18/07/2011

O Western na BD portuguesa

Fernando Bento - O cavaleiro misterioso
Há 70 anos, era publicado no Pim-Pam-Pum, “O cavaleiro Misterioso”, que alguns consideram o primeiro autêntico western português, pelo tom realista da sua narrativa, apesar do traço ainda semi-caricatural do seu autor, Fernando Bento.Não que antes, não tivesse havido outras incursões neste género, mas eram todas de carácter humorístico. Entre elas, João Paiva Boléo, estudioso da BD portuguesa, destaca “A grande fita americana” (ABC, 1920, de Cottinelli Telmo), “As estupendas façanhas do Cow-boy façanhudo” (ABC-zinho, 1926, de António Cristino) ou “Aventuras de Tom Migas e do seu cavalo Caralinda” (Senhor Doutor, 1934, de Oskar Pinto Lobo). A estes, Jorge Magalhães, possivelmente o maior especialista do género em Portugal, acrescenta “Aventuras do Cow-Boy Jim Boy” (ABC-zinho, 1927, de Carlos Botelho) e, já mais tarde, “Arrepiado e Freitas cow-boys” (Papagaio, 1942), uma das muitas incursões na BD do mestre Júlio Resende.
Júlio Resende - Arrepiado e Freitas cow-boys
O género teve grande importância entre nós nas décadas de 40 e 50 – acompanhando a relevância que também teve no cinema – para depois, aos poucos ir perdendo popularidade. Não surpreende por isso que os grandes títulos do jornalismo infanto-juvenil português – Papagaio, Mosquito, Diabrete, Camarada, Cavaleiro Andante, Mundo de Aventuras – e os grandes autores da época tenham dado (pelo menos) uma voltinha… a cavalo! Mesmo quando este género não tem “uma incidência muito grande no conjunto de bonecos que tenho feito”, como reconhece José Ruy.
Por isso, dessa época, ficaram títulos que fizeram sonhar gerações de leitores: “Falsa Acusação”, “O Juramento de Dick Storm”, “Três balas”, “A vingança do jaguar” (todos de Vítor Péon), “O rei da Campina” (António Barata), “Falcão Negro, o filho de Jim West”, “Lobo Cinzento”, “O Grande Rifle Branco” (de E.T. Coelho), “O Vale da Morte” (Jayme Cortez), “O segredo das águas do rio” (José Garcês) ou “Os Cavaleiros do Vale Negro” (José Ruy).
ET Coelho
Falcão Negro: Tempestade no Forte Benton
Dos autores citados, dois – Coelho e Péon - destacaram-se pela qualidade e quantidade da sua produção, sendo também responsáveis pelos dois maiores heróis regulares que os westerns portugueses nos legaram. Coelho desenhou Falcão Negro, protagonista de quatro aventuras, publicado também em Espanha e no Brasil.
Vítor Péon
Tomahawk Tom - O Aventureiro
Péon, deu vida a Tomahawk Tom, que viveu treze histórias, depois de saltar (literalmente) da prancha de Péon, em 1950, no Mundo de Aventuras. Com um visual marcante assente no poncho franjado, faca à cintura e mocassins índios nos pés, teve versão francesa com o nome invertido (Tom Tomahawk) e uma tentativa frustrada de venda ao King Features Syndicate, distribuidor das principais bandas desenhadas norte-americanas.
Augusto Trigo - A sombra do Gavião
Péon, depois de longo período emigrado em França e Inglaterra, após o 25 de Abril regressou a Portugal, tendo auto-editado um álbum – “O regresso de Tomahawk Tom” – e 3 números do “Vítor Péon Magazine”. Nessa mesma década de 70, o seu herói seria recuperado pelo Jornal do Cuto e o Mundo de Aventuras, sendo justamente consagrado em 2004 numa emissão filatélica dos CTT, dedicada aos “Heróis Portugueses da BD”.
José Pires - Will Shanon
Mais tarde, os anos 70 e 80 assistiram ao recrudescer do género, destacando-se então Augusto Trigo, com “A sombra do gavião” e “Wakantanka”, centrado na vida e crenças dos índios, e José Pires, com “Homens do Oeste”, “Will Shanon” ou “Irigo”, este último com sete aventuras publicadas no Tintin belga e holandês mas inéditas em português.
Nesta evocação do western, duas obras aos quadradinhos merecem uma referência à parte, uma vez que a sua acção se situa em Portugal.
Pedro Massano - Mataram-no duas vezes
A primeira é “A lei do trabuco e do punhal - Mataram-no duas vezes”, de Luís Avelar e Pedro Massano, primeiro (e único) tomo de uma biografia (incompleta) de João Brandão, uma espécie de Zé do Telhado que viveu nas Beiras, que Paiva Boléo considera “um western bem português”.
João Amaral - O fim da linha
O segundo, publicado originalmente na revista Selecções BD, é “O Fim da Linha”, “uma homenagem a O Comboio Apitou Três Vezes, de Fred Zinneman”, revela João Amaral, o seu autor, que acrescenta “que a acção se passa numa aldeia portuguesa, no último dia do ano 2000, mas em tudo é um western, apesar da época ser a actual”.
Agora, tantos anos depois de “O cavaleiro Misterioso”, se muitos cowboys “portugueses” ficaram por relembrar neste texto, a quem com eles viveu grandes aventuras em pradarias ensolaradas, desertos tórridos ou canyons profundos, defendendo belas mulheres, perseguindo bandidos ou fugindo dos índios, aconselha-se a (re)leitura dos quadradinhos que há décadas os fizeram sonhar, se bem que a maior parte deles não seja fácil de encontrar…
Nota: sendo esta abordagem obrigatoriamente breve - e por essa razão nela só foram referidos os desenhadores, sendo esta uma injustiça para os argumentistas que reconheço - a quem quiser aprofundar o tema aconselha-se a leitura de “O Western na BD portuguesa” e “Vítor Péon e o Western” (ambos editados pela Câmara Municipal de Moura, no âmbito do Salão de BD local, integrados no esforço louvável que esta autarquia tem feito no sentido de recuperar algum do património português aos quadradinhos), dois estudos profusamente ilustrados e da autoria de Jorge Magalhãdes, possivelmente o maior especialista português no género. E de onde foram retiradas, aliás, com a devida vénia, muitas das imagens que acompanham o presente texto.

