Para pequenos e... grandes!
Entre nós, a banda desenhada para crianças, um dos mais importantes vectores deste mercado específico, tem sido tradicionalmente esquecida e descuidada pelas editoras, talvez porque alguns continuem achar que esta é uma arte (apenas) para crianças logo todas as obras são para elas vocacionadas.
É por isso de saudar a edição de O Vento nos Salgueiros, embora seja um daqueles casos em que "os adultos são mais sensibilizados por ela", diz o seu autor Michel Plessix. "Eu tento fazer histórias com diferentes níveis de leitura para diferentes escalões etários. A BD para crianças sempre me seduziu. Foi o que alimentou a minha infância e é por causa dela que trabalho na minha profissão".
O Vento nos Salgueiros, adaptação do romance homónimo de Kenneth Grahame. é uma das séries mais (merecidamente) premiadas dos últimos anos, pelo ambiente calmo e repousante (bem diferente do ritmo frenético e da violência que domina as atuais criações para a infância) que emana de uma narrativa animalista, onde o importante são os pequenos nadas do dia-a-dia, a natureza, amizade, a poesia, o desenho, quando os animais falavam, o tempo parecia mais longo, o corre-corre actual não existia, o stress ainda menos e as vidas eram calmas e sossegadas, preenchidas com os pequenos-grandes nadas, os passeios pela natureza e as longas conversas entre amigos que são a base da alegria e da paz.
Os protagonistas, onde se encontram mais as qualidades do que os defeitos inerentes ao ser humano, são o inocente e tímido Toupeira, sempre com o seu caderno dos esboços onde tenta captar cada instante de beleza e felicidade ("gosto muito do Toupeira. Aprecio a sua gentileza e inocência. Para fazer uma personagem ganhar vida, temos de lhe incutir uma parte nós mesmos."). O Rato, astuto, inteligente, marinheiro e poeta, e o Sapo, impetuoso e inconsciente, que salta de obsessão em obsessão, em busca de nova emoções e aventuras, para onde arrasta os seus amigos. Todos eles animais geralmente mal-amados, opção não de todo inocente, porque por trás de uma história doce e relaxante, "de conforto e reconforto", não deixam de subentender-se críticas aos males do (nosso) mundo real.
O traço de Plessix é fino e delicado, à medida da história despretensiosa e descontraída que faz desenrolar de forma quase cinematográfica frente aos nossos olhos, cansados da azáfama diária, num conjunto revestido de cores suaves e agradáveis, onde não faltam referência aos grandes da pintura como Manet, "um dos meus pintores preferidos. Gosto da sua paleta de cores, do seu trabalho com a luz, do tempo que passa, dos seus enquadramentos e das suas composições".
Nota final
A minha leitura de O Vento nos Salgueiros foi feita nos quatro volumes editados em português pela Witloof, entre Novembro de 2001 e Agosto de 2002 e não no integral editado em Junho de 2024 pela Arte de Autor (que merecia uma capa melhor, onde já se exibisse toda a beleza e poesia do traço de Plessix).
O
Vento nos Salgueiros
Baseado
no
romance
homónimo
de
Kenneth
Grahame
Michel
Plessix
Arte
de Autor
Portugal,
Junho
de 2024
236
x 285
mm, 128
p., cor, capa dura
29,95
€
(versão revista e composta dos textos publicados nas edições em papel do Jornal de Notícias a 8 de Janeiro e a 15 de Outubro de 2002; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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