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06/02/2013

Hägar: horrendo e quarentão












Há 40 anos, a 4 de Fevereiro de 1973, um novo herói de BD estreava nas páginas de 136 jornais norte-americanos: tinha por nome Hägar, the horrible e teve um sucesso retumbante, tendo chegado a publicar-se em 1800 jornais de 58 países.

Embora adoptando o tom tradicional das tiras diárias familiares, Hägar distinguia-se por ser um vicking que vivia um milénio antes da data da sua estreia nos jornais, em plena idade das trevas, para a qual ele contribuía entusiasmado.
A comicidade advinha tanto dos muitos anacronismos existentes na série, quanto da convivência entre os diferentes membros: Hägar, tão intrépido conquistador quanto submisso marido; Helga, a sua mulher, que usa os maiores cornos da casa, símbolos de poder entre os vickings; Hamlet, o filho, que prefere a leitura à natural violência da época e quer ser dentista; Honi, a filha adolescente que almeja seguir o pai nos combates. A galeria de personagens é ainda enriquecida com Eddie Felizardo, lugar-tenente de Hägar, que não faz jus ao nome e dotado de pouca inteligência; Lute, o trovador pacifista que aspira ao coração de Honi; o dr. Zook, o curandeiro local e Snert, o cão de Hägar.



O seu criador foi Dik Browne (1917-1989), que na sua bibliografia já registava o desenho de “Hi and Lois”, outra tira diária bem-sucedida. Surgido quando já contava 56 anos, uma idade em que muitos criadores já entraram em declínio, Hägar permitiu-lhe cumprir o principal propósito: deixar à família um legado que lhes permitisse viver sem sobressaltos.
Ainda em publicação nos nossos, dias, agora assinado por Chris Browne, que assumiu a série quando o seu pai faleceu, em Portugal – onde foi terrível, abominável e horrendo - Hägar passou de forma discreta pelas páginas do Mundo de Aventuras, tendo conhecido uma primeira edição em álbum, em 1993, por parte dos Livros Horizonte. Em 2008 a Libri Impressi, de Manuel Caldas, propôs-se fazer a sua reedição integral cronológica, mas o projecto ficar-se-ia por dois volumes, correspondentes às tiras diárias publicadas em 1973 e 1974.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Fevereiro de 2013)


29/11/2012

El Rescate Emocional de un Clásico


‘Príncipe Valiente’, la obra cumbre de
Hal Foster










Eduardo Martínez-Pinna
Libri Impressi
(Espanha, Novembro de 2012)
240 x 320 mm, 64 p., pb e cor, brochado com badanas
18,50 €




- Mais um livro sobre Foster e o seu Príncipe Valente? – perguntarão alguns.
- Sim, porque “Prince Valiant – In The Days of King Arthur é uma obra de maturidade realizada por um autor na sua plenitude artística…” – fundamenta(-se) o autor, em jeito de introdução.
Para além disso, acrescenta, esta banda desenhada é “…uma obra imortal que consegue vencer o inefável Cronos, o deus do tempo, que torna velha qualquer manifestação artística” e representa “… a maturação de um estilo, o final de um caminho e, em definitivo, uma forma de entender os comics”.
E justifica-se ainda pela “técnica impecável” de Foster, por ser “um dos grandes clássicos”, “um dos comics mais imitados de todos os tempos” e por estar carregada “ de valores éticos universais”.

