Mostrar mensagens com a etiqueta Futuropolis. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Futuropolis. Mostrar todas as mensagens

10/06/2013

Douce France











Simon Rochepeau (texto)
Lionel Chouin (desenho)
Futuropolis
França, 7 de Maio de 2013
195 x 265 mm, 128 p., cor, cartonado
19,00 €


Resumo
70 anos após o final da II Guerra Mundial, a pequena comunidade de Saint-Yves decide homenagear a Resistência local através da construção de um memorial no local onde muitos dos seus membros pereceram. O rosto visível dessa homenagem será o seu antigo líder, Raymond Langlade, hoje com 92 anos.

A supervisionar as obras está o ambicioso , um natural da terra, que tentará fazer a ponte entre o grupo construtor que ganhou o concurso e a empresa local subcontratada para levar a cabo a construção.
Mas o que começa como uma homenagem, em breve ameaça transformar-se numa guerra surda e num ajuste de contas à distância, desenterrando segredos que alguns preferiam ocultar para sempre

Desenvolvimento
Este é um livro de várias leituras.
Desde logo, a evocação – em tom de homenagem - de uma época dura em que uma geração combateu – e morreu a fazê-lo – contra um invasor, uma ditadura, uma ideia desumana.
Depois, o contraste entre lutas. A de então, contra os nazis, a actual contra o desemprego, o esvaziamento dos ideais, o tratamento do ser humano apenas como números e nada mais.
E, sem comparar uma e outra, a forma como mostra como ambas afecta(ra)m, condiciona(ra)m e motiva(ra)m as reacções de quem as vive(u). E como ambas leva(ra)m alguns, em função das suas ambições, sonhos e valores – mesmo que distorcidos - a trair amigos, ideais e sonhos. Sem lições de moral ou julgamentos – esses ficam para cada leitor.
Como para cada um fica as considerações que possa tecer sobre o tempo que o ser humano consegue guardar dentro de si ódios, rancores e animosidades, à espera da primeira oportunidade – que pode demorar dias, anos ou décadas… - para se vingar, denunciar ou espezinhar o objecto desses ressentimentos.
Pena é, no entanto, que um ponto de partida prometedor e uma abordagem com muitas razões para ser estimulante, se perca um pouco em função do desenho de Lionel Chouin. Numa primeira fase interessante e até apelativo graficamente, com algumas soluções conseguidasem termos de grafismo e da cor aplicada - em tons de azul e laranja em função dos momentos descritos - à medida que se torna mais impressionista (e atraente?), perde em legibilidade, acabando por se tornar cansativo pela dificuldade que o leitor enfrenta ao longo das páginas em distinguir e identificar os diversos intervenientes.

Isso prejudica e retarda a leitura e torna-a penosa, a espaços, até porque o argumentista nem sempre escolheu as melhores vias narrativas.
Fica assim, de “Douce France”, uma promessa incumprida na sua plenitude, um retrato incómodo de uma certa França – que com alguns ajustes se poderá estender a outros países desta (cada vez) menos União Europeia - assente na revelação de como décadas depois os conflitos – de diversa ordem - continuam latentes e a provocar fracturas de difícil cura.

A reter
- Mais uma vez, a magnífica edição da Futuropolis.
- A ideia-base de que o relato parte.
- O retrato pouco abonatório (da maioria) dos seres humanos que “Douce France” traça.

Menos conseguido
- A dificuldade de distinção das personagens.

- Algumas indecisões narrativas.


22/05/2013

Toi au moins, tu est mort avant.










Myrto Reiss e Sylvain Ricard (argumento)
Daniel Casanave (desenho)
Futuropolis
França, Abril de 2013
195 x 265 mm, 192 p., bicromia, cartonado
24,00 €


Resumo
Esta é uma adaptação do romance homónimo autobiográfico de Chrònios Mìssios, comunista grego que, desde a adolescência, passou grande parte da sua vida na prisão.

