Kurt Busiek (argumento)
Alex Ross (desenho)
BDMania (Portugal, Novembro de 2009)
175 x 262 mm, 240 p., cor, cartonado
Entre as muitas obras editadas com o selo da Marvel Comics, algumas há que se destacam pela sua qualidade e/ou originalidade. É o caso deste “Marvels”, cuja edição original norte-americana completou recentemente 15 anos mas que surge pela primeira vez numa (excelente) edição portuguesa (complementada com diversos extras), que reúne ambas as qualidades.
Desde logo, porque não é uma história ‘de’ super-heróis mas sim ‘sobre’ super-heróis, uma vez que estes, nas suas breves aparições de fundo, sempre distantes dos comuns mortais, quais deuses descidos à terra, servem apenas de pretexto para o avanço da narrativa, que explora a influência e as reacções que o surgimento do Capitão América, Quarteto Fantástico ou Homem-Aranha – quais semi-deuses fora do alcance e do entendimento dos mortais - teve nos cidadãos comuns.
Porque a história, baseada no percurso profissional e pessoal de Phil Sheldon, seguida pelo seu olhar – pela lente, uma vez que é um fotógrafo freelancer, acompanha (a cobertura que ele faz d)a génese e do desenvolvimento do Universo Marvel, primeiro com o Capitão América e o Tocha Humana, heróis de guerra contra os nazis; mais tarde, nos anos 60, com o aparecimento dos super-heróis “com problemas humanos”. Por isso, os fãs do género facilmente reconhecerão momentos marcantes ou recorrentes desse universo, como o casamento de Reed e Sue Richards, a morte de Gwen Stacy, as cruzadas de Jonah Jameson contra o Homem-.Aranha ou o ódio contra os mutantes X-Men. Mas, convém referir, o seu desconhecimento não é óbice para o pleno desfrute da obra.
Iniciada no final dos anos 30, a narrativa, subjectiva, feita em off por Sheldon, como tantos outros surpreendido pelo aparecimento dos super-heróis, que ele próprio apoda de maravilhas, vai mostrando como os salvamentos in-extremis e os actos heróicos dos super-heróis – bem como os seus efeitos colaterais… - vão influenciando a maneira de pensar e agir dos norte-americanos. Aliás, embora nunca percam para ele esse encanto – o que o leva a escrever um livro sobre eles - Sheldon não consegue deixar de acompanhar, mais, de experimentar, as mesmas reacções das multidões, consoante os momentos: surpresa, primeiro, depois confiança, mais tarde, dúvida, revolta, acusação... Numa bela demonstração da volatilidade do comportamento humano e da prevalência das emoções sobre a razão. E do medo e da desconfiança que o ser humano sempre mostra em relação a(o) que(m) é diferente.
Graficamente, “Marvels” é deslumbrante, com Alex Ross a multiplicar planos e vistas, alguns dos quais arrojados e de belo efeito, numa planificação multifacetada. O seu traço detalhado, (quase) fotográfico, confere à obra um tom mais realista, dando ao leitor, muitas vezes, a sensação de estar a ler uma reportagem sobre factos reais e não (apenas…) uma ficção, estabelecendo assim o tom adequado ao registo e contribuindo decisivamente para prender o leitor página após página.
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 20 de Fevereiro de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)