O autor, Martínez-Pinna, inicia o seu livro com uma introdução biográfica sobre o Foster “pré-Príncipe Valente” ajudando-nos a situar a sua obra nas suas origens, nos seus princípios, no seu percurso pessoal, profissional e artístico, no seu tempo e no contexto dos quadradinhos (e das outras artes) de então.
Depois, há um mergulho – saboroso e profundo – na obra-prima de Foster, analisando as temáticas, o estilo, a evolução, o peso das personagens secundárias – muitas vezes protagonistas por umas quantas páginas –, apontando inspirações, homenagens e referências a diversos níveis, indicando incongruências históricas (justificadas pelas necessidades ficcionais de um relato aventuroso e humano), destacando a qualidade do traço de Foster, os seus cavalos e o seu imenso respeito pela natureza, sublinhando a multiplicidade de soluções narrativas, o peso e o protagonismo (incomum) das personagens femininas, comentando a importância da religião e da magia na saga…
E, analogamente, como a obra de Foster foi continuada – como, quando e por quem – e, numa óptica mais formal, outros formatos de publicação, as adaptações literárias e cinematográficas, as melhores e piores reproduções que dela foram feitas.
Tudo isto - e não é tudo - justifica “mais um livro sobre Foster e o seu Príncipe Valente” e pede ao leitor a disponibilidade mental para uma leitura ponderada e reflexiva, pois se o autor não cria nada de novo ou original, nalguns casos ilumina a obra de Foster de modo diferente, fazendo-a brilhar sob uma nova luz.
Para isso contribui também, decisivamente, a presença tutelar da arte do autor nas páginas desta edição em que quase todas as imagens utilizadas - restauradas com a paixão e o talento que se reconhecem a Manuel Caldas - reproduzem vinhetas do Príncipe Valente no seu tamanho original (ou seja, sensivelmente o tamanho das páginas do livro!). O que facilmente provoca no leitor o delírio de imaginar uma (utópica) edição do Príncipe Valente no (gigantesco) tamanho das pranchas que Foster nos legou.
E a que a leitura deste livro indubitavelmente faz desejar voltar, para recordar/descobrir/desfrutar tudo aquilo que ele evocou.


10/09/2012

Lance #4

Volume 4 (de 4)






Warren Tufts (argumento e desenho)
Libri Impressi (Portugal, Julho de 2012)
235 x 335 mm, 88 p., cor e pb, brochado com badanas
26,50 €


1.       Confesso que a leitura deste tomo me provocou sentimentos contraditórios. Daí, também o atraso na publicação deste texto.
2.      Que, de qualquer forma, recebe o destaque que merece, pois marca o regresso de As Leituras do Pedro ao seu ritmo normal, com predominância das recensões sobre as notícias e os fait-divers, ritmo esse que afrouxou durante o período de férias.
3.      (Por isso, esta semana – e possivelmente também na próxima – conto mostrar por aqui muitas e boas páginas de edições de BD que vale a pena ler).
4.      A primeira reacção, foi positiva, pois este volume encerra a publicação integral de Lance, iniciada por Manuel Caldas há meia dúzia de anos.
5.      Se o facto já merecia realce em Portugal, onde tal raramente tem acontecido, merece destaque maior sabendo-se as condições artesanais (mas apaixonadas) em que Manuel Caldas trabalha.