Desenvolvimento
Se em tempos a banda desenhada procurou a adaptação de obras literárias  como forma de credibilização e para ganhar estatuto, hoje fá-lo – de novo – mas agora como afirmação dessa mesma credibilidade e desse estatuto entretanto conquistado.
Por isso, quando há 50, 60, 70 anos recorria especialmente aos romances de aventuras – nalguns casos com assinalável qualidade, como aconteceu entre nós com Fernando Bento, por exemplo – hoje permite-se uma selecção (muito) mais vasta e abrangente que, frequentemente, vai à procura – e também ao encontro… - de outros leitores que não as crianças/adolescentes que então tinha como público-alvo.
Por isso, mesmo que em muitos casos haja um “retorno às origens” - recriando aos quadradinhos Verne, Stevenson e outros romancistas juvenis – também recorre a adaptações policiais ("Le policier qui rit", ...), romances de sucesso ("Millenium", …) ou obras menos óbvias, autobiográficas e/ou política ou ideologicamente engajadas, como é o caso deste “Toi au moins, tu est mort avant.”

Nascido em 1930 e falecido em Novembro de 2012 - sem ter chegado a ver esta banda desenhada - Chrònios Mìssios foi apanhado pelo turbilhão que se instalou na Grécia após a Segunda Guerra Mundial e a arrastou para uma guerra civil, tendo-se tornado comunista e sofrido – na pele e não só – por essa decisão.
História de (uma) vida atribulada e sofrida pela decisão de, antes de tudo, se manter fiel ao ideal que abraçou, este romance desenhado é um retrato duro do dia-a-dia nas várias prisões por onde Mìssios foi passando ao longo de mais de duas décadas e onde sofreu tortura física e psicológica, isolamento e violência, falsas promessas e aliciamentos vários. E que o traço semi-caricatural utilizado para a traçar faz surgir aos olhos do leitor com redobrada força pelo contraste que provoca.
A solidariedade com os camaradas – nem sempre correspondida, por vezes traída – a perda da primeira mulher que amou, o afastamento da mãe - a única família que lhe sobrava – são outros momentos dolorosos que ajudam a compor o retrato de uma forma de vida, que hoje, a muitos, pode soar estranha, mas que nos deve fazer reflectir, pois esteve longe de ser caso único na Grécia, na Europa – Portugal incluído – há não tanto tempo assim.

A reter
- A capacidade que os autores tiveram de transpor para um registo diferente do original, todos os sentimentos e emoções inerentes a um relato deste tipo.
- A afirmação da banda desenhada – mais uma vez, não que houvesse necessidade – como arte narrativa maior, seja qual for a temática que aborde.
- A qualidade das edições da Futuropolis, na linha de uma (já) longa tradição. Manusear livros como este – capa dura, papel encorpado, bem impresso, bom design, pesado… - é um verdadeiro prazer. 


18/03/2013

Au vent mauvais











Rascal (argumento)
Thierry Murat (desenho e cor)
Futuropolis
França, 7 de Março de 2013
195 x 265 mm, 112 p., cor, cartonado
18,00 €




Resumo
Acabado de sair da prisão, após cumprir uma pena de sete anos, Abel Mérian dirige-se à fábrica abandonada onde escondeu o saque do seu último roubo, para descobrir que no local foi construído um museu de arte moderna.
Vagueando pelas suas salas, ouve um telemóvel abandonado tocar. Atende e uma jovem pede-lhe para lho enviar para uma morada em Rimini, Itália.
Depois de ler as mensagens e de ver as fotos do telemóvel, descobre que a jovem acabou de romper com o namorado e, seduzido pela sua voz e pelos seus olhos, num acto impulsivo, rouba um carro e decide ir entregar-lho pessoalmente.

Desenvolvimento
No banco de trás do carro há-de descobrir um velho cão, que horas depois será substituído por um adolescente fugido de casa.
Acompanhado por eles – mas em especial pela sua solidão e pelas suas lembranças – Mérian empreende uma viagem longa, com muito tempo para recordar e reflectir, com muito para (re)descobrir na nova oportunidade que a vida lhe concede.
O seu propósito, inconscientemente, talvez, é deixar para trás tudo o que o marcou até aí – por isso passa pela sua antiga casa e pelo cemitério onde os pais estão sepultados, apesar de as memórias não serem as melhores - partindo em busca de uma nova vida.
Narrada de forma contida, quase minimalista, com parcimónia de palavras que deixam a função narrativa à componente gráfica, simples mas bela e agradável, muitas vezes assente apenas em expressões, imagens fugazes, momentos suspensos no tempo que passa, “Au vent mauvais” é um relato introspectivo e sereno, menos emocional do que se poderia esperar, o que acentua o tom de despedida do passado e de corrida atrás de um sonho – de uma quimera…?
O final, de todo inesperado, entre as várias opções que o leitor vai intuindo ou adivinhando, mostra como cada vida é uma vida e como essa mesma vida é tão efémera.

