02/11/2022

Undertaker #3 e #4

O western está bem vivo e é um cangalheiro quem o prova

Jonas Crow é o melhor no seu ofício. É cangalheiro e o seu brio em tornar apresentável quem foi morto com uns quantos tiros, só tem comparação com a desrespeitosa falta de tacto com que trata quem lhe paga para isso.
Por isso, por ser um cangalheiro com um invulgar evangelho de criação pessoal e por ter um abutre como animal de estimação, é normal que “Undertaker”, o western que protagoniza, descaia recorrentemente para um humor negro que, em lugar de atenuar, reforça o seu lado violento e amoral.

No novo díptico, O monstro de Sutter Camp/A sombra de Hipócrates, que a Ala dos Livros [conforme pedido] completou este mês, Jonas tem a companhia da recatada preceptora inglesa Rose Prairie e da prática e venal chinesa Lin, como herança de um serviço funerário de um cadáver repleto de ouro, que não correu muito bem.

Agora, pressionado por elas, quando está habituado à solidão e a gerir tudo a seu bel-prazer, Jonas ignora que os seus problemas estão apenas a começar quando o passado vem ao seu encontro através de antigos companheiros de armas do exército durante a Guerra da Secessão, um deles Jeronimus Quint, um cirurgião brilhante que gostava de fazer experiências nos feridos que devia tratar. A procura do filho de um e o desejo de se vingar do outro, vão levar Jonas numa longa perseguição, em que ele e Rose terão de testar os próprios limites e questionar a sua relação.

Com um desenho grandioso, muito dinâmico, de um realismo extremo e uma planificação variada que sequencia, ritma e pontua a narrativa, “Undertaker” apresenta-se justamente como herdeiro dos grandes westerns dos quadradinhos e a sua leitura trará certamente à lembrança de muitos “Bluberry”, de Charlier e Giraud.

Mas, para lá do lado gráfico, esta obra brilha também pela escrita inteligente que a suporta, cínica, retorcida e maquiavélica até à exaustão, que permite a Xavier Dorison expor uma dupla camada de violência, aquela que surge à luz do dia ou no negrume da noite, nos tiroteios, nas experiências do cirurgião e nos confrontos físicos e verbais frequentes, e a outra, bem mais incómoda, que simplesmente sentimos sem ver, e que passa pela chantagem psicológica levada ao extremo em que Quint se revela magistral.


Undertaker #3: O Monstro de Sutter Camp
Undertaker #4: A sombra de Hipócrates
Xavier Dorison e Ralph Meyer (argumento)
Ralph Meyer (desenho)
Ralph Meyer e Caroline Delabie (cor)
Ala dos Livros
Portugal, Julho/Outubro de 2022
235 x 310 mm, 64/56 p., cor, capa dura
17,90 €

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online de 21 de Outubro de 2022 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação e também nesta para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Uma BD que nos empolga. A não perder numa livraria perto de si

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