6.      Pois demorou apenas cerca de meia dúzia de anos para (em simultâneo com outros projectos) restaurar a pureza do traço original, o seu fabuloso colorido, o seu brilho e a capacidade de deslumbramento de quase três centenas de pranchas, reunidas numa edição que desse ponto de vista merece todos os encómios.
7.      (E cuja qualidade e excelência valeram a venda desta “sua” edição de Lance a editores alemães e noruegueses, estando em estudo a sua edição também nos Estados Unidos).
8.     Edição que é também uma bofetada de luva branca em todos aqueles – e são (sempre) demasiados – que até agora não compraram Lance temendo que a edição ficasse a meio.
9.      É a esses (e alguns mais) que se deve a minha primeira decepção com este livro, pois possivelmente trata-se do último que Caldas editará em português, dado o exíguo número de exemplares que vende no país.
10.  Que, como habitualmente, deverá preferencialmente ser pedido directamente ao editor Manuel Caldas , porque ainda não foi distribuído, porque lhe permite recuperar mais do seu investimento em cada volume (e quem sabe repensar novas edições em português) e ainda terá direito a alguns “brindes”.
11.   Posto isto, entremos então na obra em si, notoriamente crepúsculo de um western de contornos clássicos, embora marcado por um forte humanismo e uma invulgar predominância dos sentimentos sobre a acção (ou como influenciadores da acção).
12.  Nele, é visível algum cansaço de Tufts (possivelmente já com outros projectos em mente) na mudança da estrutura das pranchas, até agora com três tiras, que passam a ser quatro, aproximando-as de um esquema próximo da “montagem” de tiras diárias em detrimento dos imensos painéis em que as vinhetas, muitas vezes, atingiam proporções assinaláveis.
13.  Com isso, há uma evidente perda de pormenorização do desenho e, embora o traço pareça surgir mais conciso, perde-se o esplendor dos grandes planos e a imensidão que tantas vezes caracterizava os cenários naturais do velho oeste.
14.  Em termos de narrativa, cuja análise hoje será breve, pois já a detalhei aquando da leitura dos tomos #2 e #3, na qual contornos ficcionais e base histórica continuam a ombrear, esbate-se um pouco a noção de saga que (também) marcava significativamente a diferença, devido ao facto de os episódios se tornarem mais curtos, auto-conclusivos e praticamente independentes entre si.
15.   Apesar dessa quebra na uniformidade que a narrativa até então apresentava, o protagonista, que continua envolvido nas questões políticas e activas decorrentes do confronto (mais diplomático do que bélico) entre os Estados Unidos e o México pela posse do Texas, não perde as suas características, continuando impetuoso, justo, determinado e (involuntário) Don Juan.
16.  As personagens mulheres continuam a marcar forte presença o que, a par do seu tom dramático e da tensão emocional que perpasse por muitas das suas páginas, tornam este western distinto, mantendo-o afastado dos estereótipos do género e uma leitura altamente recomendável.
17.   Nesta edição integral portuguesa. 