A reter
- A complexidade do relato, apesar da sua enganadora simplicidade gráfica e narrativa.
- A beleza do traço em muitos momentos.


25/02/2013

Bienvenue à Jobourg











Pascal Rabaté
Futuropolis
França, 10 de Janeiro de 2013-02-21 195 x 265 mm, 80 p., pb, cartonado
16,00 €


Este livro, fruto de uma residência artística feita por Pascal Rabaté em Joanesburgo, África do Sul, em 2003, tem como protagonista Patrick, um jovem francês acabado de chegar a Joanesburgo para trabalhar na gráfica de um amigo do seu pai. Só que, atingido pelo azar, vê a empresa falir e o dono impossibilitado de lhe pagar o ordenado devido e mesmo o bilhete de avião para ele regressar.
Perante a nova situação, sozinho na capital de um país desconhecido, a tentar dar os primeiros passos na democracia e que possui uma das mais altas taxas de criminalidade e violência do mundo, Patrick vê-se dividido entre a vontade de regressar a todo o custo e a de prolongar a sua estadia e desfrutar da hospitalidade e do acolhimento do povo acolhedor que mora no Soweto, nos subúrbios da capital, que começa a compreender e a admirar.
Através dele – dos seus sustos e descobertas – Rabaté transmite um pouco do que ele próprio experimentou, utilizando um traço simples mas eficaz, muito dinâmico e expressivo, quase dando (a falsa) ideia que foi desenhando as situações ao mesmo tempo que as viveu – embora os croquis feitos no local, que ocupam as últimas páginas do livro, se revelem mais detalhados e completos que o traço do relato em si!
Nesta dualidade, entre a narrativa ficcional e a reportagem documental, “Bienvenue à Jobourg” cativa pela simplicidade do relato, deixando no final a sensação de que o livro terminou rápido demais e a vontade de acompanhar Patrick durante mais algum tempo.


11/02/2013

Frères d’Ombre









Jérôme Piot (argumento)
Sébastiant Vassant (desenho)
Futuropolis
(França, 10 de Janeiro de 2013)
195 x 265 mm, 1444 p., cor, cartonado
22,00 €



Resumo
Alain é revisor nos SNCF, os caminhos-de-ferro franceses. O seu destino vai-se cruzar com o de Kamel, um argelino entrado ilegalmente em França, a quem ajuda a escapar à polícia, primeiro, e a quem, depois, aloja durante alguns dias.
A recorrência de notícias na TV e nos jornais sobre terroristas islâmicos, levá-lo-ão a questionar o que está a fazer e a pôr em causa a amizade que entretanto se desenvolveu entre eles. No entanto, quando Kamel desaparece, Alain parte na sua peugada, enfrentando no seu próprio país um mundo diferente: o das comunidades de origem muçulmana.