Sobre o mesmo tema ler também:
- O Western da BD portuguesa: depoimentos de Jorge Magalhães e João Paulo Paiva Boléo
- O Western da BD portuguesa: depoimentos de José Ruy e João Amaral (dia 20 de Julho)

Galeria
António Barata - O Rei da Campina

António Ruivo - Shannon

Augusto Trigo
Wakantanka: O bisonte negro

Augusto Trigo
Wakantanka: O povo serpente


Caelos Botelho - aventuras do Cow-boy Jim Boy


ET Coelho - O Grande Rifle Branco

ET Coelho - Falcão Negro

Jayme Cortez - O vale da morte

José Garcês - O segredo das águas do rio

José Ruy - os Cavaleiros do Vale Negro

José Pires - Homens do Oeste

José Pires - Irigo

José Pires - Will Shanon

Oskar Lobo
Aventuras de "Tom Migas" e do seu cavalo "Caralinda"

Pedro Massano - Mataram-no duas vezes

Vítor Péon - A Vingança do Jaguar

Vítor Péon - A Vingança do Jaguar

Vítor Péon - O juramento de Dick Storm


Vítor Péon - Três balas

Vítor Péon - Jerry Colt: o bando da cidade perdida

Vítor Péon - Tomahawk Tom

Vítor Péon - esboço de Tomahawk Tom


(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 17 de Julho de 2011)

7 comentários:

  1. Olá Pedro! Bela síntese sobre o tema! Só uma correcção: O livro do Pedro Massano, "Mataram-no Duas Vezes", não é sobre o Zé do Telhado, mas sim sobre o João Brandão, mais conhecido como "o terror das Beiras", pois actuava principalmente na zona de Viseu e Tondela. Abraço.

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  2. Excelente temática que desconhecia!!! Fantástico se houvesse uma reedição, ou compilação destas obras antigas.
    Parabéns por mais um artigo excelente.

