05/03/2019

Bruno Brazil: L'Intégrale #2

Da emoção à razão

Nunca coleccionei a revista Tintin nem fui seu leitor regular, mas li, por atacado ou já em álbum, muitas das histórias nela publicadas. No que à aventura diz respeito, houve um díptico que, no momento da sua leitura, ainda adolescente, me marcou bastante: era constituído pelos episódios A noite dos chacais e Sarabanda em Sacramento, que tinham por protagonistas a Brigada Caimão dirigida por Bruno Brazil.
A sua releitura, há dias, provocou-me, num primeiro momento, uma reacção de desilusão.
Comecemos pelo resumo: de regresso à sua São Francisco natal, Gaúcho Morales, um dos 'caimões' descobre que os seus pais estão a ser extorquidos por mafiosos locais e que toda a cidade está sob o jugo de duas famílias italianas. Daí ao apelo aos restantes caimões, vai um curto passo, com o grupo de Brazil, de forma cirúrgica e bem planeada, a provocar uma autêntica guerra entre elas. Pelo meio, ficam vários episódios de grande impacto, o principal dos quais o ataque dos caimões ao casino, todos eles guardados na minha memória, fruto das repetidas leituras que fiz dos velhinhos álbuns da Bertrand.
Relidos agora, no segundo integral dedicado a Brazil, 46 anos depois da sua publicação original e uns 40 anos depois da sua descoberta por mim, os relatos surgem datados. As curtas 46 pranchas de cada um não permitem um adequado desenvolvimento das situações, obrigando a uma resolução demasiado rápida e fácil de situações demasiado complexas. A distinção entre bons e maus é aqui - ainda... - demasiado marcada e os artefactos e equipamentos que a Brigada Caimão utiliza, soam hoje a relíquias ultrapassadas.
Daí a desilusão que vinquei no início.
No entanto, foi essa mesma desilusão que me obrigou a sopesar de novo estas obras e a tentar descobrir o que me tinha fascinado então. Possivelmente, numa tentativa de regresso ao prazer descomprometido que experimentei algumas vezes na sua leitura.
Sem que as marcas do tempo desaparecessem, a verdade é que Bruno Brazil, apesar de tudo, continua a ser uma série que vale a pena (re)ler, embora deva ser considerada no seu contexto original.
William Vance, estará aqui, possivelmente, perto do seu auge, com um traço realista, duro, um pouco 'sujo'. de rostos expressivos e situações dinâmicas, com uma planificação clássica que com alguma frequência explode - por vezes literalmente - em cenas de meia página ou mesmo página inteira, o que era pouco habitual então.
Quanto a Greg, conseguiu por um lado criar uma equipa de protagonistas aparentemente invencíveis com as quais a empatia dos (jovens) leitores era fácil e imediata, mas, ao mesmo tempo, dotá-los de características bem humanas, mostrando-os falíveis e com dúvidas, a sofrer pelos outros, com dificuldade em gerir as emoções próprias, o que os leva até a pesar o risco - negando a sua plausível 'bondade' - quando utilizam medidas extremas em nome de um bem 'global' maior. A principal dessas características humanas será mesmo a sua mortalidade - quão longe dela estavam os heróis de papel de então - como será mostrado cirurgicamente no título seguinte, Batalha no Arrozal (que, pessoalmente, nunca apreciei) e, de forma devastadora e até chocante, em Quitte ou doble pour Alak 6.
Para além disso, algumas das temáticas abordadas, mantêm-se actuais hoje em dia ou ganharam até nova actualidade - veja-se, por exemplo, o tráfico de seres humanos em Orage aux Aléoutiennes - o que permite manter (ainda) o interesse dos leitores.
Na prática, se parte de mim preferia ter mantido a doce ilusão adolescente, a verdade é que esta transição da leitura feita na origem com a emoção para uma leitura balizada pela razão me enriqueceu enquanto leitor.

Bruno Brazil: Intégrale #2
Inclui um dossier sobre a série e os álbuns La nuit des chacals, Sarabande à Sacramento, Des caïmans dans la rizière e Orage aux Aléoutiennes
Greg (argumento)
Vance (desenho)
Le Lombard
França, 2013
222 x 295 mm, 224 p., cor, capa dura
EAN: 9782803631230
25,50 €

(pranchas disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Já passei por essa mesma experiência com esses mesmos albums, a arte é escorreita e digna do melhor de Vance numa altura em que trabalhava mais os cenários/décors envolventes mas estes albums envelheceram, encontram-se datados, não sei se devido ao tom humorístico de paródia aos filmes do James Bond ou se devido mesmo aos gadgets emprestados aos filmes do Roger Moore, 007 da altura.

    Mas o "Batalha no Arrozal", outro album da série, é algo intemporal, já reli recentemente por diversas vezes e aguenta-se bem, o tom também é mais sério, este é dos meus preferidos junto com o "Imperador de Macau", aventura do Bob Morane, outro trabalho do Vance que se destaca no personagem pois não é rocambolesco e centra-se bastante no desenvolvimento psicológico dos personagens.

    Isto para falar do Vance da revista Tintin da altura, nos anos 70.

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