Desenvolvimento
Esta é uma história dos nossos dias. Talvez não – ainda? – uma história nossa, portuguesa – continuámos um país de brandos costumes, onde a imigração [muçulmana] é residual… - mas sem dúvida uma história franco-argelina, sob a sombra do 11 de Setembro.
Porque em França, a realidade é bem diferente e os laços com ex-colónias como a Tunísia ou a Argélia, bem como o grande número de descendentes de naturais desses países, tem levantado muitas questões em termos de convivência, segurança e terrorismo – tantas vezes marcadas pelo desconhecimento, a intolerância e o medo do que é diferente.
No caso de Alain, de alguma forma um inadaptado que vive com a mãe doente, a tudo o que atrás é citado acresce o facto de o seu irmão mais velho ter participado na Guerra da Argélia – e nas atrocidades (tortura, assassinatos…) que os franceses lá cometeram. Um segredo que ele pensa estar bem guardado mas que Alain conhece desde a adolescência.
Quanto a Kamel, é filho de um opositor ao regime argelino, que foi assassinado pelo poder e decide fugir do país para não ter que cumprir serviço militar. Uma vez pago o elevado preço pedido, tornar-se-á mais um clandestino a caminho de França, no interior de um contentor com mais uma dezena de homens.
A questão política é decorrente da temática abordada e é ela que dá o mote ao relato que expõe e questiona sem tomar partido nem dar respostas – a situação é demasiado complexa para isso.
Mas a verdade é que em “Frères d’ombre” prevalece o tom humano, em especial na primeira parte mais intimista, em que Alain e Kamel aos poucos se vão conhecendo e criando laços, mostrando que é possível suplantar as diferenças. Apesar de todas as dúvidas e incertezas – bem humanas – que de forma natural vão surgindo e são narradas, apesar de todos os erros e acções impensadas que provocam.
Traçado com uma linha ágil, que com frequência esquece os tradicionais limites para criar páginas de (enganadora) vinheta única em que é a acção que baliza as fronteiras de cada momento narrado, este romance gráfico na sua segunda metade assume um tom de quase thriller, quando Alain parte em busca de Kamel, nos arredores parisienses, entre as comunidades muçulmanas, vítimas do trabalho clandestino, em condições de quase escravatura, desejoso de saber se o argelino escapou à polícia e se conseguiu chegar a bom porto.

A reter
- A actualidade do relato. Um tema de presença constante em noticiários, mas que incomoda pelo lado realista da abordagem e por aquilo que revela.
- O tom humano que prevalece no conjunto.


17/01/2013

Crève Saucisse









  
Pascal Rabaté (argumento)
Simon Hureau (desenho)
Futuropolis
França (10 de Janeiro de 2013)
195 x 265 mm, 80 p., cor, cartonado
16 €



Resumo
Didier é talhante, fã de banda desenhada e… um marido enganado pelo seu melhor amigo, desde as últimas férias que os dois casais passaram juntos.
Por isso, nada mais natural que arquitectar uma vingança, tendo por inspiração uma das suas bandas desenhadas de referência.

Desenvolvimento
Se há casos em que a ficção (aos quadradinhos) imita a realidade ou que a realidade imita a ficção (aos quadradinhos), a existirem, não devem ser muitos os casos como este em que a ficção (aos quadradinhos) imita (uma outra) ficção aos quadradinhos!
A história parece  enganadoramente banal: o marido descobre a traição, segue a mulher diversas vezes para confirmar, arquitecta um plano para se vingar e recuperar a  companheira, põe-no em prática e… algo corre mal.
Só que, “Crève Saucisse”, desenhado num traço solto e dinâmico por Hureau, que se revela bastante expressivo apesar da sua aparente simplicidade, está escrito de forma consistente e com um humor negro e ácido por Rabaté, o que o transforma em puro divertimento, bem ritmado e até com diversos momentos de suspense o relato da progressiva degradação da relação do casal.
Na sua leitura, enquanto (involuntariamente?) torcemos pelo sucesso do marido enganado, aparentemente um homem pacato e tranquilo que se revelará capaz de grandes horrores, que vai descarregando a sua fúria na carne que retalha, vamos acompanhando a passo e passo a descoberta da traição e a preparação do plano para recuperar a sua mulher, Sandrine, e livrar-se do seu amigo Eric, em novas férias em conjunto, durante as quais porá em prática os mais variados estratagemas para impedir que os dois consigam estar sós.
Mas, para além de teatro de costumes, “Crève saucisse”, é também uma bela homenagem ao magnífico “Gil Jourdan – La voiture immergée”, de Maurice Tilieux, bem como a muita da BD franco-belga, mostrada aqui e ali ao longo do relato. Aquela obra de Tillieux serve de base para Didier arquitectar o seu plano, levando o seu “concorrente” ao local real que a inspirou.
No final, no entanto, como esta BD é apenas um reflexo duma outra ficção (em BD), nem tudo acaba bem para o protagonista, cujo plano não resulta tão bem quanto pensava… denunciado por um insuspeito herói de (outra) BD…
O que, aos seus olhos - os olhos de alguém cuja mente está distorcida pelos quadradinhos que lê! - não se revela tão grave assim, porque com certeza existirá uma outra banda desenhada a imitar na (sua) vida real, para reparar o que a primeira acabou por destruir!