    n u n o n o b r e

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  3. Caro Pedro,
    Renovo os meus elogios ao seu artigo, na versão do blogue muito mais completo e homogéneo, sem dúvida, do que o que foi publicado pelo JN. Ainda bem que se lembrou de noticiar esta efeméride, homenageando o Fernando Bento e o nascimento em Portugal das histórias de "cowboys" de índole realista, embora eu considere, como já referi várias vezes, que o primeiro "western" verdadeiramente fiel às premissas do género foi "Falsa Acusação", publicado n'O Mosquito em 1943, por sinal a história de estreia de Vítor Péon, o grande dinamizador do género na BD portuguesa.
    Obrigado também, e a propósito, por me considerar um especialista de renome. O maior não serei, decerto, porque há sempre, algures, quem saiba mais do que nós, mesmo nas matérias que dominamos com alguma desenvoltura. Achei curioso que incluísse no seu texto uma referência ao excelente "Mataram-no Duas Vezes", do Pedro Massano. Embora seja uma singular transposição desta temática para um imaginário português, discordo da opinião do Paiva Boléo, pois faltam-lhe, na minha óptica, os elementos essenciais do "western" relativos a tempo, acção e lugar, ou seja, o genuíno toque dos "westerns" clássicos, em que prevalecem as convenções e a ortodoxia do fundo sobre a forma. Quanto a "O Fim da Linha", do João Amaral, cuja génese eu próprio acompanhei com interesse nas Selecções BD, há, de facto, uma correspondência de fundo e de forma, por se basear num filme célebre, acompanhando a par e passo a linha narrativa (com uma expedita utilização de "raccords" e a sincronização do tempo, habilmente conjugada com a montagem de planos, numa espécie de desafio à perspicácia do leitor!). Ao lermos a história, temos sempre presentes as cenas do filme, o que torna plausível a transferência para um cenário diferente, numa época contemporânea. Mas, para mim, "O Fim da Linha" passa pela reinvenção de uma fórmula clássica, sob a capa de um "western" moderno, categoria que não existe, embora testemunhe o grande amor cinéfilo do João Amaral pelo género e particularmente pelo filme do Fred Zinemman, agora finalmente disponível em DVD.
    Para terminar, uma ressalva: as aventuras de Tomahawk Tom são 15, todas publicadas em Portugal. Eu próprio cometi esse erro num dos meus trabalhos, posteriormente rectificado no caderno sobre os "westerns" de Vítor Péon, editado este ano no âmbito do Salão de Moura, que contém a lista completa das aventuras de Tomahawk Tom.
    Outra observação, mas sem qualquer espécie de melindre: na nota final do seu texto, desculpa-se por não ter mencionado os argumentistas, o que é compreensível, mas na verdade incluiu o Luís Avelar, autor do guião de "Mataram-no Duas Vezes".
    Um abraço do
    Jorge Magalhães

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  4. Excelente texto sobre uma temática que é das minhas preferidas em banda desenhada. Esta viagem no tempo é um pau de dois gumes, primeiro porque traz-nos à memória grandes autores portugueses e grandes publicações que existiram e depois porque no regresso à actualidade vemos o vazio que existe hoje em termos de publicações e de produção portuguesa de westerns. Abraço

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  5. João Miguel,
    Mais uma vez, obrigado pela visita e pela atenção. A correcção já foi introduzida no texto.

    Nuno Nobre,
    Sim, há um enorme vazio entre na nós na reedição de clássicos, mesmo que apenas de forma selectiva. Para além do trabalho meritório mas de divulgação limitada da C. M. Moura, o resto é quase nada...

    Jorge Magalhães:
    Obrigado por tudo o que pude aprender consigo. Percebo e aceito a opinião do Paiva Boléo quanto ao "Mataram-no duas vezes", embora compreenda a sua discordãncia. Mas, independentemente disso, é uma obra que merece ser lida.
    E tem razão quanto ao Luís Avelar, escapou-se-me para o texto! O que acaba por ser injusto para nomes como Roussado Pinto e Raul Correia para além, claro está, do próprio Jorge Magalhães!

    Verbal,
    Pois, eu também li muitas destas obras há uns aninhos e vibrei com algumas delas...
    E hoje, não existe nada no western (temática de alguma forma "fora de moda") mas também pouco há no restante...

    Um grande abraço a todos!

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  6. Caro Pedro,
    Foi com prazer que li os comentários ao seu artigo, bem assim como o depoimento do Paiva Boléo, ontem publicado. E este suscita-me uma reflexão e uma dúvida, em relação ao próprio comentário que inseri horas antes e da nota a propósito do "Mataram-no Duas Vezes", pois verifico agora que o Paiva Boléo (crítico e investigador de grande craveira intelectual, a quem muito estimo e admiro) não fez sobre essa história do Pedro Massano e do Luís Avelar uma afirmação concludente, mas sim com algumas reticências, deixando à discussão as suas analogias com a temática "western".
    Por isso, embora mantendo o que escrevi, dentro de uma óptica mais "purista", chamemos-lhe assim, não quero que a alusão ao Paiva Boléo, por causa da minha primeira leitura das suas afirmações, no artigo do Pedro Cleto, possa parecer uma crítica directa ou uma tentativa de confronto.
    Um cordial abraço para ambos.
    Jorge Magalhães

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  7. Caro Jorge magalhães,
    Fica o seu esclarecimento e as minhas desculpas se de algum modo deturpei o que o Paiva Boléo pretendia dizer.
    Um abraço!

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