Nota final
Este quarto tomo de Lance fecha (praticamente) com uma explicação de Manuel Caldas para a sua paixão pela obra e sobre o trabalho de restauro que ela exigiu.
Um retrato breve (não restaurado!) da imensa paixão do editor pelos quadradinhos – por alguns quadradinhos, por estes quadradinhos.
Um retrato de leitura obrigatória para perceber como se perdem – se ganham, o que ganhamos nós! – 20 horas de trabalho aturado por prancha.
A única forma de ter em mãos, com esta qualidade, estas 261 pranchas (5200 horas, mais de 200 dias…) hoje. Hoje, como  momento em que Tufts as desenhou, com a qualidade (melhorada pelas técnicas de edição actuais) com que chegaram às mãos dos que primeiro as descobriram nas páginas de jornais.
Por isso, também por isso, muito obrigado Manuel Caldas.
Com a certeza de que, terminada esta tarefa hercúlea, de certeza que outra de qualidade similar, para nova proposta de leitura estimulante, já foi iniciada.
Há-de ter eco aqui.

03/05/2012

Ferd'nand: 75 anos sem abrir a boca












Os leitores de O Comércio do Porto, recordam certamente Ferd’nand, um herói dos quadradinhos que os acompanhou nas páginas daquele jornal durante décadas, e que hoje completa 75 anos. Poucos saberiam, no entanto, que se tratava de uma banda desenhada de origem dinamarquesa, tal como o seu autor, Henning Dahl Mikkelsen (1915-1982), que assinava apenas Mik e que se manteve como seu autor até falecer. A continuidade seria assegurada primeiro pelo seu assistente Al Plastino (que assinava Al Mik) e depois por Henrik Rher (Rher Mik), que mantiveram Ferd’nand nos jornais até 2004, fazendo dela a tira diária não norte-americana de maior longevidade. Para além disso, Ferd’nand distinguiu-se por ser completamente muda, baseando-se apenas no desenho para conseguir os seus objectivos humorísticos (embora alguns jornais, em diferentes épocas, incluíssem por baixo deles um texto “explicativo”).
O seu protagonista era um perdedor nato de classe média, (quase) sempre de calças de tweed, colete, casaco preto com grandes botões e um chapéu na cabeça, que, para além de turista ocasional, pescador frustrado, desportista inábil e náufrago frequente, assumiu todas as profissões imagináveis, sempre ao sabor das necessidades humorísticas da tira, que privilegiavam o aproveitamento de situações quotidianas universais e, por isso, facilmente identificáveis, e uma sátira social leve e inócua.
Antes de se concluir o primeiro ano, Ferd’nand conheceria aquela que três tiras mais tarde (!) já era sua esposa - para seu desespero, claramente expresso - sendo o núcleo familiar da tira aumentado de imediato com o nascimento de um bebé que rapidamente cresceu alguns anos, tornando-se uma cópia perfeita do pai em tamanho reduzido.
Baseada num traço simples, de grande legibilidade, Ferd’nand rapidamente saltou dos jornais dinamarqueses para outras paragens, até rebentar a II Guerra Mundial, durante a qual foi proibido em toda a Europa dominada pelos nazis, pois estes assumiram o seu bigode como uma caricatura de Hitler. Durante este período o seu criador realizou duas curtas metragens também protagonizadas por ele.
Terminada a guerra, Mikkelsen emigrou para os Estados Unidos, em 1946, onde casou e teve quatro filhos, e onde o sucesso de Ferd’nand obrigou à criação de uma prancha dominical colorida, a partir de 4 de Abril de 1948, a par das tiras diárias a preto e branco, publicadas simultaneamente em dezenas de jornais, de cerca de vinte países.
Para além da publicação no Comércio do Porto, em Portugal estão disponíveis desde 2008 duas compilações cronológicas, editadas pela Libri Impressi de Manuel Caldas: “Surge…Ferd’nand – Tiras de 1937” e “Ferd’nand retorna – Tiras de 1938”.

 (Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Maio de 2012)

