Elevada desilusão
Apresento-me
desde sempre primeiramente
como
um 'leitor de argumentos' - sem que isso signifique uma divisão
absurda e impossível entre texto e desenho na banda desenhada - mas
reconheço - não podia ser de outra forma - que o desenho é o que
primeiro atrai o potencial leitor.
Mas
também o que primeiro o pode afastar, como me aconteceu em
Vertigeo,
cujo
lado gráfico me foi desmotivando tornado
quase penosa uma leitura de que me aproximei bastante curioso e
disponível.
Vertigeo - que pode ser lido como uma analogia à bíblica Torre de Babel, na sede de conhecimento e no desejo de 'tocar o céu' que move (ou parece mover) os seus protagonistas e figurantes - tem como ponto de partida a construção de uma torre quilométrica - literalmente - que tem como objectivo (e)levar o ser humano acima da camada de nuvens tóxicas que um cataclismo provocou em paralelo com o desaparecimento de quase toda a humanidade. Por isso, grande parte do relato desenrola-se nas plataformas onde vão sendo construídos novos andares e centrada na especificidade da construção e da sociedade que a promove e controla.
O meu problema, logo nas páginas iniciais, foi o desenho de Amaury Bündgen - claramente denunciador de primeira obra - com sucessivas e contínuas dificuldades da representação de um corpo humano anatomicamente equilibrado, no fraco tratamento dado aos rostos, nas 'deformidades' (gráficas) que muitas personagens ostentam e de igual modo no pobre desempenho na representação dos cenários, sejam eles apocalípticos (como nas primeiras páginas), ou as plataformas de fundos parcos ou mesmo vazios.
Depois de abrir o livro aberto a premissas sedutoras, confesso que a leitura se foi tornando cada vez mais custosa e que a partir de certo momento só a chegada ao final da centena e meia de pranchas e o ansiar por um desfecho que a tornasse compensadora conseguiu manter.
...mas a verdade é que esse tal desfecho proposto por Lloyd Chéry, com o pífio acrescentar da cor nas páginas finais, pese o seu lado negro e provocador e a evidente acusação político-social que lhe está inerente, se revelou demasiado limitado para justificar tudo o que ficava para trás. E levou até a questionar o excelente tratamento - formato generoso, bom papel, capa dura - dado pela ASA a esta edição
Acredito que o mesmo resultado poderia ter sido obtido com apenas uma ou duas dezenas de pranchas - então assumidamente uma primeira obra, uma obra de busca de caminho e crescimento gráfico que posteriormente levasse Bündgen a evoluir... o que me parece difícil, dada a (indesejada e limitada) uniformidade gráfica que Vertigeo ostenta.
Vertigeo
Lloyd
Chéry (argumento) segundo
Emmanuel Delporte
Amaury
Bündgen (desenho)
ASA
Portugal,
Maio de 2025
241
x 318 mm, 144 p., cor, capa dura
27,50
€
(imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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