01/12/2014

Blake e Mortimer: Le bâton de Plutarque





Se hoje em dia predominam o álbum ou o comic-book com episódios/histórias completas, durante anos o facto de as narrativas serem originalmente publicadas em tiras, diariamente nos jornais, ou ao ritmo de uma ou duas páginas por semana, em revistas, obrigava a uma construção diferente, mais ritmada, porque cada um daqueles elementos, individualizados, tinha de fazer sentido e de criar no leitor a vontade de continuar a leitura no dia/semana seguintes.
Ler o novo Blake e Mortimer no formato italiano, com uma tira por página, permitiu descobrir como Sente e Juillard se saíram deste desafio em particular.
Partilho a minha opinião sobre o tema, já a seguir.

Voltando um pouco atrás, se em termos de banda desenhada franco-belga a publicação de uma ou duas páginas por semana – e o limite editorial de 48 /64 páginas por álbum – contribuiu para um ritmo narrativo relativamente acelerado e levou autores como Hergé, por exemplo a sublimarem todas as suas (muitas) capacidades de planificação, sequência gráfica e de desenvolvimento do relato, com benefícios óbvios para a posterior leitura integral em álbum, já no que diz respeito ao modelo norte-americano das tiras de imprensa, a necessidade de em 3 vinhetas resumir e fazer avançar a história, torna mais penosa – o termo soa-me demasiado forte… - a sua leitura quando compiladas em álbum, pela constante actualização dos acontecimentos.
Apesar de seguir o modelo da tira, a actual edição de Blake e Mortimer evita aquele problema, desde logo por estar à partida destinada à publicação em álbum com três tiras por página, ficando a sensação – a comprovar futuramente – que é este o modelo que acaba por imperar.


O que não impede que a leitura no presente formato se revista de características bem próprias e lhe imprima um ritmo diferente, que me parece algo penalizador nas sequências mais dinâmicas ou de maior suspense, ao mesmo tempo que impede a fruição da página completa e da consequente vista de conjunto que deverá trazer ao relato mais-valias em sequências como a da batalha aérea sobre os céus de Londres logo nas páginas iniciais. E que limita igualmente a possibilidade de algumas vinhetas de maior dimensão, que se justificavam, por exemplo, na mesma batalha aérea ou na chegada de Blake à base de Scaw-Fell.


A nova história, que assume decididamente um tom de espionagem, sempre num clima de suspeição, quase sem acção directa, abusa dos textos de apoio, que embora quase sempre indispensáveis para transmitirem ao leitor toda a informação necessária, tornam mais lento o avanço. Ela tem início em 1944 e contribui para estabelecer mais alguns momentos do passado do Capitão Blake, desde logo a sua passagem – extemporânea e pouco credível nos moldes em que é relatada, a começar pelo patético acidente que vitima o homem que Blake irá substituir – do exército para os Serviços Secretos britânicos.
É também oportunidade para ver os primeiros voos do Golden Rocket, que já vimos/iremos (re)ver em O Segredo Espadão com que Jacobs iniciou a série – Le Bâton de Plutarque assume-se como antecâmara do tríptico - bem como de um engenho alemão similar ao Espadão com que Blake e Mortimer haveriam de vencer os exércitos asiáticos de Basam-Dadum e para descobrir o primeiro confronto da dupla britânica com o coronel Olrik
Aliás, tal como já sucedeu com o anterior A Onda Septimus, é notória a preocupação em estabelecer sucessivas pontes quer com a obra original de Jacobs, quer mesmo com outros álbuns posteriores de Blake e Mortimer com o intuito - digo eu – de conferir maior unidade ao conjunto e de diluir algumas diferenças entre os diversos registos.