23/09/2011

Manuel Caldas

“Seduzido pela BD”
Chama-se Manuel Caldas, é português, mora na Póvoa de Varzim e dedica-se a reeditar bandas desenhadas clássicas norte-americanas como o Príncipe Valente, Lance, Krazy Kat ou, em breve, Cisco Kid, restauradas com paixão e minúcia.
A paixão pela BD nasceu “antes dos seis anos quando guardava o suplemento “Pim-Pam-Pum” de “O Século”. Ninguém me chamou a atenção para a BD, foi ela que me seduziu”, afirma.
Mais tarde, aos 11 anos o pai mostrou-lhe “o Príncipe Valente, de Harold Foster, publicado no Primeiro de Janeiro, que tinha uns desenhos muito bem feitos”. “Fulminado”, com o tempo constatou “que a história era também magistral e que havia na série uma unidade sublime” pelo que não descansou enquanto não a conheceu toda.
Nasceria aí a vontade de editar essa saga medieval – analisada no seu estudo “Foster e Val” - sonho que começou a concretizar em 2005, sob o selo “Livros de Papel”, entretanto transformado em “Libri Impressi”. E “quando o “Príncipe Valente” se revelou um êxito de vendas”, fez as contas e verificou “que se fizesse dois volumes por ano ganhava mais do que na escola onde era um simples (e insignificante) auxiliar de acção educativa. Assim, como não cair na tentação de deixar um emprego onde era impossível qualquer realização pessoal para fazer exclusivamente o que mais gostava?”
Aos primeiros volumes do Príncipe Valente, sucederam-se outros títulos: “Ferd’nand”, que os leitores do Comércio do Porto seguiram durante anos, “Hagar, o horrendo”, outro clássico do humor, ou “Lance”, um western humanístico. Mais recentemente, "Os Meninos Kin-Der", “Krazy Kat”, “Dot & Dash”, “O Corvo”, “O Livro do Buraco” ou “Ele foi mau para ela”, uma novela gráfica muda de 1930. Não tanto por opção, mas devido a desentendimentos com a pessoa com quem editava o “Príncipe Valente”. Por isso, a “vida como editor tornou-se mais difícil, pois depressa constatei que nenhuma outra banda desenhada das que me interessam vendia como a de Foster”. No entanto, tem “sobrevivido e apesar de a nível económico ser mais tranquilo voltar para a escola”, onde se encontra com “licença sem vencimento” nunca se arrependeu da opção que assumiu.
A par das edições nacionais, Manuel Caldas tem editado também para o mercado espanhol. O salto foi dado “quando alguns espanhóis viram o “Príncipe Valente” em português e começaram a pedir uma edição na língua deles” Entusiasmado, decidiu avançar e as coisas acabaram por “se tornar mais fáceis quando fui contactado pela principal distribuidora espanhola de livros e revistas de BD”. Agora, afirma, “se calhar, sou o único editor português que faz edições exclusivamente para o mercado espanhol”.
Infelizmente, Espanha, onde “a venda pelo correio, através do seu site, assume proporções significativas, ao contrário de Portugal”, “não é um mercado tão grande como se pensa”, mas tem contribuído para garantir a viabilidade económica das suas edições.
Edições cuja qualidade e fidelidade aos originais tem sido amplamente elogiada, pelo que não surpreende que, só este ano, tenha colaborado com a editora norte-americana Classic Comics Press na preparação do primeiro volume das tiras diárias de “Cisco Kid” - que vai lançar em breve em edição própria no mercado espanhol –, vendido a sua versão restaurada de “Lance“ a “editores da Alemanha e da Noruega, estando já nas livrarias a edição alemã”, estando de pé a hipótese de a vender para os Estados Unidos, e esteja a preparar três volumes do Príncipe Valente encomendados por um editor do Uruguai!
O que distingue as edições de Manuel Caldas de outras similares, é a paixão, a paciência, o trabalho artesanal, as muitas horas gastas no restauro de cada página – 20 ou 30 horas, nalguns casos - , na obsessão de “devolver às imagens a pureza original, de melhorar tudo o que sou capaz de melhorar, mesmo pormenores que só se verão com lupa”. Mas, garante, “já decidi que depois de concluir o restauro do “Lance” não mais voltarei a fazer restauros tão profundos. Mas também por vezes me interrogo se conseguirei cumprir tal decisão…”
Para conseguir os seus objectivos, na impossibilidade de utilizar pranchas originais, geralmente inexistentes, recorre às páginas de jornais da época, “umas compradas pela internet, outras emprestadas por coleccionadores estrangeiros, outras obtidas digitalizadas”.
Depois, trabalha obsessivamente, limpa os defeitos de impressão, remove as cores se a edição for a preto e branco ou restaura-as quando são coloridas, utiliza o melhor de cada vinheta – chegando a utilizar quatro fontes diferentes para atingir o "traço ideal", aquele “que se vê, com precisão e sem quebras” ou seja, mostrar cada desenho tal como o autor o fez.
Com a pena de se ver obrigado “a pensar mais (ou exclusivamente) no mercado espanhol”, revela que por cumprir, tem ainda “muitos sonhos, até porque outros vão nascendo”. E sabendo que morrerá “sem os realizar todos”, não se queixa pois sente que vai passar “o resto dos dias a realizar alguns”.















(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Setembro de 2011)

26/07/2011

Lance

Volume 3 (de 4)
Warren Tufts (argumento e desenho)
Libri Impressi (Portugal, Julho de 2011)
235 x 335 mm, 88 p., cor e pb, brochado com badanas
26,50 €

Resumo
Terceiro dos quatro tomos previstos com a reedição integral de Lance, um western criado por Warren Tufts na década de 1950.