A reter
- O humor negro do relato, divertido e surpreendente.
- A legibilidade do traço de Hureau.
- A bela homenagem a Tillieux, expressa também nas sequências do álbum original redesenhadas e incluídas no actual relato.
- A conseguida ligação entre as duas narrativas desenhadas.


14/11/2012

Jours de destruction, jours de révolte








Chris Hedges (texto)
Joe Sacco (ilustração e banda desenhada)
Futuropolis (França, 2 de Novembro de 2012)
195 x 265 mm, 320 p., pb, cartonado
27,00 €



Na ressaca das eleições norte-americanas e em dia de greve geral em Portugal, esta é uma obra cuja leitura seria útil a Barack Obama (e a Mitt Romney também, possivelmente antes dessas mesmas eleições) mas igualmente aos líderes europeus - os subservientes, os lambe-botas e os outros.
Na verdade, a situação nele descrita, embora retrate a situação concreta norte-americana, tem (demasiados) pontos de contacto com aquilo que se vive agora - em Portugal, na Grécia, em Espanha, em toda a Europa comunal não tarda muito? – pelo que uma leitura atenta – acompanhada por reflexão consciente – é altamente aconselhável para se ponderar o futuro que estamos a proporcionar aos nossos filhos, às próximas gerações.
Subintitulado pela Futuropolis “A realidade da sociedade norte-americana por dois grandes autores comprometidos”, este é um retrato duro da sociedade norte-americana.
Retrato duro e subjectivo, ideológico e empenhado, correspondente à visão comum dos dois autores e resultante de um longo périplo pelo país, o livro - editado nos EUA em Junho último - assume a forma de uma longa reportagem escrita, ilustrada e em BD – esta última pouco presente para o que desejariam os fãs de Sacco, usada apenas para "transcrever" algumas entrevistas.
É um retrato que se inicia com os últimos indígenas, na reserva índia de Pine Ridge, no Dakota, passa pelos guetos negros de Camden, em Nova Jérsia, revela as condições miseráveis dos últimos mineiros de carvão na Virgínia Ocidental, acompanha os apanhadores de tomate ilegais latinos em Immokalle, na Florida, e termina junto do movimento Occupy Wall Street, em Nova Iorque, num percurso não inocente.
É um retrato violento e incómodo que – na óptica desta dupla de criadores – mostra não só como os EUA caminha(ra)m para a auto-destruição, espoliando, oprimindo, explorando, despojando da dignidade, escravizando a base da sua sociedade, a sua força produtiva, mas também a revolta que a diferentes níveis isso está a gerar e como essa é a única réstia de esperança para um mundo governado por uma ínfima minoria assente no poder financeiro, cego, amoral e impiedoso.
Por isso, este retrato que mostra, destaca, dá voz, acompanha seres reais, de carne o osso como nós, mais do que espelhar o idealizado sonho americano revela um pesadelo atroz cada vez mais omnipresente – tornado banal? - em todo o mundo (ocidental), onde há cada vez mais gente “sem esperança, que trabalha duro por quase nada”.


25/10/2012

Un Printemps à Tchernobyl











Emmanuel Lepage
Futuropolis (França, Outubro de 2012)
225 x 330 mm, 168 p., cor, cartonado
24,50 €

Resumo
A 26 de Abril de 1986, em Tchernobyl, na Ucrânia - então ainda URSS - o núcleo de um reactor nuclear começou a fundir, dando origem à maior catástrofe nuclear do século XX, cujo número de vitimas, directas e indirectas (200.000? 300.000?) ainda está por averiguar.

