26/11/2020

O passo seguinte

Não fosse a sua exígua dimensão, e teríamos mais razões para estarmos satisfeitos com o mercado português de banda desenhada. Mas temo-las, mesmo assim, num momento em que aqui e ali há indicações de que ele já está a dar o passo seguinte.


Mercadinho

Sejamos claros. Aos olhos de muitos, pode não ser um verdadeiro mercado de BD, apenas um ‘mercadinho’. Há várias editoras (quase todas) de uma pessoa só, sem uma verdadeira estrutura - com as respectivas vantagens e custos. Pessoas que, nalguns casos, encaram a edição como um segundo emprego, uma oportunidade de se dedicarem a uma arte que apreciam, com algum ganho monetário. Este é o lado mais negativo, a par das tiragens curtas, que em muitos casos rondam ou pouco passam o meio milhar...

Mas, por outro lado, parece-me que nunca houve tantos a editar nem tanta variedade editorial. O que se reflecte na variedade de quem compra; já não um núcleo duro que compra tudo, antes vários 'núcleos' especializados em géneros.

Porque hoje, em Portugal, edita-se franco-belga, manga, espanhóis, algum Bonelli, alguns super-heróis, comics americanos, muitos romances gráficos, produção diversificada de autores portugueses, colecções de banca que nunca julgáramos possíveis.

Quase todas obras recentes, mas também boas reedições - mesmo que pontuais - de clássicos.

Temos séries completas, colecções em curso - que os leitores acreditam que chegarão ao fim -edições integrais…

E temos edições cada vez mais cuidadas, de melhor qualidade gráfica, de impressão, de acabamentos…

É verdade que há quem não esteja satisfeito - há sempre. De certeza que todos nós, que lemos regularmente BD, poderíamos pedir uma miríade de títulos (diferentes) que continuam inéditos; todos nós tínhamos preferido que esta série saísse num só volume ou aquela em quatro; que esta obra tivesse saído a cores ou aquela a preto e branco; este livro maior, aquele mais pequeno; este com melhor qualidade, mesmo mais caro, aquele em capa mole para ficar mais barato…

Mas, quem faz as escolhas são os editores e acredito que - em cada caso - optam por aquela que - aos seus olhos, aos olhos de quem arrisca o dinheiro - parece ter mais hipóteses de sucesso.

E acredito - sinceramente - que, se há 10, 12 anos nos pusessem em cima da mesa o ‘mercadinho’ que hoje temos, quase todos assinaríamos por baixo, sem pensar duas vezes.



O passo seguinte

Depois dos integrais, das capas com aplicações e texturas diversas, os últimos meses puseram-nos perante aquilo que me parece ser o ‘passo seguinte’ na edição de BD.

Filipe Melo e Juan Cavia pré-venderam 100 exemplares de Balada para Sophie, por 100€ com oferta de uma prancha.

No caso da Escorpião Azul, as primeiras encomendas de Haverá um amanhã,  de Véte, tiveram direito a oferta de uma prancha original do livro.

Por outro lado, as aventuras de Blake e Mortimer há muito que apresentam uma capa variante exclusiva das lojas FNAC. A Seita fez o mesmo para os dois Lucky Luke fora de colecção que editou em 2020 - O homem que matou Lucky Luke e Lucky Luke muda de sela.


Do segundo,
propôs também um ex-libris numerado e assinado pelo autor, com uma tiragem de 199 exemplares. Com o próximo Shangai Dreams - uma significativa co-edição Arte de Autor/A Seita - acontecerá o mesmo, sendo a tiragem do ex-libris mais reduzida: apenas 99 exemplares.

E, que dizer, da edição do momento, a da Ala dos Livros que assinala os 25 anos da Alice do Luís Louro? O álbum normal em capa dura; uma edição especial, limitada a 500 exemplares, com um generoso caderno de extras entre perguntas ao autor, material de preparação do livro e um 'imenso' desdobrável com a capa original, selo branco da editora, numerada e assinada pelo autor. E, ainda, numa edição 'especialíssima', o conjunto dos dois álbuns ‘embalados’ numa manga, um desenho de Luís Louro na edição especial e um fotolito da edição original, devidamente certificado…

Para mim, é este o passo seguinte: transformar uma parte de algumas edições em objectos altamente apetecíveis pelos fãs, primeiro, mas também por aqueles que poderão passar a olhar para a BD, como um (pequeno) investimento a médio prazo.


E agora?

Estes primeiros (?) passos foram dados num ano de todo atípico. E, na verdade, ainda estão por avaliar as reais implicações da pandemia de Covid 19 sobre o nosso ‘mercadinho'.

Porque, se em 2020, o número de edições de BD em Portugal está ao nível de 2019 - sem que se tenham realizado os eventos que costumam ser os pontos altos de lançamentos e vendas, o Salão de BD de Beja e o Amadora BD - temo que no próximo ano - nos seguintes? - eles se façam sentir e provoquem uma redução de títulos e nova recessão editorial…

Esse não é um exclusivo nacional, acontece um pouco - ou muito - por toda a parte. São muitas as notícias de títulos adiados, demasiadas as de livrarias com dificuldades, os autores também são inevitavelmente afectados.

As dúvidas são muitas, as respostas quase nenhumas, porque passarão na maior parte dos casos pela resposta global que as sociedades e as economias sejam capazes de dar.

E pela forma como as editoras sejam capazes de se reinventar e de tornar mais aliciantes as suas propostas...

(imagens disponibilizadas pelas editoras; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Por este caminhar voltamos ao passado. Se as editoras verificarem que as edições dita especiais vende em maior número que as ditas normais na minha opinião as futuras edições com obras novas irão ficar na prateleira . O mercado de BD afinal não passa de um mercadito...

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