Denis Lapière (argumento)
Rúben Pellejero (desenho)
Dupuis (Bélgica, Abril de 2009 e Maio de 2010)
236 x 306 mm, 56 + 56 p., cor, cartonados
Resumo
México, Janeiro de 1942. É noite. O passageiro de um táxi pede ao motorista para parar no meio da rua. Pede-lhe que espere, sai e deposita no chão empedrado um lenço feminino. Volta ao carro e convida o condutor para beber um copo, enquanto lhe conta uma história. A história do fotógrafo norte-americano Edward Weston e da actriz, modelo e fotógrafa italiana Tina Modotti e da sua relação, ao mesmo tempo forte e distante, num país sacudido pela revolução onde sopram os ventos de (todas as) liberdades.
Desenvolvimento
É uma história – uma biografia ficcionada – que ele conta com exactidão mas também parcialidade, com a emoção só possível a quem conviveu de perto com os biografados. Porque o narrador, que suportará o relato ao longo dos dois tomos, é Théo, amigo dos dois amantes. Porque Weston deixou mulher e filhos na pátria para se juntar a Tina e para procurar um sentido para a fotografia, o meio – a arte - que escolheu para expressar os seus sentimentos e visões do mundo, num México conturbado e em plena efervescência, onde revolução rima com liberdade – todas as liberdades – e com arte (todas as artes, com destaque para as dos “muralistas” como Diego Rivera ou Xavier Gerrero).
Por isso, este relato acaba por se desenvolver a três níveis, que se entrecruzam e são indivisíveis. Por um lado, a relação dos dois, propriamente dita, feita de sensualidade, paixão e ciúme pois Tina, mesmo amando Weston, nunca foi mulher de um homem só, e ele, também, está dividido entre a sensual amante e os filhos que deixou (com a mulher) nos EUA.
Depois, o relato tem uma forte componente política, discutida em rodas de amigos, patente no contexto histórico que suporta a narrativa, entre a repressão conservadora e a (tentativa de) explosão do marxismo, passando pela perseguição e repressão do catolicismo, entre ambições pessoais e esperanças colectivas, num boião explosivo em que certos momentos sugerem a utopia de que tudo é possível. Numa época entre o “fim do mundo” causado pela I Guerra Mundial e a sua reconstrução em curso, que muitos acreditavam possível sem todos os defeitos e perigos do anterior.
Finalmente, L’impertinence d’un été é uma longa dissertação sobre arte, sobre o que a motiva e origina, sobre o momento criativo, sobre a insatisfação (que tantas vezes surge) face ao objecto criado, sobre as motivações, os desejos e os objectivos do artista.
Lapiére, com um texto contido mas profundo, em que as palavras têm o peso exacto, muitas vezes dizendo tanto quanto o que deixam intuir, conduz o relato – belo, poético, sentido - de forma equilibrada, aproveitando os momentos passados no tasco onde Théo e Miguel – o condutor de táxi – bebem e conversam – melhor, onde um conta e o outro escuta -, para os saltos temporais necessários à acção propriamente dita, passada cerca de 20 anos antes, no momento em que tudo acontecia.
Théo, o narrador, aliás Théophille Genet, pintor francês, personagem fictício, tem, apesar disso, uma enorme dimensão humana, expressando nas suas palavras, nos seus olhares, nos gestos e tiques, toda a emoção - todas as emoções: paixão, vibração, nostalgia, melancolia, tristeza, saudade… – que viveu (e agora revive). Sentimentos por vezes opostos, é verdade, mas que têm a sua razão de ser pela forma como acaba a história dos dois amantes – cujo reencontro serve apenas para se voltarem a separar – e como acabam, também, todas as ilusões e utopias (por isso são ilusões e utopias…) que foram sendo construídas... Como se tudo não tivesse sido apenas um imenso sonho de verão, que, no entanto, não durou mais do que os dois, três meses estivais, para depois a vida mergulhar nos mais sombrios Outono e Inverno, sem a esperança de uma Primavera que para Weston e Tina nunca chegou…
Quanto a Pellejero, com a sua habitual linha clara, de traço largo e expressivo, servida por cores planas, neste díptico quase sempre de tons mais sombrios, embora aqui e ali a cor expluda em momentos específicos e bem determinados, consegue passar para o desenho – com o desenho –, de forma notável, a carga sentimental inerente à história; veja-se, por exemplo, a belíssima e expressiva sequência de abertura do primeiro tomo ou a descrição da solidão de Weston no final do mesmo.
A reter
- A força e a emoção do relato.
- O traço de Pellejero (de quem, confesso, sou fã, há muitos anos).
Menos conseguido
- Eu sei que os autores demoram o seu tempo a criar e que, comercialmente, a obra funciona melhor assim, mas esta é uma daquelas historias que devia ser contada num só volume, para ser lida de uma só vez.
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