06/06/2012

Furioso













Lorenzo Chiavini
Futuropolis (França, 15 de Maio de 2012)
210 x 290 mm, 136 p., cor, cartonado
20,00 €



Resumo
No tempo das cruzadas, perto do Mediterrâneo, muçulmanos e cristãos procuram os heróis que os hão-de guiar à vitória no confronto que se avizinha.
Os primeiros, vasculham a floresta profunda na busca por Ferragus, antigo guerreiro, hoje eremita em busca de perdão para acontecimentos terríveis do seu passado.
Os segundos, encontrarão inadvertidamente o seu, Berto, um carpinteiro acidentalmente trespassado por uma relíquia sagrada, pouco predisposto para as coisas da fé e da guerra, mais sensível ao bem comer e bem beber e às belas mulheres.

Desenvolvimento
O resumo adivinha-o e realmente este é um relato onde Leonardo Chiavini, natural de Milão, antigo desenhador Disney e actualmente a viver na casa dos autores de Angoulême, lança um olhar profundamente irónico sobre a fé dos contendores – as “feses” deles, diria alguém que conheci – e os artifícios religiosos.
Essa ironia revela-se no texto recheado de segundos sentidos, nas situações repletas de picares de olho e de provocações, na caracterização e motivação das personagens.
Como o cruzado descrente da sua santa missão. Ou o herói infiel, antigo combatente sanguinário, avesso agora à violência e transformado em penitente. Ou a “santa pecadora” – o que por si só é já um soberbo conceito – que para complicar as coisas, vai intrometer-se e escolher Berto para acasalar e lhe dar um filho abençoado… Ou ainda o chefe espiritual dos cristãos (o seu “papa”), um abade senil, puro joguete nas mãos dos seus seguidores (ou serão eles os senhores?) mais próximos.
Aliás, o acidente que “revelará” o novo herói, deve-se à sua fraqueza de mãos, pois deixa cair da varanda sob a qual o povo se apinha, a santa relíquia do lugar, a “verdadeira” lança com que Cristo foi trespassado na cruz (igual a umas tantas espalhadas por outros lugares santificados…?). Acontecimento do qual Chiavini parte para discorrer sobre a facilidade com que se criam santos e santinhos, mártires e heróis de fé, a necessidade que as multidões – pobres e ignorantes, conduzidas por quem delas se quer aproveitar – busca – e encontra – nos acontecimentos mais banais “sinais” e “milagres” em que acreditam (mesmo que à força), pois isso é mais fácil do que tomar decisões ou perpetrar acções, o oportunismo com que os líderes religiosos manobram e distorcem para ajustar a realidade aos seus interesses.
Porque, voltando atrás, o infeliz Berto, o “indicado pela vontade divina”, com tanta sorte – ou será na verdade azar? – não morre com o golpe do artefacto sagrado! “Milagre” gritam de imediato alguns – alguns dos que teriam que tomar esse lugar na batalha…? – temos um “santo”! Santo esse que, revelando de imediato os seus de pés – e veremos depois, algo mais – de barro, reage de forma bem humana com bem colorida expressão, ao golpe recebido. Aliás, as suas reacções bem humanas – bem pouco santificadas – multiplicar-se-ão, para desespero dos acólitos que tentam à força – não foi quase sempre assim na história do catolicismo? – convertê-lo.
Por isso, o “acontecimento único” original, há-de ser recriado para criar (à pressão) um paladino manobrável e mais predisposto ao cumprimento da sua nobre missão.

Não quero adiantar mais sobre esta história – que tem muito mais do que atrás deixei exposto. Uma história que assenta em traições, segredos esconsos, mentiras e equívocos. Uma história que vai desvelando em paralelo o que se passa entre mouros e entre cristãos, num crescendo paulatino que há-de conduzir ao embate inevitável (ou não?). Uma história longa, consistente, bem construída e explanada, coerente que, para lá do divertimento que o seu tom irónico proporciona, faz pensar na forma como tantas vezes fomos/ainda somos manobrados pelo poder religioso, até pela inevitável comparação com o tempo presente, no qual o confronto (religioso) ocidente/oriente se perpetua.
Mas não termino sem destacar igualmente que Chiavini, para lá de um excelente argumentista, se revela também um soberbo desenhador. O seu traço esguio, expressivo e caricatural q.b. para reforçar o tom geral sem o deixar descair para a provocação simples e vazia, revela-se perfeitamente adequado para dotar a narrativa gráfica de um assinalável dinamismo, ao mesmo tempo que o autor revela uma grande facilidade em utilizar as imagens como único veículo narrativo em diversas sequências mudas mas bastante eloquentes e perfeitamente legíveis.