Desenvolvimento
Há dias, num site francês, num comentário a um artigo eram criticados os magníficos integrais francófonos – várias vezes referenciados aqui em As Leituras do Pedro - em que têm sido recuperadas obras desde os anos 1940, considerando-os um artifício de marketing para aproveitar os “últimos estertores” da geração que na infância e adolescência leu Jerry Spring, Buck Danny, Gil Jourdan ou Johan et Pirlouit, entre muitos outros.
Em resposta a esse comentário, alguém – acertadamente - contestava que obras como as citadas terão sempre público.
É óbvio que quem assim respondeu tem a noção exacta do que é um “clássico” – não apenas algo antigo (o que significa velho, ultrapassado, para alguns) – mas algo intemporal que, pelas suas características intrínsecas proporcionará sempre prazer e descoberta em cada nova (re)leitura (audição, visualização…).
De certa forma, é o caso deste Lance, uma das paixões de Manuel Caldas. Não de forma tão absoluta – se esta é uma “classificação” possível – como, por exemplo, o “seu” Príncipe Valente, mas uma obra intemporal, que se (re)lê com evidente prazer – e proveito – mais a mais tratando-se de (mais) uma (soberba) edição como esta.
Porque, sendo, na sua base, um western, é um western atípico, protagonizado por um soldado e não um cowboy, com menos cenas de acção do que é habitual do género. Não pelo facto em si, mas pelo que essa factor implica em termos de argumento, por onde passa uma forte componente política e militar, até porque Tufts introduz uma assinalável vertente histórica na sua ficção.
Também – mais ainda – porque Lance é um western humanista, no qual tiroteios, perseguições ou combates, mais do que procurar justiça, vingança ou glória, têm que ver com sentimentos, emoções, restabelecimento de relações. Quase sempre entre homens e mulher ou familiares.
Por isso, em vez de um pistoleiro, um xerife, um ranger, um caçador de prémios ou um cowboy solitário, os protagonistas – ao lado de Lance, por vezes em vez de Lance – são a sua bela e determinada mulher – mesmo quando cega – um bando de colonos perdidos na neve, uma índia branca, um bebé que chora – chora sempre…
As mulheres, aliás, têm um grande protagonismo em Lance. Não de armas na mão, embora as empunhem por vezes. Não como seres belos, sensuais e apetecíveis, como Valle, a esposa de Lance – outra prova da atipicidade deste western – ou a californiana Maria, embora muitas delas o sejam. Não, ainda, como seres frágeis e dependentes, constantes vítimas de raptos e maus-tratos que dêem ao herói a oportunidade de brilhar. Não. Em Lance, as mulheres surgem muitas vezes como desencadeadoras – e continuadoras – da acção ou mesmo no seu centro, como verdadeiras mulheres, firmes, fortes, determinadas. Humanas. Credíveis. Preponderantes, quase sempre, sejam protagonistas de primeiro plano ou quase anónimas, como a mãe do bebé já citado. Por elas, por causa delas, também, Lance é às vezes mais espectador do que actor, mais seguidor do que comandante.
Os episódios narrados, mesmo quando há perseguições, tiroteios ou combates, mesmo quando se articulam com a realidade histórica – como no caso da Guerra dos Estados Unidos com o México pela posse da Califórnia, que será mostrada no último tomo de Lance – têm mais ponderação do que acção, mais diálogos – ou pensamento – do que movimento…
Em Lance, ainda – também – a Natureza – selvagem, imparcial, poderosa, dominadora – tem um papel fundamental. Não é apenas simples cenário – se é que podemos apelidar de simples as paisagens que Tufts traça com belas e intensas cores, de forma marcante e impressionista, em profunda calmaria ou assolada pelos elementos – mas, muitas vezes, decisora dos destinos daqueles que a ousaram afrontar, indiferente às suas razões, nacionalidade, idade, condição social.
Por isto, tudo isto – por mais do que isto, que aconselho cada um a descobrir - Lance é um clássico que merece ter sido (re)editado, cuja leitura se justifica.
A reter
- A composição de tantas pranchas, vigorosas, fortes, dinâmicas, de traço ágil, seguro e de cores intensas e belas.
- O tom humanista do relato.
- A dinâmica da narrativa, apesar de assentar em vinhetas com texto escrito por baixo, embora esta característica vá desaparecendo progressivamente ao longo deste volume.
- A qualidade da edição, assente numa restauração (quase) obsessiva dos traços e cores originais obtida a partir de várias reproduções, que chega ao pormenor de indicar “defeitos” originais e de repetir uma prancha que entretanto foi possível reproduzir melhor…

Menos conseguido
- … mas que falha redondamente na “legenda” solta no centro da prancha 182.

