28/10/2025

Astérix na Lusitânia

Um álbum entretido com alma lusitana








A aventura de Astérix que há muitos anos os portugueses aguardavam deixa sentimentos antagónicos, entre a forma e o espírito.

Depois da narrativa a dois tempos que foi O lírio branco, com o argumento a perder ritmo conforme ia avançando, agora Fabcaro propõe uma história mais equilibrada, mas também menos desafiante em termos de conteúdo.

Tudo começa quando Tristês, o escravo lusitano que vimos de passagem há mais de meio século em O Domínio dos Deuses, desembarca junto à aldeia gaulesa, trazido por um certo mercador fenício, Espigadote, que é um velho conhecido dos gauleses. Estes dois reencontros, vão provocar, de forma demasiado rápida e pouco estruturada, Astérix e Obélix até Olissipo (Lisboa), para libertarem um outro lusitano, injustamente preso sob a acusação de tentar assassinar Júlio César.

A esta trama de base que, com algumas variações, já encontramos, por exemplo, em "Astérix na Córsega", corresponde uma narrativa demasiado linear, sem grandes sobressaltos nem surpresas, ao longo das quais Fabcaro brilha pela forma como foi capaz de captar e transmitir aquilo que se pode definir como a 'alma lusitana', caracterizada por um espírito melancólico, trágico e saudosista, que se revela em quase todas as tiradas e pela imensa tristeza que transmitem aos que os ouvem. Sem deslumbrar nem deixar na memória momentos especialmente marcantes como acontece com algumas cenas de outras aventuras de Astérix, a verdade é que Astérix na Lusitânia apresenta bons trocadilhos, explora até ao limite a muleta do "ó pá" - e a sua utilização por Obélix no seu esforço para falar 'lusitano' , explora provérbios nacionais e permite o cruzamento, mais ou menos óbvio ou visível, dos gauleses com figuras reconhecíveis, elementos culturais ou que evocam a História portuguesa e permitem um outro tipo de leitura para os descobrir.

Com os lusitanos a distinguirem-se pela sua hospitalidade e constante disposição para ajudarem, o vilão de serviço, Sacanês, cuja terminação do nome é comum aos outros lusitanos, revela-se sem espessura, demasiado servil e secundário e fica longe de figuras de antologia como, por exemplo, o Tulius Venenus, de A Zaragata, ou o Charlatanix, de O Adivinho.

Positivo, nos pratos da balança, é a 'transformação' de Astérix e Obélix em 'lusitanos', francamente bem conseguida em termos gráficos e das necessidades do relato.

Graficamente, Didier Conrad, que terá em Astérix e o grifo como o seu expoente máximo na série, revela uma excessiva economia ao nível dos fundos das vinhetas, demasiadas vezes vazios ou quase, e com estranhas colorações da responsabilidade de Thierry Mébarki, embora mantenha o bom desempenho gráfico ao nível da planificação, da anatomia e do movimento das personagens, que assumiu há sete álbuns atrás e a que soube dar o seu toque pessoal.


Nota Final

Os reencontros com os piratas fazem parte da História gaulesa e das histórias dos gauleses, mas, em nome do (cada vez mais) doentio politicamente correcto (?), era mesmo necessário pôr Babá a pronunciar os 'erres' na perfeição? Mais valia não terem aparecido... Estamos sujeitos a que qualquer dia, os gauleses deixem de caçar javalis e de dar tabefes nos romanos...


Astérix na Lusitânia
Fabcaro (argumento)
Didier Conrad (desenho)
Thierry Mébarki (cor)
ASA
Portugal, 23 de Outubro de 2025
225 x 297 mm, 48 p., cor, capa dura
11,50 €

(versão muito expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 23 de Outubro; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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