Uma das características distintivas da longa saga do
Príncipe Valente, é o lado humano do herói, exposto – mais uma vez – nas cinco
vinhetas que hoje quero detalhar.
É verdade que Valente é um herói na completa acepção do
termo. Sozinho, com companheiros próximos - com o filho Arn a partir deste
volume -, à cabeça de exércitos de tamanho variável, frente a usurpadores,
enfrentando bárbaros, derrubando tiranos, para exigir justiça, repor a ordem,
defender o cristianismo ou exercer vingança, sempre demonstrou o que
caracteriza os heróis de papel – e os outros também: coragem, audácia,
destemor, agilidade, inteligência, sagacidade, determinação, capacidade de
comando…
Mas, a par disto, Valente – e Aleta, os filhos, muitas das
personagens com que se cruza - muitas vezes – bem mais do que nas 5 vinhetas
que o título (por isso enganador) de hoje destaca - mostra-se humano, bem
humano, tão humano como nós.
Na prancha 1260, aqui reproduzida, Valente acaba de chegar
de uma missão de resgate, após perseguir durante dias um trio de prisioneiros
de guerra fugidos que tinha raptado o príncipe Arn e dois amigos. Na vinheta 3,
de regresso, bem sucedido, acompanhado pelo filho, é recebido com rispidez (vinheta
4) pela recém-mãe (de novo). (Ainda com a depressão pós-parto?), Aleta começa
por o recriminar, por o acusar, não sabe bem de quê. Depois, passada a angústia,
o medo, mais do que a raiva, desfaz-se em lágrimas (vinheta 5) agarrada a ele,
ao mesmo tempo rocha, abrigo seguro, ser amado e… um simples homem, por isso sempre
incapaz de prever as reacções da esposa, sempre inapto na resposta adequada a
dar-lhe.
Valente, faz o que o instinto lhe dita, aquilo que Aleta
espera. Abraça-a, conforta-a e, no meio da inesperada tempestade conjugal,
ainda consegue surpreender-se, ‘maravilhado’: a mulher que até há poucos dias
estava grávida, mais volumosa pelo filho que carregava, está (de novo) ‘muito
delgada’! [Bela, apetecível, desejável? – Será isto que Foster nos (não) diz?]
Com amor, com cuidado – meio perdido, ainda – pousa-a num
sofá (vinheta 6), ‘acaricia-lhe o cabelo’ e Aleta, passada a angústia, o medo,
reencontrado o filho e o marido que ama, libertada finalmente do peso que a
oprimia, adormece serenamente ‘mais cansada do que é suportável’, diz a fiel Katwin.
Na vinheta final, a 7, Aleta ‘enquanto se desvanecem
lentamente as rugas do seu rosto’ – mais uma vez, de novo (muito) bela, (mais)
apetecível, (ainda mais) desejável, na pose natural, no desprendimento do sono
inesperado -volta a ser a mulher amada, que Val ‘contempla [mais uma vez]
fascinado, de novo, sempre, enamorado. Porque acabou de fazer (mais uma vez,
pela enésima vez?) uma descoberta: ‘a sua maravilhosa rainha não é mais do que
uma mulher mortal’!
Como ele.
Também por isso, Valente, para além de tudo o mais que acima
referi, revela-se inconstante: quando está longe arde de saudades e de desejo
de regressar para perto da mulher amada, da família que quer, mas, mal chega,
sente de novo o desejo de partir, o apelo da aventura, quando, na verdade, mais
se afirma, quando sabe quem é, o que faz, como faz, porque faz, é herói. O que
é mais fácil do que ser apenas marido e pai.
[Esta é uma das primeiras pranchas deste livro e ao lê-la o
tema e a estrutura deste texto surgiu-me de imediato. Poderia ter escolhido
diversas outras, pois este volume é feito de muitas despedidas e reencontros,
devido às sucessivas viagens empreendidas pelo protagonista, das Ilhas das
Brumas a Camelot, da peregrinação com Arn a Jerusalém à travessia do
Mediterrâneo para o Atlântico pela Hispânia, das passagens pela decadente Roma,
a histórica Antioquia ou a hoje (tristemente) célebre Alepo.
Não era ideia inicial escrever mais do que o que acima
ficou, mas após a leitura completa não consigo deixar de o fazer: este volume é
feito, também, claro está, das viagens e da faceta heróica de Val e das suas
façanhas mas, talvez mais ainda, das várias e diversificadas histórias das
personagens passageiras (não secundárias) com que se cruza em poucas vinhetas
ou ao longo de várias pranchas/semanas, como a menina que se torna mulher, o
frade que gostava de esculpir monstros, a jovem expulsa pelo seu povo cujo
carácter se forja no calcorrear sozinha de montes e vales num mundo de homens,
o escravo libertado mas agrilhoado pelo amor, o jovem grego dominado pelo ciúme,
o herdeiro do condado que se revela fraco governante, até a foca brincalhona...
Mesmo que, muitas vezes apanhemos as suas histórias a meio e os percamos de vista
antes de sabermos como acabam…]
Príncipe Valiente 1961-1962
Los Principes Mercaderes
Harold R. Foster
La Imprenta
La Imprenta
Uruguai, Setembro de 2016
260 x 340 mm, 112 p., pb, capa mole
680 pesos uruguaios / 25,00 €
(imagens disponibilizadas pelo editor; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
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