Curiosidade
- Neste tomo termina a reprodução das tiras diárias que durante algum tempo conviveram com as pranchas dominicais em que Lance se iniciou.

Urgente
- Dadas as fracas vendas – vá-se lá saber porquê… – dos dois tomos iniciais, que se devem repetir neste, para garantir a edição do quarto e último tomo (já em preparação), Manuel Caldas pede que este tomo lhe seja directamente adquirido – o que garante ao comprador portes gratuitos e um magnífico poster gigante com a reprodução de uma prancha no seu formato original e ao editor não perder a (grossa) fatia que a distribuição devora - e que seja feita uma “pré-subscrição” do volume 4. Para o efeito, fica o contacto: mcaldas59apo.pt

07/07/2011

Leituras Novas

Julho de 2011
Lance #3 (de #4)
Warren Tufts (argumento e desenho)
Libri Impressi
Sobre Lance #2

Wolverine – Inimigo do Estado #1
Mark Millar (argumento) e John Romita Jr. (desenho)
Devir

JuveBêDê #48
Associação Juvemedia
Foto-reportagem sobre a exposição Tinta nos Nervos, uma entrevista com Art Spiegelman e recensão de edições nacionais e franco-belgas

Voyager #1
Diogo Campos (argumentista), Diogo Carvalho (argumentista e desenhador), Luís Belerique (argumentista e artista, capa), Luís Maiorgas (artista), Nelson Nunes AKA Cocas (artista), Phermad (artista), Ricardo Reis (argumentista), Rui Ramos (argumentista, artista, editor, ideia original, capa, design do livro) e Salvador Pombo (artista)
R’Lyeh Dreams




23/06/2011

Ele foi mau para ela

Sem palavras – sem música
Milt Gross (argumento e desenho)
Libri Impressi (Portugal/Espanha, Abril de 2011)
155 x 170 mm, 272 p., pb, cartonado
16 € (14 € se pedido ao editor)

Resumo
Esta é a história de um grande amor entre um caçador e uma cantora de saloon, separados pelos métodos pouco honestos de um vilão sem escrúpulos, numa sociedade movida pelo dinheiro, a avareza e a ganância.
História contada em banda desenhada, num longo romance gráfico, sem palavras, que data de… 1930!

