20/11/2018

Blake e Mortimer: O Vale dos Imortais I

 
Puro Jacobs
A melhor expressão para classificar este álbum é a que está acima: puro Jacobs.

Para o bem e para o mal.
Não sendo já novidade, deixem-me recordar: em O Vale dos Imortais, os autores tomam como ponto de partida as últimas pranchas do tríptico O Segredo do Espadão, a aventura original dos heróis criados por Edgar Pierre Jacobs, datado de 1946, e propõem uma continuação na qual Blake e Mortimer terão de fazer face a uma nova ameaça surgida no coração da China, associada à qual está mais uma vez Olrik. Para isso, vão até Hong Kong onde pretendem instalar o primeiro bastião de resistência ao novo perigo, baseado numa nova invenção do professor.
Escrevi acima que este álbum é ‘puro Jacobs’ para o bem e para o mal, e passo a explicar.
Para o mal, porque Yves Sente - de forma inteligente e compreensível, refira-se - optou por mimetizar ao pormenor o estilo narrativo de Jacobs. Sente, usa e abusa dos textos de apoio, muitas vezes repetitivos em relação ao que as imagens narram - tal e qual Jacobs fazia. Para além disso, regressa à planificação ‘sobrelotada’ que o grande mestre belga utilizou nos primeiros álbuns, com as páginas quase sempre com quatro tiras, muitas delas ainda subdivididas, frequentemente com 12 ou mais vinhetas. Isso permite-lhe criar um argumento compacto, muito bem estruturado e esmiuçar a fundo diversos aspectos do relato, dando-lhe consistência e solidez. De tal forma que, na verdade, há muito não demorava tanto tempo a ler um álbum de 64 páginas, como me aconteceu neste, que dá ideia de ter muitas mais.
Falta-lhe, obviamente - não podia ser de outra maneira, o carácter de ficção/antecipação-científica que era imagem de marca de Jacobs, que escrevia e desenhava, tentando antever o futuro, enquanto que a equipa de O Vale dos Imortais criou em 2018 uma narrativa ambientada na passagem da década de 1940 para 1950...
Ainda na peugada do estilo Jacobs, os bons e os maus são facilmente identificáveis, mesmo quando supostamente estão disfarçados - e mais não digo sobre isto.
Sente faz bem a ligação às pranchas finais de O Segredo do Espadão, aproveitando algumas vinhetas - e até textos - sobre as quais foi aplicado - abrindo ou fechando - um zoom. [E posso estar a ser picuinhas - até porque isto não afecta em nada a leitura - mas teria ficado bem se a actual tradução tivesse ido buscar à anterior edição ASA de O Segredo Espadão - a magnifica colecção com lombada em tela, editada em parceria com o jornal Público - os textos que são comuns às duas edições. Mas, já agora, como no melhor pano cai a nódoa, não posso deixar de referir como Sente transformou 1 mês em 15 dias...]

 

Graficamente, Teun Berserik e Peter Van Dongen, os dois desenhadores holandeses seleccionados para este desafio, cumpriram na perfeição o que lhes era pedido: a reprodução tal e qual do estilo gráfico de Jacobs, rigoroso, detalhado, numa perspectiva até da evolução que ele sofreu após O Segredo do Espadão e até A Marca Amarela. Virar as páginas deste álbum é, desta forma, uma espécie de um regresso a um passado que para uma geração ou duas foi marcante e teve grande impacto.
Nem de propósito, li recentemente uma afirmação de Étienne Davodeau que - cito de cor - dizia não compreender os autores que se satisfazem por ‘copiar’ ou ‘clonar’ o estilo de outros. Se ela se aplica como uma luva ao trabalho desenvolvido em O Vale dos Imortais por Sente, Berserik e Van Dongen, a verdade é que isso proporciona que nós, leitores mais antigos, desfrutemos de uma aventura ‘clássica’ que é - lá está...! - ‘puro Jacobs’. Embora eu questione como reagirão os leitores mais recentes da dupla britânica, ‘empurrados’ aqui para um estilo e uma forma narrativa que ostenta - voluntariamente - os sinais da passagem do tempo - embora as sucessivas retomas de Blake e Mortimer por diversas equipas criativas, nunca as tenham apagado completamente.
Mas, na verdade, eu desfrutei da leitura...

O Vale dos Imortais I - Ameaça sobre Hong Kong
As aventuras de Blake e Mortimer segundo as personagens de Edgar P. Jacobs
(edição disponível em duas capas diferentes: uma genérica, no topo, à direita, e outra exclusiva das lojas FNAC, no topo, à esquerda)
Yves Sente (argumento)
Teun Berserik e Peter Van Dongen (desenho)
Edições ASA
Portugal, 20 de Novembro de 2018
235 x 310 mm, 64 p., cor, capa dura
15,90 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar belas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. É facílimo saber quem são os vilões nos livros do Jacobs, os mauzões fumam cigarros (além de terem caras de poucos amigos, feições contraídas) e os bonzões fumam cachimbo e têm ar simpático.

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  2. Bom dia, acabei de ler ontem à noite...e fiquei embasbacado... de queixo caído...surpreso...Foi como recuar quase cinquenta anos, uma autêntica maravilha. Uma BD de "saudade". Ler o Vale dos Imortais foi como ouvir o meu pai a chamar para vir comer, enquanto acabava de ler uma prancha do Espadão no velhinho álbum da Ibis que ainda conservo, abraço a todos.

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