05/01/2017

Achdé: “Desenhar Lucky Luke é o meu sonho de criança”




Chama-se Hervé Darmenton mas no mundo da banda desenhada é conhecido como Achdé e por ser o actual desenhador de Lucky Luke. “Há já 15 anos”, como fez questão de lembrar com visível orgulho, durante a recente passagem pela Comic Con Portugal 2016.
Tudo começou quando “em 1999 participou num álbum de homenagem a Morris”, o criador do “cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra”, que “gostou bastante das suas páginas”, como veio a saber mais tarde, quando foi convidado para se “ocupar das aventuras de Rantanplan, na forma de tiras para os jornais”.
Pouco tempo depois, Morris faleceu (em 2001) e seis meses mais tarde Achdé foi “chamado para retomar a série”. Se reconhece que “financeiramente a proposta era irrecusável”, o que o fez aceitar o convite foi “poder cumprir um sonho de criança”.
A propósito, recorda que o seu “primeiro álbum de banda desenhada foi um Lucky Luke” e que o cowboy foi o seu “primeiro amor na BD”. E também o mais duradouro, pois permaneceu ao longo de 50 anos e continua vivo.
“O mais difícil ao retomar Lucky Luke foi criar os automatismos que todos os autores têm, os pequenos gestos que se repetem sucessivamente”, relembra, “bem como a enorme pressão que o trabalho de Morris impunha”. Acrescenta ainda que, se hoje em dia são muitas as séries clássicas retomadas por outros autores (Astérix, Spirou…), em 2003 “Lucky Luke foi pioneiro; ninguém sabia o que ia acontecer, como os leitores iam reagir, mas felizmente as tiragens mantiveram-se e o público gosta do que faço”.
E esse é o seu maior orgulho, ver à sua frente “crianças com o álbum em que aprenderam a ler ou leitores mais maduros que evocam momentos de várias histórias…”, por isso valoriza muito “o contacto com os leitores” e não se imagina sem ele, como demonstrou na Comic Con Portugal pela afabilidade e simpatia com que autografou dezenas de álbuns dos leitores que esperaram pacientemente nas longas filas.
Sabe que “Lucky Luke é um trabalho para toda a vida”, mas não se “arrepende” nem sente “saudades das outras séries” que assinou, “porque todas elas tiveram o seu tempo e o seu momento, mas também pararam na altura certa. Com Lucky Luke ou Astérix não se sente cansaço, porque os temas e os lugares são muito diversificados.” Herdeiro dos grandes nomes da BD humorística, prefere este género “porque os tempos já são suficientemente difíceis para ler BD que preocupa ou entristece”.
Em paralelo com Lucky Luke, escreve e desenha as aventuras do pequeno Kid Lucky, no formato de gag de uma página em que se sente tão à vontade,e e faz questão de afirmar a sua gratidão “à viúva de Morris, que lhe permitiu criar um passado para o herói”.
Recusa a existência “de um Lucky Luke de Morris e outro de Achdé”, mas aponta diferenças: “Morris foi influenciado pelo cinema do seu tempo e isso reconhece-se na sua forma de planificar e narrar, podendo mesmo identificar-se várias fases ao longo da sua obra. Hoje, imperam as séries de TV, por isso é o seu ritmo narrativo que se reflecte nas actuais aventuras de Lucky Luke. Se Morris tivesse continuado, o seu Lucky Luke seria semelhante ao meu”, assevera. Por isso, afirma que o melhor elogio que lhe podem fazer é que “o meu Lucky Luke é igual ao de Morris e que a sua leitura continua a dar o mesmo prazer. É preciso saber renovar na tradição da série”. E conclui: “faço os álbuns que gostaria de ler”.
Ao longo destes anos, tem trabalhado com vários argumentistas. O primeiro, “Laurent Gerra, um humorista muito popular em França, trouxe muito humor à série, mas faltava consistência à história longa”. Depois, “vieram escritores como Daniel Pennac e Tonino Benacquista, com narrativas bem estruturadas mas pouco divertidas”.
No mais recente álbum, Terra prometida, fez parceria com Jul, também “autor de BD e o equilíbrio necessário foi atingido. É um álbum que aborda temas complexos, como a emigração e os judeus, mas que tanto pode ser lido por uma criança como por um adulto”. Pela primeira vez desde que assumiu Lucky Luke, “a história tem dois níveis de leitura, como Goscinny fazia” e por isso não se importava “de trabalhar sempre com Jul daqui em diante”. O que vai acontecer “pelo menos nos dois próximos álbuns, já acordados”, sendo que no segundo, “os Dalton deverão aparecer pela primeira vez” desde que desenha Lucky Luke.
Entre os seus álbuns preferidos estão “A Diligência, tecnicamente muito complicado porque ao longo de 44 páginas quase tudo se passa no espaço fechado da diligência, sempre com as mesmas personagens; Mamã Dalton, muito conseguido em termos de humor, tal como A Cura dos Dalton, o mais divertido de todos a par de Os rivais de Painful Gulch”.

(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Dezembro de 2016; clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)

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