Porque o texto já vai longo, guardarei outras considerações para quando comentar a versão portuguesa da ASA, no formato álbum tradicional…

Blake e Mortimer: Le bâton de Plutarque
Version Strips
Yves Sente (argumento)
André Juillard (desenho)
Éditions Blake e Mortimer
França, 5 de Dezembro de 2014
297 x 158 mm, 192 p., cor, cartonada
19,99 €

4 comentários:

  1. Passados estes anos todos ainda andam a fazer histórias emulando a estética do velho Jacobs??

    Decadência e senilidade. :(

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    Respostas
    1. Gostos não se discutem. Já a pesporrência da intolerância escudada na anonimidade....

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    2. Autor,
      Não: sentido comercial. E gostando-se ou não, são estas obras que permitem às editoras lançar outro trabalhos menos comerciais mas possivelmente mais interessantes para si.

      Jorge Macieira,
      Pois, gostos não se discutem, mas também penso que as sucessivas reedições de Blake e Mortimer (ou XIII ou Lucky Luke ou Astérix), mesmo quando têm aspectos positivos e interessantes, em termos artísticos apenas servem para diminuir a obra original. Mas, comercialmente... são uma galinha dos ovos de ouro!
      Quanto à questão do anonimato, não há nada a fazer, até porque tanto faz dizer 'Anónimo? como 'Autor' como 'Manuel Silva', que podemos ou não identificar quem escreve.
      Desde que não sejam comentários ofensivos ou malcriados (que também existem..., embora raramente) vou deixando que surjam aqui os comentários.

      Boas leituras aos dois!

      Jor

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    3. Caro Jorge: os gostos discutem-se, sim senhor. E a prova é que você também comentou o meu claro desgosto relativamente a estas tentativas (que eu considero caducas) de emular a "linha clara" do Mestre Jacobs.

      Compreendo que haja quem goste deste estilo. Eu próprio reconheço o bom traço destas obras. O que não aprecio é que tentem criar BDs como quem tenta ressuscitar um cadáver, que apenas se mexe, mas muito mal. Chamo a isto necromancia artística.

      Adoro as histórias originais do Jacobs. Mas, quando começaram a fazer as novas aventuras fiquei pasmado com a má qualidade dos novos livros. Acho os argumentos péssimos. E o Olrik?? Sempre o Olrik?
      Não há mais vilões no mundo do Blake e Mortimer?

      A mim isto quase parece distúrbio obsessivo-compulsivo estético. Como dizem os ingleses, é como "chicotear um cavalo morto, à espera que ele ande".

      Pessoalmente, muito melhor solução me parecem as aventuras humorísticas dos mesmos heróis, com uma nova arte e outro tipo de abordagem no argumento:
      http://www.dargaud.com/aventures-de-philip-et-francis/album-2744/menaces-sur-lempire/

      Acho também muito melhor aquilo que têm feito recentemente com a personagem do Alix, agora que é senador: http://bd.casterman.com/albums_detail.cfm?id=42765

      Pode-se gostar, ou não, do resultado final. Mas o que é certo é que a estética de Jacques Martin fica assim melhor preservada em termos de contexto histórico e artístico. A Martin, o que é de Martin, e a Jailloux o que é de Jailloux.

      Enfim... Não quero com este comentário entrar em polémicas com ninguém, ou ofender critérios de gosto. Pretendo, somente, explicar as razões do meu desgosto por esta emulação de um estilo que, em nada, homenageia o seu criador. A própria qualidade do desenho e da escrita de Jacobs basta, por si mesma, para o preservar para a eternidade.

      Nesse aspecto, a BD europeia deveria seguir os exemplos da americana. Se os super-heróis da Marvel ou da DC se conseguiram manter ao longo de todas estas décadas, foi porque novos argumentistas e desenhadores puderam sempre injectar "sangue novo" (de melhor ou pior qualidade) em personagens que, de outro modo, ficariam presas no seu contexto cronológico de criação.
      (desde que não ponham agora o novo Corto Maltese a lançar raios dos olhos, obviamente)

      Grato pela atenção.

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