Duro
Durante alguns anos devorei romances policiais - os pequenos tomos da mítica colecção Vampiro, geralmente emprestados às caixas! - e, naturalmente, criei preferências e autores a evitar - como se a constante fome de leitura o permitisse...
Se dava prioridade a Mickey Spillanne e ao seu hiper-violento detective Mike Hammer, aos casos de tribunal de Perry Mason, escritos por Erle Stanley Gardner, ou às trabalhosas deduções de Nero Wolfe, de Rex Stout, ou, inevitavelmente, de Hercule Poirot, de Agatha Christie, nunca fui especialmente seduzido pela escrita de Georges Simenon nem pelo seu detective Maigret.
No entanto, as boas referências que me têm chegado sobre as recentes adaptações de obras do romancista francês, convenceram-me a embarcar a bordo deste Polarlys, como mais um passageiro.
Aprendi no posfácio - em que fiquei siderado com a capacidade e a velocidade de escrita de Simenon - que este foi o seu primeiro livro 'sério', o primeiro também dos seus romances 'duros'. 'Duros' porque custosos a escrever, 'duros' no estilo, na forma de escrita, no tom acusatório.
Em boa hora o fiz porque este Le Passager du Polarlys se revelou uma leitura dura, sem qualquer dúvida, mas também uma leitura aliciante e desafiadora, pela forma esgotante como a história se desenrola, entre silêncios, dúvidas, desconfianças e uma viagem interminável que leva o vapor que dá título ao livro, a percorrer a costa norueguesa para entregar e recolher correio, víveres e outros bens de primeira necessidade, entre o denso nevoeiro, as violentas tempestades, o frio de cortar e a neve omnipresente.
Partindo com uma conquista de ocasião, arrancando verdadeiramente com uma morte por overdose, Le Passager du Polarlys pode ser considerado um policial em 'quarto' - na verdade um navio - fechado, onde a ignorância - dos passageiros e dos leitores - a desconfiança e as suspeições, tornam o clima irrespirável e a viagem um martírio.
Se o desenho de Christian Cailleaux a princípio parece destoar do tom adoptado, a verdade é que as variações de estilo, de cor e mesmo a adequação do traço aos momentos do relato, se revelam uma escolha de primeira ordem para ilustrar no papel a escrita dura - exactamente - e desencantada de Simenon e José-Louis Bocquet revela-se exemplar na sua transposição do romance para as pranchas desenhadas.
Le
Passager du Polarlys
José-Louis
Bocquet
(argumento)
segundo Georges Simenon
Christian
Cailleaux
(desenho)
Dargaud
França,
2023
220
x 288
mm, 80
p., cor, capa dura
com sobrecapa
25,00
€
(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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