Desenvolvimento
Esta é uma história banal, pode dizer-se sem medo de errar. A história do caçador que socorre a cantora do saloon e se apaixona por ela. Parte depois, em busca de riqueza, aliciado por um sócio ardiloso, que explora o seu trabalho e foge com os lucros. Dizendo-o morto à noiva, casa com ela e partem para a grande cidade. Em sua perseguição, o caçador ultrapassa mil e um perigos até o desenlace final.
Uma história que, com maiores ou menores variações, já foi contada, na literatura e no cinema, em folhetins radiofónicos e até na própria banda desenhada.
Mas, possivelmente, nunca como desta vez, por Milt Gross. Em sequência gráfica narrativa sem palavras. E sem música! O que é mais surpreendente se atendermos a que se trata de uma obra de 1930, quando quase todos os “grandes” quadradinhos davam ou estavam para dar ainda os primeiros passos.
E, atente-se, esta obra, 80 anos depois, é de uma frescura imensa, inovadora na forma e divertida no conteúdo.
Traçada com um desenho nervoso, mais próxima do cartoon do que do estilo realista que em breve imperaria nos EUA, assenta também num registo humorístico que surge variadas vezes ao longo da trama, numa aproximação à comédia muda cinematográfica – “herdeira do cinema de Chaplin”, escreve Nuno Franco na introdução da obra – e do desenho animado iconoclasta que (na sua maior parte) estava para vir. O que não quer dizer que, pontualmente e de forma surpreendente no contexto, Gross não demonstre outras capacidades gráficas nalgumas vinhetas de traço mais realista.
O humor - sempre patente ao longo das pranchas – tem alguns apontamentos geniais, mesmo que por vezes contraste como o momento imediatamente anterior ou posterior.
É o que acontece logo na cena inicial do assédio dos lenhadores à cantora, interrompido com violência por uma faca que crava um braço na parede, que depois desemboca num combate divertido, que estabelece desde logo o tom de comédia do registo e que coloca o protagonista ao nível de um outro herói dos quadradinhos, o marinheiro Popeye, com quem tem diversos pontos de contacto: a grande força, a simplicidade, a ingenuidade, a disponibilidade para ser útil aos outros… Atributos que cativam o leitor e o colocam a torcer por ele.
Outro momento semelhante ao citado, surge quando o vilão declara o caçador morto e leva a cantora à suposta tumba onde ele se encontra (pp. 37-41), vendo o leitor, numa visão mais afastada de conjunto uma cena algo diferente. Na mesma linha, a antecipar um desfecho bastante cruel, depois da sucessiva repetição de uma cena, qual bailado imparável, é o pedido de emprego da cantora na grande firma (pp. 128-153).
De puro génio são também a cena no alfaiate (pp. 89-95), a perseguição no carvão (pp. 123-126), a chegada do herói ao hospital (pp. 189-196) ou o reencontro do vilão com a sua última conquista (pp. 210-219).
A utilização – quase sempre – de uma única imagem por página, inferior à página, em posições diferentes na página – foi a forma encontrada por Gross para marcar o ritmo que mais lhe convinha – quase sempre elevado, diga-se em abono da verdade, o que acentua a proximidade à comédia muda – embora seja plenamente capaz de, em momentos específicos, trocar essa opção por páginas com várias vinhetas que quebram o ritmo e obrigam o leitor a pausar a leitura para apreender tudo o que é transmitido. É dessa forma – simples sem dúvida, mas eficaz – que mostra o estado de espírito da cantora quando a sua paixão parte com o novo sócio na bela página 27 em que predomina o negro.
Aliás, o domínio que Gross demonstra da técnica narrativa é surpreendente, quer ao nível geral da planificação e da utilização de diferentes enquadramentos e pontos de vista, alguns bem arrojados, quer ao nível do pormenor gráfico, como quando recorre a pegadas no chão para mostrar o elevado número de pessoas presentes no saloon onde a cantora actua, logo na prancha inicial, ou quando enche de imagens um balão “musical”, para demonstrar a qualidade das suas capacidades canoras.
Do ponto de vista narrativo realce ainda para a forma como Gross gere a sua história – que poderia ter tido um final antecipado logo na página 86 ou, mais tarde, na página 200 – não fosse o acaso interpor-se em ambos os casos, prendendo o leitor, deixando-o suspenso do momento em que – finalmente – os dois apaixonados se reúnem para sempre.
Á par do “grande romance americano” que narra com mestria, Gross aproveita para traçar um retrato da sociedade norte-americana do início do século passado, onde os grandes espaços (de certa forma ainda) conviviam com a chegada (acelerada) da civilização e da indústria, uma sociedade onde o dinheiro, o lucro, a ganância (já) imperavam, onde um cancro como o vício do jogo já ditava as suas leis e onde muitos – como o vilão da história – rapidamente ascendiam à fama (social) para mais depressa ainda caírem ainda mais fundo do que estavam antes. Mas onde, também, o trabalho era recompensado tal como as boas acções, o esforço permitia subir na vida, os bons (ainda…) ganhavam sempre…

 A reter
- A obra em si. Pela concepção, pelo ritmo, pela forma como está narrada, pelas soluções encontradas, pela forma como transmite emoções, pelo humor… Integralmente.
- A forma como a história prende, obrigando a ler o livro compulsivamente, de um só fôlego. Eu tive o “azar” de o começar a folhear um dia, à 1h43 da madrugada, com as consequências que se adivinham…
- O respeito de Manuel Caldas pela obra original – leia-se a introdução na página VI – em termos de paginação do livro, respeitando as opções de leitura e de ritmo que o criador – conscientemente ou não – fez.
- A qualidade da edição da Libri Impressi. Mais uma vez.

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