A reter
- O grafismo de Chiavini, que me conquistou enquanto autor completo.
- A forma demolidora como retrata ambas as facções religiosas em oposição, realçando as imensas semelhanças entre os seus discursos, acções e propósitos, mostrando claramente que se as palavras “Alá” e “Deus” fossem trocadas de sítio (de boca) nada de substancial se alteraria.
- O toque de génio, como que (se) decide a batalha final, à revelia de santos e heróis - numa verdadeira demonstração da vontade divina?


17/05/2012

Martha Jane Cannary

Les dernières années 1877-1903










Christian Perrissin (argumento)
Mathieu Blanchin (desenho)
Futuropolis (França, 13 de Abril de 2012)
215 x 29o mm, 112 p., branco e sépia, cartonado
22,50 €


Este álbum, último de uma trilogia, pode ser encarado de duas formas: a destruição ou a humanização de um mito.
Porque, disso não duvido, Martha Jane Cannary, aliás Calamity Jane, é uma daquelas figuras do Velho Oeste que o tempo, a tradição e as artes –a literatura, o cinema, a BD – se encarregaram de mitificar. Mesmo para aqueles que com ela puderam conviver. Um dos muitos mitos - e um dos mais fortes - que a sua época e o local (enquanto conceito alargado) em que viveu se encarregaram de desenvolver.
A intenção de Perrissin e Blanchin, no entanto, não é endeusá-la, mas sim mostrá-la na sua profunda humanidade. O que é mais evidente neste tomo da trilogia que lhe dedicaram (e que está também disponível num único tomo integral) que encerra a biografia romanceada aos quadradinhos de Martha Jane, porque corresponde aos seus anos finais, à época do seu declínio (acentuado) provocado pela solidão, o alcoolismo, a velhice e as doenças que o seu estilo de vida propiciou.
Por isso, longe da exploradora audaz e da atiradora ímpar que, possivelmente a nossa memória associava à sua imagem e que os tomos anteriores de certa forma privilegiaram, encontramos uma mulher a lutar pela sua vida – que no entanto preza pouco – como cozinheira, dona de uma lavandaria, enfermeira, artista de feira ou de circo, ou pouco mais (menos), minada pelas suas dúvidas, com saudades da filha que um dia abandonou, arrependida dessa atitude que a marcou e à qual foi incapaz de se declarar como mãe (embora por razões nobres e que vão além da sua vergonha…).
Não que não seja, mesmo assim, apesar de tudo isto, uma mulher à frente do seu tempo – com um pouco do “pêlo na venta” que Goscinny tãobem traduziu na caricatura de Calamity com que Lucky Luke se cruzou – com uma inextinguível sede de liberdade e de independência, emancipada e autónoma num mundo de homens – dos quais precisa e aos quais se entrega, aos quais se submete e com quem tem filhos que o seu abuso de álcool matou ou de quem mais cedo ou mais tarde se desligou – uma mulher de força, de vontade, de uma vivência única e marcante. Mas também uma mulher, profundamente humana, com muitas dúvidas e incertezas, em busca de reconhecimento e aceitação – em especial de si própria - minada, destruída pela vida que levou.
Combinando a narrativa directa com as cartas que escreveu à filha mas nunca enviou e com apontamentos – estranhos no tom geral do relato – do endeusamento que os escritores de folhetins então promoveram, Perrissin propõe-nos uma obra ritmada, bem documentada e credível. Para isso contribui de forma decisiva o traço semi-realista de Blanchin, com uma boa reconstrução de época, embora as personagens enquanto centro da narrativa se sobreponham aos cenários, traçada em sombrios tons de sépia, em que o realismo sobrepuja (logicamente) algumas passagens ficcionadas-
O conjunto, propicia uma leitura forte e emotiva, que assenta principalmente na dualidade – inerente a todo o ser humano – entre a realidade de cada um – e a ideia que cada um faz de si - e a impressão que provoca nos outros, aqui toldada, distorcida pela dimensão do mito face à pequenez do ser humano.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...