Ontem como hoje, um mundo apodrecido
Os
tempos mudam (dizem alguns...), a tecnologia atinge um nível que há
poucos anos era inimaginável, assistimos a avanços em diversas
áreas mas... o ser humano continua igual.
Fanatismo
religioso (e político), intolerância, ignorância, desrespeito pela
opinião dos outros são temas actuais que, no entanto, não diferem
assim tanto dos que imperavam há 100 ou 200 anos. É pelo menos o
que depreendemos da muito aconselhável leitura de Undertaker
8 - O mundo segundo Oz,
edição recente da Ala dos Livros que fecha (?)no quarto díptico (com um final suficientemente aberto para o transformar num tríptico?) de um
dos melhores westerns
que a BD conheceu, iniciado em Mister Prairie.
É uma obra de ficção, claro, em que possivelmente os autores espelham alguns dos seus receios em relação ao nosso presente, mas a verdade é que figuras como a irmã Oz, pregadora da pureza e da palavra de Deus - do Deus como ela o vê e cuja vontade interpreta a seu bel-prazer - têm lugar tanto há dois séculos como hoje. Infelizmente. Em seu redor, os lacaios lambe-botas do costume, interessados em pão e circo, em dinheiro e poder... ou em tentar esconder os seus próprios podres.
Com esta base, O mundo segundo Oz fala-nos de uma gravidez fruto de violação que alguém quer interromper, de amores desencontrados que os protagonistas tentam negar, de segredos esconsos que a prepotência revela, de uma sociedade americana que, então como hoje, surge profundamente dividida porque ainda a lamber as feridas profundas da guerra civil.
O protagonista continua a ser Jonas Crow, cangalheiro a domicilio, cujo uso profuso de citações enviesadas de um evangelho muito próprio pontua brilhantemente o humor negro que perpassa por toda a série e que é um dos seus pontos distintivos. A par dele, o argumentista Xavier Dorison assume um tom claramente cínico e descrente da condição humana, que eleva um 'simples' western para outro nível de leitura.
Graficamente, o desenhador Ralph Meyer continua a brilhar intensamente, com um traço realista extremamente dinâmico e uma composição de página livre e multifacetada com que marca o ritmo narrativo que raramente tem momentos de acalmia.
Esta parceria continua a construir e desenvolver a série e as suas personagens, tornando-as consistentes, credíveis e muito interessantes, num tempo em que a miséria, o ódio e a vingança imperavam. Como hoje.
Undertaker
8 - O mundo segundo Oz
Xavier
Dorison (argumnto)
Ralph Meyer (desenho)
Catherine Delaby (cor)
Ala dos Livros
Portugal,
Outubro de 2025
235
x 310 mm, 64
p., cor,
capa dura
19,95 €
(versão revista e aumentada do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 14 de Novembro de 2025 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)



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