Devir
Portugal, Outubro de 2022
170 x 240 mm, 224 p., cor, capa dura
24,99

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Outubro de 2022; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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